Como síntese do propósito de dominar as águas na Baixada dos Goitacases, o Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS) levou quase até o fim um projeto que consistia em conter as cheias do Rio Paraíba do Sul por meio da elevação e consolidação de um dique de alvenaria estendendo-se de Itereré à cidade de Campos e, daí em diante, de um dique de terra, pela margem direita. Na margem esquerda, foi erigido um dique-estrada de terra. De Itereré até próximo à localidade de Barcelos, foram construídos oito canais de drenagem e de irrigação, com tomadas d'água no Rio Paraíba do Sul protegidas por comportas manejáveis, a fim de aduzir água para a bacia da Lagoa Feia. Na margem esquerda, a idéia do "Canal Norte" ou "Grande Canal" vingou com a construção do Canal do Vigário, aduzindo água do Paraíba do Sul para a Lagoa do Campelo, e com o Canal Engenheiro Antônio Rezende, ligando a Lagoa do Campelo ao oceano, na praia de Guaxindiba. A instalação de comportas automáticas no Córrego da Cataia, construído pela natureza não-humana, só permitia a saída de água da Lagoa do Campelo para o Rio Paraíba do Sul, não o contrário.
Quanto à Lagoa Feia, suas águas defluiriam para o mar através do Canal da Flecha e teriam seu nível estabilizado na cota +3 IPC mediante uma bateria de quatorze comportas manejáveis. As margens da lagoa seriam demarcadas com um cinturão de diques que possibilitasse usar o grande manancial para a irrigação, invertendo o curso dos canais no período da estiagem. Esses diques margeariam também os baixos cursos dos afluentes da lagoa assim como o Canal da Flecha até as comportas. Para evitar o acúmulo de sedimentos na foz dos Rios Ururaí e Macabu, que tiveram seus cursos inferiores retificados, bem como na foz do Canal de Tocos, que desemboca na Lagoa do Jacaré, braço formado na Lagoa Feia por invasões de proprietários, o DNOS concebeu um canal submerso em forma de tridente que rasgaria o leito da Lagoa Feia de modo a formar um fluxo que transportasse os sedimentos para as comportas do Canal da Flecha, onde seriam retirados com dragas.
Para tanto, contudo, tornava-se necessário remover um vertedouro natural existente na origem do Canal da Flecha, denominado pelos pescadores de "Durinho da Valeta". Na confluência da Lagoa de Cima com o Rio Ururaí, seria construída também uma barragem regularizadora das cheias. Como ponto final, e também canto de cisne do DNOS, cumpria fixar a Barra do Furado, prolongando o Canal da Flecha mar adentro por meio de dois molhes de pedra, solução, aliás, já proposta pelo engenheiro Candido Borges.
Se o DNOS tivesse levado seus planos até o fim, o Rio Paraíba do Sul passaria a desembocar por um novo delta, este sui generis, constituído de três grandes braços: o principal em Atafona – com duas bocas –, o Canal da Flecha e o Canal Antônio Rezende. Não foi possível, todavia, ultimar a ligação Paraíba-oceano pela margem esquerda, remover o "Durinho da Valeta", endicar a Lagoa Feia, afluentes e defluente, construir a barragem na origem do Rio Ururaí e concluir os molhes prolongando o Canal da Flecha. Antes mesmo de ser extinto oficialmente pelo primeiro pacote de medidas do presidente Fernando Collor de Mello, em 15 de março de 1989, o DNOS já estava combalido e não dispunha de mais recursos para levar adiante seu ambicioso projeto de reforma da natureza. Isto sem considerar a resistência que lhe opuseram alguns segmentos da sociedade.
- Arthur Soffiati
- Arthur Soffiati