Começo com uma pergunta. Sei que sou pouco lido, mas meus parcos leitores já encontraram, nos meios de comunicação, referência freqüente à Organização Internacional das Madeira Tropicais (OIMT), ou ITTO, em inglês? Ela aparece pouco para nós, pessoas comuns. Trata-se de uma organização criada sob os auspícios da Organização das Nações Unidas, em 1986, para disciplinar a exploração das florestas tropicais. A OIMT conta com 59 membros, inclusive o Brasil.
A realidade é que as matas tropicais continuam sendo derrubadas velozmente. Há quem critique a OIMT por não conseguir desacelerar a destruição. Claro. Esta organização pode contar com um corpo permanente de funcionários competentes e honestos. Contudo, o esforço maior que eles fazem é conter os cupins, representados pelos países membros e não membros. Como proteger um rebanho colocando uma onça como guardiã?
Os países que contam com florestas tropicais não conseguiram perceber ainda que o maior valor delas está em mantê-las em pé. As equipes governamentais do Brasil e dos Estados amazônicos bem como os países que compõem a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica poderiam assumir a liderança mundial na proteção de bosques tropicais. Desde sempre, estes bosques cumprem um papel ecológico da maior relevância: absorver e armazenar gás carbônico. Se a Amazônia for extirpada, o despejo de CO2 na atmosfera aumentará de forma incalculável o aquecimento global, o que acarretará muitas catástrofes ambientais, sociais e econômicas. Enfim, a floresta em pé vale mais economicamente do que deitada ao chão.
Alguém precisa começar. Se os países que contam com bosques tropicais em seu território estão perseguindo ansiosamente o estilo de crescimento econômico norte-americano (algo que nunca vão alcançar), uma elite governante um pouco mais lúcida à frente do Brasil poderia assumir uma posição de liderança no mundo. Para tanto, tornam-se necessários construir uma nova legislação, aumentar os quadros de orientação e fiscalização, investir na educação e buscar paradigmas novos de desenvolvimento.
A legislação ambiental brasileira já está completamente ultrapassada, conquanto comumente se afirme que é a melhor do mundo. Toda ela foi construída sob a égide do paradigma fragmentário. Contamos com um código florestal, um código de proteção à fauna, um código de pesca, um código de águas (não o de 1934, mas a Lei nº 9.433/97), um código de minas, um código de cidades, um código de crimes ambientais. O que nos falta é um código de biomas. Em vez de tratarmos o ambiente de forma fragmentada, precisamos tratá-lo de forma integrada. Na natureza, não se pode entender subsolo, solo, água, vegetação e fauna nativas e cidades de forma separada. Um ecossistema nos ensina que tudo se relaciona com tudo.
O código de biomas aqui proposto não seria apenas uma nova lei estabelecendo-se o que não se pode fazer em cada um dos sete biomas brasileiros. Ele iria além deste patamar, indicando também como os ecossistemas de cada bioma podem ser usados e que empreendimentos poderiam ser instalados nele. Teríamos, então, um Código de Biomas e Desenvolvimento, analisando os ecossistemas de cada bioma, estabelecendo os seus limites e norteando governo, empresas privadas e sociedade para atividades e usos ecológicos, sociais, culturais e territorialmente adequados.
Por que o Brasil deve seguir o modelo norte-americano de desenvolvimento? Ignacy Sachs entende que tal modelo não é desenvolvido, senão, ao contrário, mal-desenvolvido. E os países periféricos estão ávidos em reproduzi-lo, o que resulta, ainda segundo Sachs, em países sub-mal-desenvolvidos. Por que, também, nos cinco biomas brasileiros deve implantar-se o que se estabeleceu como desenvolvimento nos biomas costeiro e atlântico? Aí, as práticas econômicas arrasaram manguezais, marismas, restingas, dunas, lagoas e rios. Transportado para os campos sulinos, este tipo de crescimento uniforme está apagando as características ecológicas desse bioma. A mais nova ameaça é a propagação do capim annoni (Eragrostis plana). O mesmo está ocorrendo com o Pantanal, com o Cerrado, com a Caatinga e com a Amazônia.
Para assegurar a observância ao Código de Biomas e Desenvolvimento, um corpo numeroso e capacitado de fiscais e de extensionistas precisaria ser criado, dignificando-o com salários justos. No próprio código, estariam definidas as sanções. A fiscalização seria amparada por promotorias e juizados de meio ambiente. A educação fecharia o circuito recursivo completo.
Infelizmente, leitores, não será com o governo Lula que estas modificações implementar-se-ão. E o pior é que não podemos contar também com a oposição de esquerda, de centro e de direita a Lula. Todas estas linhas têm a mesma visão de natureza. Mas fica aqui registrado o sonho.
- Arthur Soffiati
- Arthur Soffiati