Ao votar em Lula para o primeiro mandato de presidente, não esperei que ele transformasse o Brasil num país socialista. Esperei apenas que tentasse a construção, a duras penas, de uma social-democracia. Quanto ao ambiente, não tive nenhuma ilusão. Lula vem do ABC, uma zona altamente industrializada do Brasil. Naquele meio, convivendo com empresários produtivistas, ele se embebeu da visão de que a natureza é um mero estoque de energia e de matérias primas. Sua visão é também desenvolvimentista. Há mais afinidades entre ele e o grande empresariado do que entre ecologistas consistentes, empresários e operários.
Uma vez no governo por dois mandatos, Lula cercou-se de pessoas com visão convencional acerca da natureza e do desenvolvimento, como Dilma Roussef, Guido Mantega, Reinhold Stephanes, para só citar alguns do triste cortejo, que entram e saem por conta de alianças e escândalos. No máximo, poder-se-ia esperar que alguns ministros, como Marina Silva, do Meio Ambiente, e José Mariano Gago, da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, bem como a sociedade organizada em torno da questão ambiental, fizessem pressão sobre o governo para conter o avanço da destruição.
Nem esta pressão, contudo, está dando resultados. No primeiro mandato, vigorou, como política de governo, o "Fome Zero". No segundo, o "Programa de Aceleração do Crescimento", deixando bem claro de que lado está o governo. O Brasil está sendo governado por um presidente historicamente novo. No entanto, associou-se, mais do que devia, às forças conservadoras econômicas e políticas historicamente velhas. E a opção de um progressista conseqüente não é nem a ultra-esquerda nem a direita, como demonstrou inteligentemente Rui Fausto. É uma postura crítica lúcida e permanente.
Li recentemente uma entrevista de Danilo Türk, presidente da Eslovênia e presidente de turno da Unidade Européia. A Eslovênia desprendeu-se da antiga Iugoslávia e tem um território correspondente ao Estado de Sergipe. Sua honestidade acerca da política eslovena e européia deveria servir de exemplo para qualquer governante. Mas o governo brasileiro, já sabendo do desmatamento recorde na Amazônia, foi para fóruns internacionais anunciar mentirosamente a queda do desmate. Agora, que os números da destruição vêm à tona, o governo se apressa em tergiversar sobre eles para minimizar os dados do respeitado Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais.
Nem sequer o mínimo vem sendo feito em defesa da Amazônia. Bem ao contrário, o governo parece não querer conter o processo de supressão da maior floresta tropical do mundo. Sua política de incentivos à produção de soja, de gado e agora de cana mostra com eloqüência que o importante é o crescimento acelerado. Sempre que negativos, os números são contestados, criando-se em torno deles um tumulto. Quando favoráveis, ninguém do governo os contesta.
Com um dos maiores territórios do mundo, dentro do qual se encontram as maiores reservas de água doce do planeta, o governo de Lula poderia ir além de qualquer governo anterior do Brasil e do mundo, formulando um programa mundial de ecossistemas aquáticos que ultrapassasse em muito a canhestra Política Nacional dos Recursos Hídricos. O Brasil tem uma tendência espontânea a formar uma organização mundial em prol dos ecossistemas aquáticos continentais, não apenas para proteger áreas especialmente importantes – o que já tenta fazer a coordenação da Convenção sobre Zonas Úmidas de Importância Internacional, especialmente como hábitat de aves aquáticas, assinada na cidade iraniana de Ramsar em 1971 — mas para planejar a conservação e o uso deste bem cada vez mais ameaçado em termos de quantidade e qualidade.
O leitor mais ou menos informado já ouviu falar em Organizações das Nações Unidas (ONU), Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), União Européia (EU) e Mercosul. Quem já ouviu falar do OTCA? Significa Organização do Tratado de Cooperação Amazônica, assinado em Brasília em 1978, reunindo Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. Contando com a maior parte do bioma amazônico em seu território, o Brasil tem todas as condições de liderar um movimento pela proteção da Amazônia em âmbito mundial. Mas não basta ficar no plano da retórica, com suporte em dados deploráveis, como os divulgados recentemente pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. É preciso passar para um rigoroso planejamento e para a ação.
Contando ainda com sete biomas (grandes conjuntos ambientais), o Brasil poderia propor uma organização internacional para defesa dos ecossistemas tropicais: florestas, savanas, semi-árido, grandes áreas úmidas, campos nativos, restingas, marismas, manguezais. Governo, empresariado e sociedade, porém, são mesquinhos, atrasados ou descrentes. Voltamos na próxima semana.