A quem pertencem os canais?

Há ruralistas defendendo a exclusividade dos canais por proprietários plantadores de cana e por usineiros, como se a extensa rede de canais, com mais ou menos 1350 km de extensão, fosse propriedade deles. Na tentativa de brecar este sentimento de posse, é preciso fazer algumas considerações:

1- A Comissão de Saneamento da Baixada Fluminense e, posteriormente, o Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS) não abriram toda esta rede sobre a superfície do solo. Os dois aproveitaram as linhas naturais de drenagem entre o baixo curso do rio Paraíba do Sul e a bacia da Lagoa Feia, ambos intimamente ligados por sua formação geológica e pelo lençol freático. Aliás, já no século 19, os quatro canais de navegação – Campos-Macaé, Cacimbas, do Nogueira e da Onça – foram rasgados observando-se o mesmo recurso e utilizando-se as lagos maiores para auxiliá-los. O mesmo vale para a margem esquerda do Paraíba do Sul. Os canais do Vigário e Engenheiro Antonio Rezende acompanham antigas depressões de tabuleiro e de restinga para economia de esforços e de recursos financeiros. Ou bem ou mal, os engenheiros drenadores aprenderam algo com a natureza. Criaram uma geometria retilínea para a natureza, esgotaram parcial ou totalmente lagoas, mas ouviram a voz da natureza para destruí-la. Como, desde o período colonial, as águas superficiais são reserva do Estado, portanto bem de uso comum, os canais que substituíram as linhas naturais de drenagem, dando mais velocidade ao escoamento das águas, também pertencem ao Estado, continuando como bem de uso comum. A abertura de canais retilinizados obedecendo estas linhas não os torna propriedade privada ou bem de uso exclusivo. Portanto, pescadores, outros usuários e ecologistas têm direito a eles e a opinar sobre o que se faz com eles.

2- Organismos aquáticos, sobretudo crustáceos e peixes, continuam usando suas águas para viver e para sustentar a economia pesqueira. Sabe-se que os canais se transformaram em pontos de conflito social, como são os casos mais notórios, atualmente, do canal do Quitingute, na altura do Buraco do Ministro, do valão da Cataia e do canal de Todos os Santos, que buscou drenar totalmente a Lagoa Feia do Itabapoana. Lembre-se que a tentativa do DNOS em remover o Durinho da Valeta, vertedouro entre a Lagoa Feia e o Canal da Flecha, entre 1979 e 1981, provocou dois levantes de pescadores de Ponta Grossa dos Fidalgos que paralisaram as dragas flutuantes do DNOS ao se aproximarem do vertedouro para removê-lo. Que os pescadores fiquem atentos, pois este objetivo continua sendo perseguido dissimuladamente pelos ruralistas. Mais uma vez, a rede de canais é pública porque não está inteiramente em terras particulares e sustenta mais de uma atividade econômica.

3- Por mais que uma intervenção humana seja desastrosa, como foi o caso da ação do DNOS na região, a natureza tenta se recuperar. Os canais voltam a funcionar segundo os princípios da natureza, embora com perdas irreversíveis. As lagoas tentam recuperar sua área drenada, os rios retilinizados buscam seus antigos leitos. Os canais não podem ser vistos como aquedutos. Eles são ecossistemas empobrecidos, mas ainda ecossistemas. A vegetação espontânea volta a tomá-los. Os animais aquáticos voltam a povoá-los. Reconstitui-se a interação litosfera, hidrosfera, biosfera e atmosfera.

Em 2007, foi criado o Grupo de Ação Integrada (GAI), proposto pela SERLA para atender a demandas exclusivas dos ruralistas. Principalmente a limpeza e a dragagem de canais. Pelo menos duas mortandades de peixes, uma no Canal de Cambaíba e outra no Canal de São Bento, foram atribuídas, em parte ou no todo, à matéria orgânica retirada dos canais. A dragagem e a limpeza liberam gases do fundo e produzem decomposição de matéria orgânica vegetal, reduzindo o oxigênio dissolvido na água. Por falta dele, os peixes morrem, o ecossistema entra em crise e a pesca sofre prejuízos.

Os usineiros, acusados de lançar vinhoto e outros efluentes líquidos nos canais, defendem-se, jogando a culpa na dragagem e na remoção de plantas aquáticas. No entanto, são eles que exigem estas operações para limpeza e fluidez das águas. A SERLA culpa o vinhoto, talvez para se eximir no que tange à operação de dragas. A FEEMA fica entre o vinhoto e a matéria orgânica deixada nos canais. No entanto, os órgãos estaduais de meio ambiente dizem que os trabalhos das dragas estão devidamente licenciados. No final, sofrem os ecossistemas e a pesca.

Mais uma vez insisto que a limpeza, a operação e a manutenção dos canais estão sendo feitas de forma bruta, sem nenhuma preocupação ecológica, pelo GAI. Urge uma ação participativa com a presença de todos os interessados.

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