É engano pensar que o Projeto Genoma Humano afastou de vez o preconceito de pessoas, das sociedades e da academia. Vira e mexe, a cobra da discriminação mostra novamente sua cabeça. Assim aconteceu na década de 1990, com o livro A curva do sino, do cientista social norte-americano Charles Murray, sugerindo desigualdades de inteligência entre variedades fenotípicas com base no quociente de inteligência (QI).
Agora é a vez do laureado cientista James Watson, que, com Francis Crick, ganhou o prêmio Nobel por revelar a estrutura do DNA. Aos 79 anos de idade, Watson volta a público para mais uma declaração não apenas polêmica, porém preconceituosa e desprovida de base científica. Ele vem marcando a fase final da sua vida por tais declarações. Já disse que o homossexualismo é provocado por um gene e que seria perfeitamente compreensível e lícito uma mulher grávida provocar o aborto se soubesse que seu filho nasceria homossexual. Já considerou também os obesos como inferiores, e pensou em criar um mundo feminino formado só por mulheres bonitas por meio de manipulação genética.
Agora, mais uma vez, mencionando vários testes não explicitados, Watson declara publicamente que as políticas sociais do ocidente para a África são equivocadas por suporem que os negros são tão inteligentes quanto os brancos. Segundo ele, "Pessoas que já lidaram com empregados negros não acreditam que isso [a igualdade de inteligência] seja verdade." O pior é que suas posições – apoiadas em testes desconhecidos pela comunidade científica e em impressões pessoais – são corroboradas, com uma certa cautela política, é claro, por Richard Dawkins, líder da cruzada ateísta contra as religiões, por Bruce Lahn, um dos mais reconhecidos estudiosos da relação entre genes e inteligência e outros mais.
Numa entrevista recente de Lahn, chinês que imigrou para os Estados Unidos em 1988, há uma série de incongruências. Por exemplo: "Não há dúvida de que genes podem ser ligados à inteligência, assim como genes podem ser ligados à cor da pele. Nesse sentido, é possível que cor da pele e inteligência estejam ligados, mas de maneira indireta não-causal." Para dar consistência a sua posição, ele acrescenta que há estudos mostrando em grupos africanos um desempenho inferior em testes cognitivos, como o QI. Ele mesmo publicou artigos defendendo que africanos e leste-asiáticos têm incidência mais baixa em dois genes relacionados à inteligência. Sendo chinês, ele conclui que é inferior aos brancos.
Defendendo a ciência acima de tudo, ele sustenta que "Quando se trata de ciência relacionada a diferenças raciais, é impossível ser puramente 'científico'. É preciso levar em conta o sentimento das pessoas para a discussão não se degenerar em uma diatribe emocional". Vamos ver se entendi bem: as raças existem e são desiguais. Há raças superiores e raças inferiores, mas não se dispõem de provas científicas conclusivas. Watson diz que daqui a 10, 15 anos esta desigualdade será comprovada, mas nada foi confirmado até agora. Não se pode apelar para o emocionalismo em ciência. Todavia, quando são discutidas desigualdades raciais, impossível ser puramente científico.
Por este prisma, a contradição está sempre presente no mundo da ciência, embora os cientistas, em sua maioria, acreditem que não. A ciência está sempre contaminada pela cultura que a envolve. O perigo da genética é o geneticismo, ou seja, a redução de todo comportamento humano a explicações genéticas, como tentou Edward O. Wilson, brilhante como estudioso de biodiversidade, um desastre como sociólogo. O grande risco que corre a genética é transformar-se em religião, tentando explicar tudo por ela.
Assim, cai-se no determinismo novamente. O gordo não pode deixar de ser gordo. O homossexual já nasce homossexual. A mulher feia já nasce feia. O ambiente natural e cultural não conta. Ignora-se que, até no âmbito orgânico, as combinações genéticas geram emergências aleatórias e imprevisíveis. Se explicarmos estritamente tudo pela genética, não há como Richard Dawkins combater a crença no sobrenatural, pois ela deve ter uma raiz genética. Até sua defesa ardente do ateísmo será uma forma de religião. Nesta linha, o racismo será também genético e presente em todas as raças. Não tendo origem cultural, mas genética, o racismo não pode ser combatido, a menos que seu gene seja extirpado. O machismo será genético e as mulheres estarão sempre sujeitas aos homens. A destruição da natureza não decorre de mudanças profundas no modo de pensar do ocidente, mas de genes. O geneticismo leva ao determinismo e este ao conformismo. O perigo desta posição é tão grande que merece mais comentários na próxima semana.
- Arthur Soffiati
- Arthur Soffiati