(O Vidente)
Bons tempos os da guerra fria... O mocinho era os Estados Unidos e o bandido, a União Soviética. Não foi só o muro de Berlim que ruiu, em 1889, mas toda uma estrutura mental que nos definia ou dava conforto. Nós estamos aqui ou lá. O meio termo fica por conta de uma minoria que gosta de pensar. Como a maioria acomodada sofreu com a orfandade em que as deixou a morte da guerra fria! Era preciso criar um inimigo o mais rápido possível. Então, apareceram as ameaças vindas do espaço, as epidemias, as experiências biológicas, os monstros do reino animal, a crise ambiental.
Finalmente, graças a Deus, apareceu o novo terrorismo, aquele que não tem pátria para libertar nem base nacional para atuar. É um terrorismo desejoso de expulsar uma civilização que contaminou outra. É uma espécie de movimento de contra-aculturação. Bin Laden salvou o ocidente, mais particularmente os Estados Unidos.
Alguns filmes já anunciam este novo inimigo. Serpentes à Bordo, por exemplo, expressa a luta contra o terrorismo mundial (e não mais internacional), que ameaça o eixo do "bem". Até o terrorismo se globalizou. Este é também o tema de O Vidente (Next, EUA, 2007), com Lee Tamahori na direção. O roteiro foi escrito por Gary Goldman, Jonathan Hensleigh e Paul Bermbaun, tomando por base um livro de Philip K. Dick. Grandes são os méritos de Dick. Suas histórias de ficção científica inspiraram filmes memoráveis da atualidade, como Blade Runner: o Caçador de Andróides, Minority Report – a Nova Lei, e O Homem Duplo.
Já Lee Tamahori está acostumado a dirigir filmes de ação, como xXx: Estado de Emergência (2005) e 007 – Um Novo Dia Para Morrer (2002). Parece ter lhe faltado sensibilidade para tratar de um caso trágico no sentido grego. Cris Johnson (Nicolas Cage) é um mágico obscuro que trabalha numa espelunca de Las Vegas fazendo truques medíocres de magia. No entanto, ele nasceu com a capacidade de prever qualquer situação de perigo que possa envolvê-lo no máximo dois minutos antes que aconteça. Este dom/maldição permite que ele vá tocando sua vidinha no jogo de cartas, de forma bem discreta para não ser percebido.
Uma mulher, contudo, aparece em suas visões sem que ele alcance devidamente seu significado. E, atrás dele, está a agente Callie Ferris (Julianne Moore), já conhecedora de seu talento, não para prendê-lo por pequenos delitos, e sim para pedir sua ajuda na localização de uma bomba atômica a ser detonada por terroristas em Los Angeles. O poder de Cris permite que ele escape dela com facilidade. Finalmente, a mulher da visão aparece. Trata-se de Elizabeth (Liz) Cooper (Jessica Biel), professora que trabalha com uma nação de índios aculturados. Sua profissão lhe confere respeito.
Cris descobre que, quanto a ele, as previsões são de curto alcance no tempo, mas, em relação à Liz, ele é capaz de prever seu futuro com antecedência longa. Jéssica é a mulher de sua vida. É preciso conquistá-la, algo que não será difícil para um homem capaz de visualizar os efeitos positivos e negativos de suas táticas de aproximação. Não demora muito para que Liz se encante por ele e o ajude a escapar, não só da perseguição da polícia como também da dos terroristas.
Quanto ao conteúdo, dois aspectos devem ser salientados. Primeiramente, o terrorismo global cada vez mais é enfocado nos filmes norte-americanos, mas parece haver cuidado em relacioná-los a árabes, como a temer represálias. Têm sido freqüentes referências a franceses. Segundo, parece que a comunidade de informações dos Estados Unidos está disposta a recorrer a todos os meios, até mesmo a videntes e xamãs, para proteger o país. O discurso que justifica tais meios é o de sempre: defesa da liberdade e dos direitos humanos. Os nervos estão à flor da pele.
Nicolas Cage e Julianne Moore já se tornaram figurinhas carimbadas. Fazem qualquer filme. Dão a impressão de topar tudo por dinheiro. Desde Blade Trinity (2004), Jessica Biel vem se afirmando como atriz de talento. O Ilusionista a consagrou. Sua beleza exótica e meio rústica já a colocou como uma das mulheres mais atraentes da atualidade. Mas é preciso trabalho para se tornar uma atriz.
Uma das qualidades do filme é o uso recorrente de cortes que remetem ao futuro e ao passado, ludibriando o espectador. Mas faltou sensibilidade ao diretor para tratar a faculdade de Cris por uma perspectiva existencial. Stanley Kubrick está fazendo falta.
- Edgar Vianna de Andrade
- Arthur Soffiati