Baixeza na baixada - Tragédia em três atos

Primeiro Ato. A Comissão de Saneamento da Baixada Fluminense e o Departamento Nacional de Obras e Saneamento foram criados durante um período de Estado intervencionista na economia, algo próximo ao Estado de Bem-Estar Social, inaugurado nos Estados Unidos com o primeiro governo Roosevelt, em 1933. Saliente-se que a Comissão de Saneamento da Baixada Fluminense foi criada em 1933 e começou a operar em 1935. Seu sucesso levou a sua promoção ao plano nacional com o nome de Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS), em 1940.

É oportuno lembrar também que o DNOS nasceu sob o Estado Novo, um regime ditatorial imposto ao Brasil em 1937. Particularmente, o DNOS beneficiou-se muito dos regimes autoritários. Seu último período de esplendor ocorreu no regime militar inaugurado em 1964 e encerrado em 1985. É bem verdade que um decreto do João Goulart conferiu ao órgão o estatuto de quase um Estado dentro de outro Estado.

Tanto a Comissão da Baixada Fluminense quanto o DNOS operaram numa época em que todos os setores da sociedade aplaudiam seu trabalho. O apelo maior ficava por conta do saneamento, embora esta expressão encobrisse a drenagem de terras para a agricultura e a pecuária. Como a legislação de meio ambiente foi muito complacente até 1981 (Lei 6.938 instituindo a Política Nacional de Meio Ambiente), o DNOS flanava completamente solto. Mas, em 1978, o DNOS começou a enfrentar resistências dos pescadores, grupo tradicionalmente excluído pelo órgão, e dos ecologistas, que começaram a questionar o paradigma cartesiano a nortear suas obras.

Em 1984, o recém-criado Conselho Nacional do Meio Ambiente exigiu do DNOS, pela Resolução nº 12, estudos das conseqüências ambientais das obras em execução e dos projetos programados para o Estado do Rio de Janeiro. Como o órgão nada fez no prazo concedido de 360 dias, o Conama expediu a Resolução nº 2, em 1986, prorrogando o prazo para mais 270 dias. Nada foi feito pelo DNOS, mas, pelo menos, o órgão já não estava mais solto como antes.

Segundo Ato. Não foram os impactos ambientais e as críticas dirigidas ao DNOS que determinaram sua extinção no primeiro pacote de medidas do presidente Fernando Collor de Mello, mas sim o novo período que se inaugurava na política brasileira, na qual o Estado se encolhia e se enxugava. É o que se chama de neoliberalismo. Extinto o DNOS, instalou-se uma grande desordem no norte fluminense. A Serla deveria ter assumido o lugar do DNOS com uma política ecológica de ação. No entanto, comportas e canais ficaram à mercê de quem se impusesse. Os municípios, mormente Campos, interferiram na extensa malha de canais de acordo com seus interesses. O mesmo faziam as associações classistas de ruralistas e usineiros. A acefalia era tão grande que até os proprietários usavam a rede a seu bel prazer. A atuação era pautada por técnicas completamente empíricas, visando interesses particularistas e imediatistas.

Terceiro Ato. O terceiro momento começa com a Lei nº 9.433, de 1997, instituindo a Política Nacional dos Recursos Hídricos. Ela estabeleceu a cobrança pelo uso de água e exigiu que os recursos financeiros advindos dela só poderiam ser investidos na própria bacia fornecedora, se os moradores de seu âmbito criassem um comitê de bacias. O Estado do Rio de Janeiro também sancionou sua lei e dividiu seu território primeiro em sete macrorregiões administrativas; depois, em dez regiões hidrográficas. Cada região deveria ter apenas um comitê e tantos subcomitês quantos fossem necessários. No baixo curso do rio Paraíba do Sul, criou-se um grupo de trabalho para instar um consórcio que avançaria para um comitê. A região hidrográfica 09 passou a incluir também a bacia da lagoa Feia, intrinsecamente ligada ao Paraíba no seu trecho final.

No entanto, em vez de apoiar a instalação e o fortalecimento do consórcio, a Serla propôs um convênio com quatro prefeituras do baixo Paraíba e com os ruralistas e usineiros a fim de empreender obras emergenciais onde necessárias na rede de canais. Se o Conama exigiu estudos de impacto ambiental para o DNOS, agora o governo do Estado não exige mais nada. As obras, quando são licenciadas, recebem apenas licença simples. A Serla promoveu uma regressão, na medida em que ataca a rede de canais de qualquer maneira, sem a participação da sociedade civil, usando técnicas completamente ultrapassadas por serem antiecológicas.

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