Entre a realidade e o delírio

(Possuídos)

Pouco tempo depois da invenção do cinematógrafo, a nova tecnologia propiciou uma grande onda de experimentalismo que não permitia falar em linguagem hegemônica no cinema. Na década de 1920, o experimentalismo alcançou níveis notáveis. Griffith, que criara a linguagem do cinema norte-americano na década anterior, continuava em plena forma. Vertov e Eisenstein pontificavam na União Soviética. Na Alemanha, Fritz Lang e Friedrich Murnau consolidaram o expressionismo. Luis Buñuel, Salvador Dali, René Clair e Jean Renoir criaram a marca francesa.

Ainda nos anos de 1970, era possível assistir a filmes italianos, franceses, alemães, russos, japoneses, suecos, poloneses e de outros países em cinemas de cidades do interior. Aos poucos, eles foram sumindo das telas e, em seu lugar, os filmes norte-americanos tornaram-se hegemônicos. Como explicar esta invasão? Dinheiro e tecnologia. A indústria cinematográfica dos Estados Unidos investiu pesadamente em tecnologia e criou personagens que se afastam de pessoas comuns. O cinema de outros países não pôde ou não quis entrar nesta concorrência.

Assim, a linguagem do cinema norte-americano foi se impondo ao público. Linguagem, note-se bem, que acabou se cristalizando. Hoje, podemos até falar numa espécie de cartilha para a linguagem norte-americana de cinema. Uma fórmula de sucesso de bilheteria que até os diretores mais independentes ou autorais devem seguir para não serem alijados do mercado. Quem manda são os grandes estúdios e os produtores, que escolhem os diretores e ainda interferem nas montagens. Filme que foge aos cânones vigentes não entra em cartaz ou fica pouco tempo nele. A independência, mesmo nos Estados Unidos, é punida com o ostracismo. Se chega às telas, vai merecer atenção apenas da crítica especializada No público viciado pela droga do padrão, causa estranheza.

Este o caso de Possuídos (Bug, Estados Unidos, 2006), dirigido por William Friedkin, com roteiro de Tracy Letts, que adaptou para o cinema uma peça teatral de sua autoria. Lembremos que Friedkin é autor do clássico O Exorcista, filme muito discutido, mas também muito apreciado pelo público de gosto mediano. Bug (percevejo, inseto rastejante, micróbio, idéia fixa) começa estranho para quem está doutrinado pela cartilha do cinema norte-americano.

Agnes White (Ashley Judd) é uma mulher que mora sozinha num motel isolado. Seu passado é amargurado. Foi casada com Jerry Gross (Harry Connick Jr.), um homem violento com quem teve um filho que desapareceu. Depois de cumprir pena de prisão, ele está solto. Ela tem muito medo dele. Telefonemas mudos perturbam a solidão de Agnes e aumentam mais ainda seus temores. Este ingrediente inicial leva o espectador a esperar uma história previsível. Provavelmente, Jerry está por trás dos telefonemas para aterrorizar Agnes. Se não ele, talvez algum maníaco ou fantasma irá surpreendê-la à noite. De fato, Jerry aparece, mas frustra o espectador.

Imprevisível, Possuídos leva ao encontro de Agnes um homem gentil, embora estranho, por meio da amiga R. C. (Lynn Collins). Trata-se de Peter Evans (Michael Shannon), um veterano da Guerra do Golfo. Agnes e R. C. são garçonetes de um bar de lésbicas e consumidores de drogas. A solidão de Agnes e de Peter os aproxima e estabelece entre eles uma forte ligação. O espectador simples é levado, então, a pensar que Peter é o vilão. Mais uma vez, esta suposição frustra. O ex-marido e a amiga de Agnes desaparecem da cena, que se limita agora a Agnes e Peter. Este revela que foi cobaia do exército norte-americano e que desertou. Diz que inocularam insetos em seu corpo e que está sendo procurado por agentes.

De fato, na casa de Agnes, aparece um tal Dr. Sweet à procura de Peter. Na sua versão, o ex-soldado é um psicopata. Agnes, contudo, já se sente também vítima dos insetos que atacam Peter. Num clima claustrofóbico, o final do filme mais uma vez frustra a maior parte do público. Inclusive, é patente o desconforto e o descontentamento de algumas pessoas, que ser retiram da sala de cinema antes do fim.

No ar, a dúvida quanto a uma neurose contagiosa vivida e propagada por Peter ou quanto a uma psicose que envolve sua namorada. Em ambos os casos, um fenômeno bem típico da sociedade norte-americana. Com baixíssimo orçamento e com a excelente atuação de Ashley Judd, William Friedkin produz um filme no mínimo enigmático. Não é nem terror nem suspense, como tem sido classificado, mas um drama que fala muito bem sobre a cultura dos Estados Unidos atualmente.

 

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