Certa vez, bateu em nossa porta uma cadela vira-latíssima, preta cega de um olho e esfaimada. Nós a acolhemos, tratamos dela, demos-lhe alimento de qualidade e a batizamos de Pretinha. Seus nomes foram mudando ao longo do tempo e ela acabou sendo chamada de Tevul. Não sei por que e como se dava esta mudança de nome.
Tevul tinha uma personalidade singular. Meu irmão e eu gostávamos de irritá-la, colocando-a de costas no chão e apertando sua barriga. Ela rosnava feroz, mas era incapaz de nos atacar. Liberta da provocação, ela atacava o cão que estivesse mais próximo.
Era o efeito Tevul, que vejo agora, tanto tempo depois da morte da cadela. Tevul é a grande inspiradora de Sérgio Cabral, de Rosinha Garotinho e de tantos outros prefeitos de municípios que recebem royalties pela exploração de petróleo entre São Paulo e Espírito Santo. Qualquer leitor está cansado de saber que os royalties do petróleo são uma espécie de compensação financeira paga pelas empresas exploradoras de petróleo aos Estados e municípios que sofrem impactos socioambientais causados pela atividade. Todos sabem que se trata de um direito constitucional. Todos sabem que foi apresentado um projeto de lei no Congresso Nacional contemplando todos os Estados e Municípios da Federação com esta compensação. Todos sabem que o projeto transformou-se em lei e recebeu vetos da Presidente Dilma Roussef. Todos sabem que, consultado o Supremo Tribunal Federal, o Ministro Luiz Fux, em liminar, decidiu que a discussão sobre os vetos só poderia ocorrer depois que outros vetos muito antigos fossem apreciados. Mas que o STF julgou o caso e derrubou a liminar, deixando o Congresso livre para apreciar os vetos da presidente à nova lei dos royalties antes dos outros.
Sabemos muito bem que se travou uma luta de cachorro grande. Os muitos parlamentares sem osso atacaram os poucos parlamentares com osso. Todos eles rosnam muito. Se os parlamentares com osso representassem Estados que não recebem royalties, certamente iriam atacar os detentores de osso e vice-versa.
Os Estados e Municípios que defendem ferozmente seu osso argumentam, com razão, que a perda dele representará uma catástrofe para as suas finanças. Sabemos que a luta agora não pode ser numa rinha comum. Só na rinha do STF se pode decidir quais cachorros têm razão e quais não têm. No entanto, os cachorros cujos ossos estão ameaçados partiram para o Efeito Tevul: antes que os desastres provocados pela perda dos royalties aconteçam, o governador do Estado do Rio de Janeiro e os prefeitos dos municípios mais aquinhoados estão castigando o povo e as empresas contratadas. Trata-se de uma prévia do que vai acontecer, mas sobre os inocentes.
Planejei ir ao Rio de Janeiro na semana passada, mas desisti por causa de uma grande manifestação que bloqueou a BR-101, nos dois sentidos, na altura de Ururaí. Minha viagem tinha por fim a recreação. Ela podia ser transferida sem problemas, e foi o que fiz. Antes, porém, acompanhei a aflição de outras pessoas que precisavam viajar. Conversei com elas no Shopping Estrada, que de shopping não tem nada, nem sequer um relógio público. Uma senhora precisava trabalhar em Vitória, mas seu ônibus, com garagem no Posto Flecha, não podia atravessar a barreira da manifestação liderada por Rosinha. Um senhor tinha consulta médica no Rio de Janeiro, mas não pôde chegar ao destino a tempo. O mesmo aconteceu com um professor, com reunião marcada no Rio.
O Efeito Tevul provocado por Rosinha assumiu desagradáveis dimensões. A opinião mais corrente era que a questão deveria ser tratada no STF, não prejudicando a população. Uma pessoa considerava certa a distribuição dos royalties entre todos os estados. A mais indignada de todas propalava alto e bom som que Cabral e Rosinha apesar de adversários, fazem parte da mesma panela. Outra entendia que as manifestações a atingir inocentes ferem o direito constitucional de ir e vir. Finalmente, a opinião mais contundente entendia que existe caixa dois entre governantes.
Aprendi nos livros que o Estado é racional, mas estou assistindo a manifestações completamente irracionais promovidas por seus dirigentes em autênticos Efeitos Tevul. Inclusive com a intensiva queima de pneus, dando péssimo exemplo antiecológico e com a quase paralisação dos serviços públicos. Partam para o STF, não para a população e para as empresas contratadas.