Mas o movimento iraniano chegou a confundir intelectuais. Foi o caso de Michel Foucault, que se entusiasmou com ele e lhe prestou solidariedade. Mais tarde, se arrependeu. Não é difícil iludir intelectuais que se encastelam na academia. Da mesma forma, é de bom tom intelectuais fazerem autocrítica. É pertinente, também, observar que uma questão comumente é avaliada no contexto da sua época. O casal Rosenberg foi condenado nos Estados Unidos por professar o comunismo durante o auge da Guerra Fria, não porque representasse uma grande ameaça para o país.
Assim, parece que "Argo" recebeu o Oscar de melhor filme mais por suas qualidades intrínsecas do que por evocar um episódio real que ocorreu nos anos de 1980-81. Como o Irã se tornou uma pedra no sapato dos Estados Unidos desde 1979, o filme veio a calhar, justamente agora, em que o Irã, com suas pretensões de se tornar um país detentor de armas nucleares, representa uma ameaça conveniente a Washington e a Israel.
Lembro de outro episódio semelhante: a Rebelião dos Boxers, em 1900, na China. Os chineses queriam não apenas expulsar os ocidentais do país, como também a influência ocidental. Quem julgar o movimento pelos cartazes e documentos dos rebeldes pode concluir, apressadamente, que os chineses alcançaram seu intento. Na verdade, a rebelião foi um fracasso completo. Conclusão: no papel, a China ganhou; na realidade, foi derrotada. O movimento de contra-aculturação do Irã, a partir de 1979, representou uma fragorosa derrota para os Estados Unidos. Contudo, pode-se pinçar um acontecimento isolado para se demonstrar que, mesmo perdendo, pode-se aparentar vitória.
Eis o que pretende o roteiro de "Argo", escrito por Chris Terrio com base no livro do agente Tony Mendez, que viveu a história, e num artigo de Joshuah Bearman. Ao lado do produtor Ben Affleck, que também o dirige e nele atua como personagem principal, estão George Clooney e Grant Heslov. Os cabeças do filme fazem um tremendo esforço para demonstrar que ele não é o que é: uma defesa dos Estados Unidos, do individualismo e do final feliz. O elenco não conta com homens e mulheres bonitos. O agente Tony não usa armas nem pratica ações acrobáticas. Tudo é muito discreto. O desfecho coletivo é coroado de êxito, assim como o da vida particular de Tony. Funcionários do alto escalão do governo norte-americano e da CIA reconhecem que os Estados Unidos apoiaram o regime ditatorial de Reza Pahlavi e que este praticava tortura.
Há também um grande empenho para demonstrar que os iranianos tinham razões de sobra para combater a intromissão norte-americana no Irã. Embora a população seja retratada como uma turba enfurecida, várias autoridades são muito bem educadas e informadas. Para elas, o Irã não é visto como o oriente exótico, com tapetes voadores, como o imagina o ocidente. Mas, no fim das contas, um único homem faz os iranianos de trouxas. E este homem é um agente da CIA que, usando unicamente sua inteligência e experiência, consegue resgatar seis cidadãos estadunidenses severamente ameaçados pelo novo regime do país.
A fim de conferir ao filme uma aura de suspense, parece que situações inverossímeis são criadas por ocasião da fuga, mesmo em se tratando de história baseada em fatos reais. Ninguém mais apropriado para divulgar o Oscar de melhor filme que a primeira dama Michelle Obama.
Lembro de "O resgate do soldado Ryan", dirigido por Steven Spielberg em 1998. Nele, toda uma unidade do exército norte-americano é colocada sob risco de morte para salvar um único homem. É bem verdade que, em "Argo", só um agente corre este risco para salvar seis cidadãos norte-americanos. Olhando por outro lado, porém, existiam muitos outros reféns do novo regime iraniano, que acabaram sendo libertados por negociação.
Mas o filme tem seus méritos. Nada de excepcional na fotografia, na montagem e na música. O que vale é a reconstituição de época nos seus mínimos detalhes. Exatamente por isto, ele ganha a cotação dada por este crítico.