Aos oito anos de idade, ainda sem juízo formado, recusei-me a ser crismado, ou seja, a confirmar o batismo. Não chegou a ser um escândalo porque meus parentes entenderam que se tratava de algo parecido com birra. Com o tempo, esperavam eles, eu ingressaria na comunidade católica, através da primeira eucaristia. Também recusei esta.
Mas minhas dúvidas acerca do plano metafísico eram atrozes. Então, empreendi uma longa jornada em busca de uma explicação que me convencesse. Tornei-me um estudioso de religiões, como atesta um setor da minha biblioteca. Fui reprovado em todas as doutrinas religiosas. Todas têm dogmas que não consigo compreender e muito menos aceitar. Faço uma exceção, talvez, para o taoísmo, que não especula sobre o metafísico e cuida do planeta em que vivemos.
É a partir desta perspectiva que comento a renúncia do Papa Bento XVI. Não tenho a mínima intenção de criticar a Igreja e a decisão do Sumo Pontífice por entender que se trata de assunto restrito aos católicos apostólicos romanos, a menos que problemas da Igreja transbordem para a sociedade com um todo.
O primeiro elemento da crise, a meu ver, é constituído pelos próprios fiéis. Duas pessoas me disseram que as igrejas católicas são mais frequentadas hoje do que ontem, indício de que não há crise de fé. Noto, porém, que as igrejas contam mais com os corpos dos fiéis nas missas, não tanto com os espíritos que os habitam. Fora da missa, os espíritos estão em outro lugar que não em Cristo. Claro que há exceções.
Noto também, que os fiéis não são tão fiéis assim. Os padres têm consciência de que os preceitos religiosos não estão sendo devidamente observados. Existem infidelidades de toda ordem por parte dos católicos. Os métodos contraceptivos condenados pela Igreja são usados e o aborto é praticado no âmbito da vida privada por eles. Há católicos ferindo o sacramento do matrimônio etc. Repito que nada tenho a ver com isso. Estou apenas tentando empreender uma análise.
Um terceiro grupo de católicos não se sente confortável na Igreja e busca outras denominações cristãs e não-cristãs. Parece que a ênfase no social, dado pelo Concílio Vaticano II, esqueceu o individual, o que outras denominações não fizeram. Agora, a Igreja volta ao indivíduo, com seus padres cantores e seus imensos templos, como o construído pelo Padre Marcelo Rossi. Tem-se a impressão de que é preciso manter os fieis dentro da Igreja ou atrair os que não fazem parte dela. O equilíbrio entre o individual e o social ainda não foi alcançado, se é que o será algum dia.
Neste terceiro grupo, estão aqueles que saíram da Igreja por considerá-la conservadora. Confesso que não entendo o desejo ardente de pessoas em mudanças improváveis na Igreja, tais como aceitar o casamento religioso de homossexuais e o aborto. Em vez de cobrar estas mudanças, os reclamantes deveriam desligar-se da Igreja.
Entretanto, os problemas mais sérios parecem estar dentro do próprio clero. Pelos documentos eclesiásticos e pelo noticiário, é inegável a existência de lutas internas pelo poder, assim como o uso de cargos para benefícios pessoais. Não há dúvida quanto à pedofilia, que o Vaticano tardou em reconhecer. Há envolvimentos financeiros espúrios. Há escândalos sexuais gritantes. Há discórdias profundas, mormente entre bispos e cardeais, quanto aos rumos da Igreja. O recente documento encomendado pelo Papa a cardeais parece ter sido a gota d'água para a decisão de Bento XVI renunciar.
Como não faço parte da comunidade católica, entendo que o novo papa deverá enfrentar tais problemas de frente, com ajuda firme do clero e dos verdadeiros fieis. A mim, vem ao caso questões que ultrapassam a Igreja, como as injustiças, o referendo à escravidão e os genocídios do passado, a pedofilia e a corrupção. Parece que a Igreja está precisando de uma "Rerum Novarum" que deixe claras as suas posições. Embora agnóstico, lavro minha admiração e meu respeito pelas religiões, sobretudo as ecumênicas. Mas percebo que o mundo contemporâneo lançou todas elas em profunda perplexidade. O deus dinheiro está falando mais forte. Se um profeta do porte de Isaias aparecesse entre nós, certamente se voltaria contra os católicos com suas imprecações.
Os maiores adversários da Igreja estão dentro dela. Sempre vi as religiões sinceras como uma luz moral a iluminar os caminhos de fieis e não fieis. Com pesar vejo o brilho dessa luz bruxulear. Assim, a renúncia do Papa soa como cansaço e protesto.