Logo depois de eclodir a primeira revolução industrial, no fim do século 18, a questão social se manifestou com rapidez. Não demorou a surgirem os críticos da economia de mercado, variando do socialismo cristão ao comunismo e ao anarquismo. No mínimo, o capitalismo deveria respeitar limites. No máximo, ele deveria ser suplantado pelo socialismo-comunismo-anarquismo.
A crise ambiental demorou mais a se manifestar porque a capacidade de adaptação (resiliência) do planeta é bem maior do que o da sociedade. Só nos anos de 1960, cientistas começaram a perceber a doença que acometia a Terra. Geólogos e paleontólogos esclareceram que a crise distinguia-se das cinco grandes crises planetárias registradas em passado anterior aos seres humanos. Além de global, a crise de hoje resulta de atividades humanas coletivas nos sistemas capitalista e socialista. Por isto, ela é singular na história da Terra.
Em 1972, a Organização das Nações Unidas promoveu, em Estocolmo, a primeira conferência mundial para discutir as relações conflituosas entre desenvolvimento e limites da Terra. Nela, foram discutidos dois princípios que nos incomodam muito ainda hoje: 1- os limites do planeta e 2) a promoção do desenvolvimento sem ferir tais limites. Houve uma resposta à segunda questão que recebeu o nome deecodesenvolvimento. Embora a ciência desconhecesse quase tudo sobre os limites do planeta, Maurice Strong e Ignacy Sachs aprimoraram o conceito de ecodesenvolvimento propondo cinco critérios para ele: 1- respeito aos limites dos ecossistemas, 2- respeito às diversas culturas do mundo, 3- distribuição geográfica equilibra da população mundial, 4- priorização do social no processo de desenvolvimento e 5- adequação das técnicas e tecnologias às peculiaridades de cada meio socioambiental.
Antes que o ecodesenvolvimento fosse testado, a ONU criou uma comissão para estudar o estado das relações ecologia-economia. Esta comissão concluiu seus trabalhos com o relatórioNosso Futuro Comum, que propôs o conceito dedesenvolvimento sustentável, triunfante na Conferência Rio 92. Em princípio, seu significado era muito semelhante ao de ecodesenvolvimento, mas logo ele ganhou diversos sentidos e se perdeu. Hoje, fala-se em crescimento sustentável, juros sustentáveis e até em corpo sustentável, todos eles ecologicamente insustentáveis.
Enquanto eram propostos caminhos para um novo desenvolvimento, os cientistas faziam um grande esforço para detectar os componentes da crise ambiental e mensurá-los. Entre 1992 e 1995, William Rees e Mathis Weckmagel desenvolveram o conceito depegada ecológica, bastante usado atualmente para medir até o impacto que cada indivíduo causa à Terra. A pegada ecológica levou à mensuração de carbono lançado na atmosfera pela civilização ocidental e ocidentalizada.
Em 2000, o Prêmio Nobel de QuímicaPaul Josef Crutzenconcluiu que a humanidade, operando coletivamente, estava criando uma nova época geológica, batizada por ele deAntropoceno. A conclusão do cientista foi endossada pelo quarto relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. De fato, as emissões gasosas emanadas de atividades rurais, industriais e urbanas estão mudando perigosamente o clima do planeta. As pesquisas do IPCC contribuíram significativamente para construir o conceito deeconomia de baixo carbono.
De 1995 aos dias de hoje, a comunidade científica avançou bastante na identificação dos fatores responsáveis pela crise ambiental e na mensuração deles. Ainda em 2007, foi criado o Centro Resiliência de Estocolmo, que vem demonstrando a complexidade da crise ambiental. Em primeiro lugar, mostrou-se que, ao lado das mudanças climáticas e do empobrecimento da biodiversidade, mais oito componentes devem ser levados em conta: a depleção da camada de ozônio (ainda não resolvida), a acidificação dos oceanos, o comprometimento da água doce, as profundas alterações no uso do solo provocadas pela agropecuária e pela urbanização, a contaminação dos meios rurais e urbanos, a aceleração antrópica do ciclo de nitrogênio, a aceleração antrópica do ciclo de fósforo e a emissão de partículas sólidas (aerossois) na atmosfera. Além disso, o Centro explica que a capacidade da Terra em amortecer impactos e adaptar-se a eles (resiliência) deve ser levada em conta na mensuração dos fatores. No entanto, esclarece que aresiliênciatem limites e que a humanidade deve trabalhar dentro de umespaço seguro de operação.
Com todas estas contribuições à disposição, os participantes da Rio+20 elegeram o conceito deeconomia verdepara substituir o desustentabilidade. Entretanto, tal como este segundo, economia verde ainda é um conceito não devidamente claro. Assim, ele já está sendo apropriado pela economia de mercado para valorar (atribuir valor econômico) e precificar (estabelecer preço) bens e serviços da natureza. No século 19, Marx entendia que água e ar eram bens abundantes e, por esta característica, nunca seriam transformados em bens de troca pelo mercado.
Até pouco tempo, os economistas não cogitavam que a fotossíntese, a capacidade de troca catiônica do solo, o trabalho das minhocas, a polinização por insetos, aves e morcegos, a umidade relativa do ar, a atividade dos decompositores e tantos outros bens e serviços da natureza pudessem ser valorados e precificados. Esta tendência começou com economistas que atribuíam valor econômico a ecossistemas destruídos por ação humana para fins de indenização por parte do destruidor.
Cada vez mais, agora, empresários e governos pensam em ganhar dinheiro com a manutenção de florestas em pé, com a conservação da água doce, com os serviços prestados gratuitamente pela natureza. Tomemos o urubu como um exemplo simples. De graça, ele se incumbe de devorar animais mortos não recolhidos pelo serviço de limpeza pública. Invocando a economia verde, algum governo nacional poderá instituir uma lei autorizando que os urubus sejam empresariados e tenham o seu serviço gratuito mercadorizado.
Pode-se alegar que a mercadorização de bens e serviços produzidos e prestados gratuitamente pela natureza contribui para protegê-los da destruição, mas existe um grande perigo neste processo. As mercadorias oscilam de acordo com a lei da oferta e da procura. A mercadorização de bens e serviços gratuitos retira deles seu valor intrínseco. Eticamente, os seres vivos têm valor intrínseco pelo que são, não por sua utilidade ao ser humano. Transformados em mercadoria, bens e serviços antes gratuitos, ficam sujeitos às oscilações do mercado, que ora podem ajudar a protegê-los, ora a destruí-los.
Para ilustrar o perigo que representa transformar os bens e serviços gratuitos da natureza em mercadoria, recorramos à fabula de Esopo sobre a galinha dos ovos de ouro. Um casal comprou uma galinha em tudo igual às outras galinhas: bico, penas e pés. Mas foi grande a surpresa e a alegria do casal ao descobrir que ela punha ovos de ouro. Marido e mulher pensaram em ganhar muito dinheiro com os ovos. Contudo, em vez de esperar que a galinha pusesse mais ovos, resolveram matá-la e abrir sua barriga para obter mais ovos. Acontece que a galinha era igual a todas as galinhas por dentro. Moral da história: quem tudo quer tudo perde. Os ovos é que são a mercadoria. Se os preços caírem, os ovos podem ser vendidos por valor mais barato. Se subirem, por preços mais caros. A galinha, no entanto, não pode ser mercadoria, pois se cair seu preço será mais vantajoso matá-la. Mas os ovos vão-se com ela.
Arthur Soffiatié doutor em história social com concentração em história ambiental e pesquisador do Núcleo de Estudos Socioambientais da Universidade Federal Fluminense/Campos dos Goytacazes