Quando um zumbi se apaixona

(Meu namorado é um zumbi)

De um modo geral, os críticos não gostaram de "Meu namorado é um zumbi" ("Warm bodies", EUA, 2013), dirigido por Jonathan Levine. E há razões suficientes para esta apreciação. O roteiro do próprio Levine se esforça para angariar a simpatia do público feminino adolescente criando uma espécie da saga "Crepúsculo", na qual um vampiro vegetariano e um lobisomem jovem e másculo, disputando o amor de uma mocinha, arrancam suspiros e gritinhos. No lugar dos dois, ensaiaram um zumbi que se apaixona por uma moça integrante de um grupo exterminador de zumbis. Mesmo apaixonado, um zumbi não pode apresentar o mesmo atrativo estético que um vampiro e um lobisomem. Mais ainda, a fotografia de Javier Aguirresarobe é convencional e bem comportada. E, acima de tudo, o filme é monótono até para a plateia adolescente a que se destina.
Como os filmes de zumbis produzidos a partir de "A noite dos mortos-vivos" ("Night of the living dead", EUA, 1968), de George A. Romero, "Meu namorado é um zumbi" reproduz o fenômeno do morto vivo não como resultado de uma maldição, mas de uma doença ou de outro fenômeno natural que matou muitas pessoas, mas as ressuscitou de forma incompleta. Esses mortos-vivos andam lentamente, como que se arrastando, em busca dos verdadeiramente vivos para devorá-los. Para serem mortos definitivamente, é preciso estourar seus miolos. Por este prisma, eu classificaria os filmes de zumbis dos últimos 45 anos como ficção científica, e não como terror. São filmes apocalípticos que salientam uma epidemia como fator de decadência da humanidade por seus abusos contra a natureza, assim como são os filmes dist ópicos sobre catástrofes nucleares, pandemias, colisões de asteróides com a Terra, invasões de extraterrestres e destruição do ambiente.
Ao que se saiba, o mais antigo filme de zumbi foi "Zumbi branco" ("White Zombie", EUA, 1932), com direção de Victor Halperin. Nele, o mestre do terror Bela Lugosi representava Legendre, que transformava pessoas saudáveis em trabalhadores zumbis com a ajuda de uma poção misteriosa. Halperin respeitava a tradição vodu haitiana dos zumbis. O filme fez sucesso e mereceu a sequência "Revolta dos Zumbis" ("Revolt of the Zombies", EUA, 1936). George Romero substituiu a magia negra por micro-organismos desconhecidos para explicar o surgimento de zumbis.
Romero deu um caráter político a seus mortos-vivos, segundo ele representando a maioria silenciosa dos Estados Unidos. Frequentadores consumistas de shoppings se assemelham a mortos-vivos, assim como trabalhadores super-explorados. Aliás, no seminal "Metropolis", de Fritz Lang (1927), os trabalhadores se arrastam como zumbis.
De marcha lenta, os mortos-vivos passam a se deslocar com rapidez atrás de suas presas vivas em "Madrugada dos mortos ("Dawn of the Dead", EUA/ Canadá, 2004), de Zack Snyder, refilmagem de título homônimo dirigido por George Romero em 1978. Já em "Terra dos Mortos" ("Land of the Dead" EUA/Canadá/França, 2005), mais um de George Romero, os mortos-vivos começam a pensar e a se organizar.
"Meu namorado é um zumbi" tem todos estes ingredientes e acrescenta novidades. Os mortos-vivos pensam e refletem sobre seu destino, especulando sobre as causas de sua condição sub-humana ou semi-humana. Um deles, em especial (R, interpretado por Nicholas Hoult), apresenta uma sensibilidade apurada e chega a se comunicar com outros zumbis por meio de grunhidos. Seus pensamentos são apresentados em off. Expressiva população de mortos-vivos vive num aeroporto abandonado, o que leva R a comentar que, antes, os aeroportos não passavam de lugares de passagem, como a classificação do antropólogo Marc Augé em sua tese sobre os não lugares da super-modernidade.
Além dos zumbis moderados, como é o caso de R, existem também os esqueléticos, mortos-vivos fundamentalistas que tiveram seus corpos reduzidos a pele e osso e que se locomovem com rapidez. Aflora o aspecto político no filme. Os zumbis liberais apontam para a busca de um entendimento com os vivos que restaram da hecatombe. Já os esqueléticos são intolerantes com os liberais e com os sobreviventes. Não diremos que representam o fundamentalismo islâmico, pois esta classificação foi muito explorada. Seja como for, os esqueléticos representam o medo que assola os Estados Unidos depois de 11 de setembro de 2001.
Sempre na pessoa de R, os zumbis sabem que devem eliminar suas vítimas comendo seus cérebros, pois, apenas mordendo ou devorando outra parte de um vivo, ele se transformará também em morto-vivo e se tornará um concorrente. Além do mais, o cérebro é uma iguaria insuperável e permite ao zumbi assimilar as lembranças do morto. Ainda mais, os zumbis moderados descobrem a possibilidade de cura quando R se apaixona aos poucos pela viva Julie (Teresa Palmer), filha do general Grigio (John Malkovich), comandante dos sobreviventes. O topa tudo por dinheiro Malcovich funciona como suporte para novatos. Assim como vem acontecendo com o vírus HIV, pode acontecer a cura dos zumbis, e uma cura total. Não para os esqueléticos, que terão o fim merecido por todos os terroristas na perspectiva mediana estaduniden se. E o remédio é o amor.
Com toda a pieguice e oscilando entre romance e comédia, "Meu namorado é um zumbi" inova a ficção científica do gênero, embora não consiga explorar o filão aberto ou por incapacidade do diretor ou por medo de perder bilheteria. Que se preparem os apreciadores, pois mais zumbis vão atacar em 2013, inclusive com Brad Pitt em "World War Z". Estão previstos também "Orgulho e Preconceito de Zumbis", a filmagem do game "Dead e Island" e "Sangue Quente".
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