Dois fatos mais recentes, entretanto, confirmam a tese do “jogo de retórica”. O primeiro deles foi a ida de Lula em pessoa à mansão de Paulo Maluf mendigar o apoio do cacique da direita paulista ao candidato do PT à prefeitura de São Paulo. Não se tratou de uma visita pura e simples. Houve ampla divulgação à imprensa para que esta registrasse os abraços afetuosos trocados e sorrisos de parte a parte. Maluf, como todos sabemos, foi quadro da ditadura que nos infelicitou entre 1964 e 1985 e sobre quem pesam até hoje processos judiciais por desvio de recursos públicos e enriquecimento ilícito. Por causa de Paulo Maluf, o folclore paulista deu à luz o jargão “rouba, mas faz”. E mesmo assim, Lula foi lá.
O segundo, tão grave quanto, foi o anúncio pela presidente Dilma Rousseff de um pacote de concessões de rodovias e ferrovias ao capital privado. Dilma mostrou-se muito preocupada em afirmar que não se trata de privatização. No entanto, a implantação deste pacote vai dar ensejo à cobrança de pedágios e tarifas pelo país afora. Simplificando, isto vai implicar na transferência de recursos da população para o caixa de empresas privadas, tão privadas que o famoso Eike Batista classificou o pacote de Dilma como um “kit de felicidade”. Algo semelhante a este “kit” foi feito no governo de Fernando Henrique Cardoso. Em última análise, o “kit” de Dilma vai servir para concentrar riqueza. Lamentavelmente, o governo Dilma apropriou-se do discurso da oposição a ela mesma.
Enquanto isso ocorre, a reforma agrária segue a passos de tartaruga. A concentração da propriedade no campo, a grilagem e outras doenças permanecem alimentando a injustiça no campo. O cultivo de uma única espécie em grandes extensões de terra obriga o uso cada vez maior de defensivos agrícolas e adubos químicos. O solo vai se empobrecendo e a automação da plantação e da colheita vai promovendo o desemprego, a migração e a favelização nas grandes cidades. Tudo isto ocorre nas barbas do governo federal.
Outro ítem prioritário e que teria imensos impactos sociais positivos permanece engavetado. Trata-se da reforma tributária. No Brasil de hoje, os medicamentos são tributados e os automóveis não. A renda do trabalho é tributada com a mesma alíquota que o rendimento do capital. Isto ocorre no governo do PT!
Não se pode deixar de citar a necessária reforma política. Sociedades mais avançadas já usam o voto facultativo há muito tempo. Em nosso país, o medo dos políticos é que, uma vez implantado o voto facultativo, ninguém compareça para votar, tal o desinteresse pela política que eles conseguiram criar.
Outro ponto é que, em muitos temas, uma consulta à sociedade em âmbito municipal, estadual e nacional poderia substituir decisões do poder legislativo. Em muitos casos há um descasamento entre a vontade da sociedade e o resultado expresso numa votação de seus “representantes”. Este seria um passo na direção da democracia direta, melhor, mais eficiente e mais justa que a democracia representativa hoje em uso. O fim dos partidos de aluguel deveria ser abordado. Além disso, enxugar o estado, reduzindo-se o número de cadeiras na Câmara, no Senado, nas assembleias e nas Câmaras Municipais. Evidentemente, seria necessário também reduzir máquina ministerial.
Como se vê, há muitas frentes de trabalho para o governo por em marcha. Não se vê, entretanto, qualquer movimento nesta área.