Está em debate a construção de duas gigantescas hidrelétricas - Jirau e Santo Antônio - no caudaloso rio Madeira, no estado de Rondônia, em plena Amazônia. Segundo dados do projeto, as duas usinas juntas produzirão cerca de 6,5 mil megawatts – cerca da metade de Itaipu.
Antes de descermos ao detalhes da obra em si, é necessário ressaltar as características ímpares do ambiente amazônico. A Amazônia envolve o território de oito países e de uma província francesa, a saber, Brasil, Bolívia, Peru, Colômbia, Equador, Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa. A área amazônica é predominantemente plana, delimitada a oeste pela cordilheira dos Andes, a leste pela caatinga do nosso nordeste, ao sul pela cerrado de nosso planalto central e ao norte pela cadeia de montanhas que separam o Brasil da Venezuela e das Guianas.
É o maior reservatório de água doce do mundo. Muitos de seus rios – afluentes do rio Amazonas têm suas nascentes em países vizinhos (o próprio rio Amazonas nasce no Peru, com o nome de Marañon).
Encontra-se na Amazônia a maior reserva de biodiversidade animal e vegetal do planeta. São cerca de 40 mil espécies vegetais, sendo que destas, 30 mil são endêmicas, isto é, só existem na Amazônia. Há ainda, cerca de 3.500 espécies de peixes vivendo em seus rios.
Temos ainda na Amazônia dezenas de grupos indígenas, sobreviventes da ocupação e exploração da sua terra pelo homem branco, tentando preservar seu habitat, sua cultura e seus sonhos.
Com esse panorama em mente cabem-nos algumas reflexões. Que impactos terão esses dois projetos sobre os rios que procedem de países vizinhos (neste caso a Bolívia, onde nasce o rio Madeira)? Por ser a Amazônia uma vasta planície, quais as dimensões da área a ser alagada pelos lagos formados pelas duas imensas barragens? Quantos milhões de toneladas de árvores madeireiras irão apodrecer no fundo desses lagos?
Além desses mega-impactos há ainda outros a citar como a retirada da população ribeirinha e sua realocação em locais inapropriados, a queda na produção pesqueira tanto à jusante (abaixo) quanto à montante (acima) das barragens, a perda de terras férteis pelo alagamento, a submersão das áreas de várzea e, conseqüentemente, de terras férteis para a agricultura e pastagens, o desaparecimento de áreas para lazer e turismo, o aumento desordenado da população nas cidades próximas às usinas, a interferência de empreiteiras e influências políticas para a execução dos projetos, dentre muitos outros.
Não se trata meramente de criticar a o aproveitamento dos rios amazônicos para a produção de energia, em benefício do país e do desenvolvimento regional. Trata-se, sim, de questionar o modelo de aproveitamento proposto por ser predatório. A moderna engenharia já desenvolveu concepções mais racionais em termos de utilização do potencial energético dos grandes rios, com um mínimo de impacto ambiental e humano. Como opção às imensas barragens e aos lagos formados, já se dispõe de turbinas hidráulicas que são acionadas pela própria correnteza do rio, eliminando a necessidade de represá-lo. Há, ainda, uma solução intermediária na qual se desvia parte do curso do rio e neste desvio se faz uma represa de menor porte, com impacto bem menor. Em ambos os casos, temos um significativo ganho ambiental e social, havendo, porém, em contrapartida, uma sensível redução no valor das obras e na oferta de energia por unidade implantada. Em resumo, haverá menos lucros para seus construtores e operadores
Esta é, sem dúvida, a causa da opção pelos dois mamutes hidráulicos ora projetados para afogar Rondônia.