Em 06 de outubro de 1988, com a promulgação da Constituição Federativa do Brasil, foi instaurada uma nova ordem jurídica no trato da questão infanto-juvenil "O Direito Constitucional de Crianças e Adolescentes".
Em 12 de outubro de 1990, entrava em vigor a Lei nº 8.069, que dispõe sobre o "Estatuto da Criança e do Adolescente".
Com esses diplomas, a norma jurídica interna reconheceu Crianças e Adolescentes como "Pessoas em Condição Peculiar de Desenvolvimento".
Entretanto, o Dia da Criança, 12 de outubro, deveria ser comemorado junto com o dia da Injustiça, em 23 de agosto.
Faria muito sentido.
Sempre lembrada em discursos políticos, as crianças de todo o mundo, principalmente nos países subdesenvolvidos (atualmente conhecidos como países em desenvolvimento), servem de trampolim para a eleição de políticos inescrupulosos que se lançam no caminho do poder arbitrário e das fortunas roubadas.
Enquanto isso, numa favela em qualquer cidade brasileira, uma garotinha negra brinca com a cabeça de uma boneca, enquanto ao seu lado, um garoto branco segura a asa de um avião, levando-o em direção aos céus.
A ternura dos olhos brancos da menina, juntamente com a audácia dos olhos negros do menino, jogados ao lado de uma lixeira coletiva, cheia de ratos e urubus, faz com que uma nuvem escura cubra o sol.
Vocês tem a verdadeira noção do que seja a infância de uma criança nas favelas do Complexo do Alemão no Rio de Janeiro, esmagada entre a violência policial e a fúria dos traficantes ? Sabem o que é dormir, noite após noite, embalada pelo medo provocado pelos tiroteios entre armas de grosso calibre e ter consciência de que uma daquelas balas pode varar facilmente a frágil parede da casa ?
Não amigos ! Não sabemos ! E a maior parte não quer nem pensar no assunto.
E os políticos seguem se elegendo e roubando !
No nordeste, a mãe coloca na boca da criança a mamadeira feita à base do leite de cabra e aguardente, enquanto canta carinhosamente o "Dorme neném...". Essa mistura de leite e cachaça faz passar a fome, evita o choro, adormece, e coloca a criança no caminho sem volta do alcoolismo.
Nas cidades praianas do litoral brasileiro, meninas de todas as raças, filhas desta miséria e do abandono, trazem em seus olhos o brilho da esperança trágica, aparentando uma maioridade fatídica, própria de quem nunca usufruiu a ingenuidade da infância.
Do outro lado da história, homens louros, de olhos azuis, saudáveis de corpo, podres no íntimo, acariciam com os olhos e com as mãos, os corpos frágeis das crianças adultas que os atraem de tão longe.
Em qualquer lugar do planeta, onde houver miséria, estes desequilibrados mentais e sexuais estarão presentes, prontos a sustentarem o globalizado turismo internacional da pedofilía.
Tudo isto sempre estará protegido, consciente ou inconscientemente, pelas sociedades locais, que farão vista grossa para a violência sexual e moral que acontece a sua volta, e é sutilmente estimulada pelos governo local e federal, pois este tipo de turismo gera muitas divisas e empregos para o país.
Atropelados por essa desgraçada realidade, os pais não terão meios de protegerem os seus filhos. Tentam de tudo, mas a pobreza esmaga sentimentos, atropela os valores morais, deixando para os filhos decidirem o que fazer de suas vidas.
Afundados na miséria em que foram criados, estas crianças procuram o meio mais fácil de sair do cinturão da miséria infernal em que nasceram.
A fim de fugir da indignidade em que sempre viveram, crianças e adolescentes procuram uma dignidade que tem como único parâmetro a sobrevivência pessoal da melhor forma possível.
Quase sempre, a melhor forma será a mais dolorosa.
No campo e nas cidades, a criança pobre começa a trabalhar cedo. Uma, em um milhão, conseguirá estudar numa faculdade, terá um emprego razoável, e levará uma vida digna. A "família" que a colocou no mundo não sabia o que estava fazendo, porque nunca lhe explicaram nada sobre o assunto.
Pai e mãe são também filhos da miséria, que se reproduziram na mesma areia movediça. Todos sofrerão a vida inteira, e seus descendentes terão a pobreza como única herança.
O silêncio de Deus se confunde com a omissão dos homens.
Para falar um pouco das crianças do resto do mundo, que carregam os mesmos problemas das brasileiras, devo citar um que é terrível, mas não existe aqui no Brasil, qual seja, a tragédia que são as minas terrestres abandonadas por todo o planeta.
Essas verdadeiras bombas do tempo significam um perigo particular para as crianças, especialmente porque elas são naturalmente curiosas e sempre apanham os objetos estranhos que encontram.
Dispositivos como as minas "borboleta", utilizadas intensivamente no Afeganistão pela antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, são coloridas de um verde brilhante e têm duas "asas".
As minas terrestres têm sido utilizadas em muitos conflitos desde a Segunda Guerra Mundial e, em particular, em conflitos internos.
Só o Afeganistão, Angola e o Camboja, possuem juntos um total de, pelo menos, 28 milhões de minas terrestres e 85% das mortes causadas pelas minas em todo o mundo. Angola, com cerca de 10 milhões de minas terrestres, possui uma população de amputados de 70.000 pessoas, das quais 8.000 são crianças.
As crianças africanas vivem no continente mais infestado de minas terrestres - existem cerca de 37 milhões de minas em, pelo menos, 19 países africanos - mas todos os países são, de alguma maneira, afetados.
Tenho certeza que, em alguma época que está por vir, todas as crianças do mundo serão felizes.
"Num mundo conduzido por forças cegas e surdas, incapazes de ouvir os gritos de alerta. As súplicas num universo assim privado de sentido, o homem sente-se um estrangeiro. Neste universo onde reinam a contradição, a antinomia, a angústia, o impoder entre o sim e o não, o homem não deve tentar concluir, uma vez que isso afirmar-se-ia como uma traição à vida. A consciência da gratuitidade é feita da própria recusa de esperar e de uma vida sem consolação. O sentimento de se ser estrangeiro à sua própria vida torna equivalentes todas as experiências. Tal sentimento de divórcio entre o homem e a vida é o sentimento do absurdo. Viver este absurdo é permanecer clarividente para que seja possível aos homens "purgarem-se" de todo um conjunto de emoções, em ordem a uma autenticidade, ou seja, à lucidez e à disponibilidade." [Albert Camus]