No limite do céu e do inferno

O que é o limite? Quando é que sentimos a sua proximidade?

Alguns sentem antecipadamente a sua chegada, outros são pegos de surpresa.  Preparados e alertados, amortecemos o efeito da nossa reação. Adestramos os  nossos nervos, abençoamos o nosso espírito, congelamos o nosso cérebro,  injetamos gelo seco em nossas veias, rezamos pela paciência divina.

Ao invés de transformarmos nossas mãos em armas mortais, abrimos o nosso  coração, e transformamos o nosso interior num templo de compreensão.
 
A violência que surge quando ultrapassamos a fronteira de nosso limite, que  normalmente toma conta da nossa cabeça, se abranda quando preferimos o  movimento pacífico que nasce dentro da nossa alma.

A paz interior impede que mergulhemos no mundo da irracionalidade. O desejo  de compreender o próximo, na tentativa de poder justificar os seus atos, nos  engrandece, e nos transporta para a fronteira do mundo surrealista da  santidade.

Neste momento cabe a indagação:

“Pode o homem ser Santo sem Deus?”

Sempre beirando o limite da paciência, caminhamos calmamente pela nossa  existência. Nos projetamos para dentro do outro, mergulhamos fundo no corpo  e alma do próximo, vasculhamos as suas vísceras, tudo isto para entender os  seus atos.

Antes desta penetração ao interior do outro, precisamos nos despir de todos os  nossos conceitos, jogar fóra tudo aquilo que os antigos empurraram pela nossa  goela abaixo, transformando a pequena criança que fomos um dia, no adulto  neurótico que passamos a ser.

Precisamos de força total para entrar na órbita do outro.

Quando lá estamos, navegamos no vácuo aparente, no universo da calma  relativa, onde tudo se move lentamente, flutuando plácidamente no gel do  microcosmo do outro.

Quando finalizamos a nossa missão, temos que nos preparar para a volta a nós  mesmos, quando vamos viver o momento mais perigoso da nossa viagem. O retorno ao nosso eu tem quem ser realizado no momento certo, quando alma  e corpo deverão estar alinhados, tudo coordenado, para que a dormência em  que deixamos o nosso microcosmo não seja abalada por uma violenta entrada  em nós mesmos.

O filósofo francês Jean Paul Sartre, lá pelos anos de 1950, dizia que “o inferno  são os outros” . A partir daí todo mundo começou a culpar o “outro” pelos  fracassos e chatices de suas vidas. Houve uma transferência de culpa, antes  mesmo de mergulharmos dentro do outro, para saber se o inferno estava lá  mesmo.

Precisamos mergulhar dentro do outro, para saber se os diabos realmente estão  dentro dele.

Entretanto, se formos honestos para reconhecer a verdade, muitas vezes  descobrimos que o inferno começa dentro de nós mesmos.

Produzimos os mais esfuziantes e terríveis demônios, e, inconscientemente,  achamos que os mesmos estão dentro dos outros.

Mas também não devemos colocar toda a culpa em nós mesmos. Muitas vezes  somos contaminados pelo inferno alheio, dentro do qual mergulhamos, na ânsia  de procurar entender as razões que teriam levado uma outra pessoa a fazer de  nossa vida um inferno.

Apesar de tudo, continuo dizendo que a principal arma para combater o nosso  inferno, que são os outros, é a compreensão e a paz que levamos para dentro  destes outros, para que possamos entender porque o outro quer esquentar cada  vez mais o nosso inferno.

Precisamos ser ágeis para percebermos com rapidez o limite que podemos  chegar dentro do nosso inferno, principalmente para ter o controle da nossa  imaginação, pois é ela que anima o mito do nosso inferno, que pode ter sido  doado pelo outro.

Ninguém fala muito de como o homem se comporta no inferno dos outros,  dentro dos quais ficamos à beira da loucura, pois esse inferno é medido pelo  espaço sem céu, e pelo tempo sem profundidade.

O absurdo dos infernos em que nos metemos, ou nos metem, só é trágico nos  raros momentos em que ele se torna consciente.

No livro de Albert Camus, “O Mito de Sísifo”, o personagem passa o tempo todo  empurrando uma enorme pedra, tentando coloca-la no alto de um monte. Os  deuses tinham condenado Sísifo a empurrar sem descanso, um rochedo até ao  cume de uma montanha, de onde ela caía de novo, em conseqüência do seu  peso. Tinham pensado, com alguma razão, que não há castigo mais terrível do  que o trabalho e o amor inútil, sem esperança. Aquela pedra empurrada por  Sísifo, nada mais era do que os fardos da nossa existência. Sísifo deveria estar  pensando, com toda a razão, que o inferno são os outros.

Vale a pena colocar um trecho esplendoroso do livro de Albert Camus, porque é  preciso imaginar Sísifo feliz, e fóra do inferno:

“Mas só há um mundo. A felicidade e o absurdo são dois filhos da mesma terra.  São inseparáveis. O erro seria dizer que a felicidade nasce forçosamente da descoberta absurda. Acontece também que o sentimento do absurdo nasça da felicidade."

“Acho que tudo está bem”, diz Édipo e essa frase é sagrada.

Ressoa no universo altivo e limitado do homem. Ensina que nem tudo está perdido, que nem tudo foi esgotado.

Expulsa deste mundo um deus que nele entrara com a insatisfação e o gosto  das dores Inúteis. Faz do destino uma questão do homem, que deve ser tratado  entre homens. Toda a alegria silenciosa de Sísifo aqui reside. O seu destino  pertence-lhe.

Todos nós continuaremos a ter os nossos infernos, mas devemos pensar e  meditar muito quando formos sentenciar que “o inferno são os outros.

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