As agências de notícias voltam-se para o acordo envolvendo Irã, Turquia e Brasil, em 17 de maio passado. O centro desse acordo é o envio 1200 quilos de urânio levemente enriquecido do Irã à Turquia, em troca de 120 quilos de urânio combustível enriquecido a 20%. Embora a declaração conjunta mencione o direito de produção e uso de energia nuclear para fins pacíficos, não faz nenhuma afirmação sobre o fato de que os EUA têm ameaçado sanções contra o Irã simplesmente porque suspeitam que este venha a se tornar uma potência nuclear. Ou seja, a desigualdade de direitos consentida é tamanha, que o Irã, não podendo desenvolver energia nuclear, tem de importar de outro país, e isso é mostrado como uma vitória.
Mais uma vez, o Imperialismo utiliza-se da chantagem nuclear para justificar sua estratégia expansionista. Toda a celeuma sobre as sanções contra o Irã não é mais que a preparação de bombardeios avassaladores de EUA e Israel sobre as instalações militares e civis iranianas, repetindo as agressões recentes a Palestina e Líbano, provocando a destruição sanguinária de forças produtivas e da população civil.
Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares
Bastou que o Irã anunciasse suas intenções de produzir energia nuclear para fins pacíficos, para que o monopólio de imprensa, a serviço dos interesses dos EUA, desatasse uma campanha de medo, como se fosse uma ameaça de explodir uma bomba atômica. O que o monopólio não fala é que o único país até hoje que usou bomba atômica foram os próprios EUA.
Ora, o que o Irã fazia era simplesmente cumprir o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares, do qual é parte. Além disso, o seu art. 4º dispõe que
“Nenhuma disposição deste Tratado será interpretada como afetando o direito inalienável de todas as Partes do Tratado de desenvolverem a pesquisa, a produção e a utilização da energia nuclear para fins pacíficos, sem discriminação [...]”
Porém, o referido tratado, lançado em 1968, traz em si a marca da discriminação. Diferencia seus Estados-parte entre “Estado nuclearmente armado” e “Estado não-nuclearmente armado”, sendo que aos primeiros é assegurado o direito de continuar a fabricação de armas nucleares, mesmo depois da vigência do tratado. Fica claro que o objetivo do tratado não é erradicar as armas nucleares, e sim perpetuar a correlação de forças correspondente ao final da II Guerra Mundial (EUA, Reino Unido, França, Rússia e depois China), impedindo que qualquer outro país desenvolva pesquisa nuclear como instrumento de soberania.
Obama tem tentado, nos últimos meses, impingir à sua política externa o rótulo de desarmamento e controle nuclear. A um só tempo, prometeu não utilizar mais armas atômicas contra países que não as possuam (assim como prometeu fechar o presídio de Guantánamo); fez um acordo com o presidente russo para redução do arsenal nuclear e comandou a Cùpula de Segurança Nuclear.
O cientista político José Luís Fiori demonstra que o acordo com a Rússia “envolve uma redução insignificante e quase só simbólica, dos seus arsenais atômicos, permitindo ao mesmo tempo, a substituição e modernização das cabeças nucleares dos vetores já existentes”; não fala nada sobre “o aumento exponencial dos gastos militares norte-americanos nos últimos anos” nem do armamento atômico da OTAN, localizado secretamente em países da Europa.
A política de desarmamento é, portanto, uma política colonial.
Mao Tsetung, à frente do Partido Comunista da China, no documento “Duas linhas diferentes sobre o problema da Guerra e da Paz”, em novembro de 1963, responde ao Partido Comunista da União Soviética, já sob o comando dos revisionistas de Kruschov, mostrando que os países socialistas nunca utilizaram nem tinham necessidade de usar armas atômicas para ajudar a luta revolucionária dos povos. Todavia, mostra com clareza que
“Temos mantido sempre que é necessário que os países socialistas alcancem e mantenham a superioridade nuclear. Só desta maneira poderemos fazer que o imperialismo não se atreva a desatar uma guerra nuclear e contribuiremos para a proibição total das armas nucleares.”
Conselho de Segurança da ONU
A Liga das Nações foi a organização criada após a I Guerra Mundial (1919) para impedir guerras futuras. Seu fracasso foi atestado com o início da II Guerra Mundial. As razões estavam claras: a Liga das Nações não era mais que uma organização exclusiva das partes vencedoras no conflito.
Ao fim da II Guerra Mundial, cria-se a Organização das Nações Unidas (1945), com o mesmo propósito da Liga das Nações, porém com um conceito mais desenvolvido: a garantia da paz e da segurança internacional. Pelo conceito de segurança coletiva mundial, cada país tem o dever não só de estimular novas guerras, mas também de reagir contra qualquer país que tente fazê-lo. A ONU assume assim a postura de uma polícia mundial, e tem como principal órgão nesse objetivo o seu Conselho de Segurança – uma organização com poderes superiores aos da Assembléia-Geral, conforme esclarece a Carta das Nações Unidas em vários dispositivos, especialmente no art. 12.1:
“Enquanto o Conselho de Segurança estiver exercendo, em relação a qualquer controvérsia ou situação, as funções que lhe são atribuídas na presente Carta, a Assembléia Geral não fará nenhuma recomendação a respeito dessa controvérsia ou situação, a menos que o Conselho de Segurança a solicite.”
Além disso, a Carta assegura ao Conselho de Segurança a possibilidade de utilizar forças armadas ou solicitar a países que o façam, no sentido de proteger a paz e a segurança internacional (art. 42).
E o mais crucial: o Conselho de Segurança possui 5 membros permanentes: EUA, Reino Unido, França, Rússia e China. Estados que ali estão desde a fundação (com exceção da China). Esses membros têm o direito de veto, na forma do art. 27.3 da Carta, o que significa que todas as decisões tomadas têm de ter aprovação unânime entre os 5.
É importante refazer o raciocínio lógico: 1. O Conselho de Segurança tem poder para aprovar medidas de força armada contra qualquer país que viole a paz e a segurança internacional; 2. Nenhuma decisão pode ser encaminhada se não houver a concordância de qualquer um dos membros permanentes; Logo, o Conselho de Segurança jamais aprovará uma medida de força contra um de seus membros permanentes ou seus aliados umbilicais – mas são exatamente esses os países que mais comercializam armas e promovem guerras de agressão pelo mundo!
Volta-se à questão do Irã: sob o comando dos EUA, o Conselho de Segurança discute aprovar sanções contra o Irã por um suposto receio futuro, quando o Irã é signatário do TNP e tem cumprido seus termos; mas não se discute nenhuma sanção contra Israel, que lança armas de destruição em massa e sequer assinou o TNP, recusando-se a receber inspeções da Agência Internacional de Energia Atômica.
No dia 17 de maio último, o canal Globo News reproduziu entrevista com o diplomata francês Alain Dejammet, sobre a “reforma” da ONU. A franqueza desse representante do imperialismo é no bastante reveladora. Mostra que não há nenhum empenho, por parte dos membros permanentes, na ampliação de seu número; e que não há nenhuma chance de que o direito de veto seja retirado.
Mostra ainda que é comum, nas reuniões do Conselho, os membros permanentes, chamados de P-5, levar as decisões prontas para que os outros membros assinem; entre estes, havia uma tendência ao P-3 (EUA, Reino Unido e França), ou simplesmente P-1 (EUA).
A composição dos membros permanentes mostra o que a experiência da Liga das Nações não pôde negar: que a ONU é um instrumento destinado a manter uma certa correlação de forças internacionais surgida especialmente após o fim da II Guerra Mundial
Ao final, fica a pergunta: podem ser consideradas legítimas sanções partindo de um órgão ilegítimo como o Conselho de Segurança? Sabe-se que o direito pressupõe estruturas jurídicas formalmente baseadas na igualdade. Dizia Ihering: “A espada sem a balança é a força bruta, a balança sem a espada é a impotência do Direito.”. Logo, o Conselho de Segurança é força bruta, e não direito – é portanto um órgão ilegítimo desde sua origem.