25 de março marca os 90 anos de fundação do Partido Comunista do Brasil. Desde a edição nº 80, AND vem publicando uma série de artigos sobre a história do PCB, de autoria do Núcleo de estudos do marxismo-leninismomaoismo, que em breve será compilada em um livro, com o acréscimo de imagens da história do partido. O artigo que ora apresentamos aos leitores de AND não é o último da série, restando ainda um arremate na edição nº 88, de abril.
No final dos anos de 1960, sob o impacto dos ventos revolucionários da Grande Revolução Cultural Proletária na China e dos tormentosos anos de 1968 no país e no mundo, a linha de esquerda ganha força no interior da direção do Partido Comunista do Brasil.
Em 1968, Pedro Pomar, principal quadro revolucionário da direção do PCdoB, publica em A Classe Operária o artigo Grandes êxitos da Revolução Cultural. Importantíssimo documento que traz à luz para os comunistas brasileiros a dimensão histórica dos acontecimentos revolucionários que atravessavam a China. A defesa da Revolução Cultural e da Guerra Popular serão marcos importantes da luta pela assimilação do maoísmo no Partido Comunista do Brasil.
Combate ao "foquismo"
Ainda em 1968 o PCdoB publica o documento Alguns problemas ideológicos da revolução na América Latina, no qual combate as influências da teoria do foquismo, irradiada desde Cuba. Este é um importante esforço de luta contra estas formulações. Refuta as teses militaristas de Regis Debray1 de que o exército popular é o núcleo do Partido e não o inverso. O PCdoB sustenta a defesa da direção absoluta do proletariado através de seu partido comunista na revolução democrática como etapa para a revolução socialista.
O documento desmascara a "teoria da revolução socialista continental", enquanto teoria oposta ao marxismo-leninismo, e denuncia que esta concepção restringe a participação das imensas massas camponesas na revolução, ao negar sua etapa democrático-burguesa nos países dominados e a aliança operário-camponesa. Demonstra como, do ponto de vista ideológico, é manifestação de ideologia pequeno-burguesa, que substitui o papel das massas e do Partido Comunista que as dirige, pela ação de "indivíduos heroicos".
Com a Revolução Cubana estas teorias haviam granjeado grande influência em toda América Latina, em grande parte devido ao grande peso da pequena-burguesia nestes países, e o crescente processo de radicalização que esta vivia, mas também devido às insuficiências ideológicas e políticas dos Partidos Comunistas no continente.
Neste período, uma circular da Comissão Executiva do Comitê Central orientará todos os comitês regionais a iniciar seriamente o trabalho no campo. Este é um passo importante, pois é a primeira iniciativa de todo o partido empenhar-se no trabalho camponês. Tal iniciativa trará resultados, com um maior conhecimento da situação nas áreas rurais, por um lado e, por outro, irá revelar as resistências mais arraigadas dentro da própria direção do partido quanto ao desenvolvimento do trabalho entre as massas camponesas, enquanto frente principal.
Defesa da Revolução Cultural e da Guerra Popular
Em janeiro de 1969 a direção do PCdoB progredirá em suas formulações, cuja principal expressão é a elaboração do documento Guerra Popular, caminho da luta armada no Brasil. Este documento, de primordial importância na história do movimento comunista de nosso país, ao mesmo tempo em que representa um avanço da direção do partido na assimilação do maoísmo, será também o limite deste desenvolvimento. Representa importantíssimo esforço teórico, principalmente se consideramos as históricas limitações do desenvolvimento do partido. Este avanço é resultante de certo impulso da luta interna, constituindo-se numa relativa assimilação do maoísmo e da sua fusão com a revolução brasileira. Dá uma importante contribuição à crítica das concepções militaristas pequeno-burguesas, formulando de forma bastante acertada os postulados fundamentais da Guerra Popular, enquanto teoria militar do proletariado e da sua aplicação à realidade brasileira.
Porém, abriga algumas debilidades não menos importantes, tal como indefinição de que o problema militar e a guerra são questões a serem tratadas por todo o partido e não somente por especialistas. Outra é a imprecisão quanto à forma de desenvolvimento da Guerra Popular. Embora se defina que o campo é principal e destaque o papel das grandes cidades do país, não afiança que a guerra se dá no campo e na cidade, o campo como principal e a cidade como complemento, bem como o não estabelecimento do caminho de cercar as cidades a partir do campo. Mesmo afirmando a necessidade de se criar bases de apoio, deixa a importância deste objetivo vaga e sem qualquer sentido estratégico o seu papel em relação à questão do poder, este que é problema essencial do maoísmo.
A revolucionarização do partido e a Guerrilha do Araguaia
De acordo com a importância desta decisão e da necessidade de elevar o partido à condição de um autêntico partido revolucionário do proletariado, o PCdoB empreende uma campanha pela "revolucionarização do partido" para a adoção de métodos e estilo de trabalho revolucionários. (...) combater a rotina, o comodismo e a passividade. O momento exige militância corajosa e abnegada. (...) dedicar-se de corpo e alma ao trabalho revolucionário. O chamamento do Comitê Central para a revolucionarização do partido começa a dar resultados positivos. Inúmeros militantes, em especial os jovens, se entregam plenamente à atividade partidária, ligam sua vida e seu futuro à revolução2.
Com estas definições do PCdoB o movimento comunista no país dará o passo mais importante de sua história na luta pelo caminho revolucionário com a preparação da Guerrilha do Araguaia. É grande e transcendental acontecimento na história de nosso país, não apenas pelo inolvidável heroísmo de seus militantes, mas por ser a abertura do caminho da Guerra Popular no Brasil, de onde devemos tirar preciosas lições.
Antonio de Pádua Costa, o Piauí, agachado, com a tropa atrás
Em função de preparar as condições para o desencadeamento da Guerra Popular em meados dos anos de 1960, os primeiros militantes são deslocados para a região sul do Pará, conhecida como "Bico do Papagaio", sob o comando do histórico dirigente comunista Mauricio Grabois. Dezenas de militantes revolucionários oriundos de diversas regiões do país, a maioria deles jovens, alguns dos quais haviam participado de cursos na China Popular. Estes militantes integram-se profundamente às massas da região, trabalhando, vivendo e lutando com elas; ao longo dos anos vão completando o reconhecimento da região, o treinamento e preparação militar para a deflagração da resistência através da guerra de guerrilhas.
No dia 12 de abril de 1972, alertadas sobre a preparação do movimento guerrilheiro na região, as forças armadas reacionárias do país intervêm. Assim se iniciou os combates armados da guerrilha do Araguaia, este é o marco, como assinala Grabois em seu diário, do início da Guerra Popular.
A partir da Comissão Militar foram conformadas as Forças Guerrilheiras do Araguaia, distribuídas em três destacamentos. As Forças Guerrilheiras, por sua vez, tomaram a iniciativa da organização de núcleos da ULDP (União pela Liberdade e pelos Direitos do Povo) entre as massas de camponeses. Antes da terceira campanha de cerco e aniquilamento movida pelas forças reacionárias, a guerrilha já havia organizado 13 núcleos da ULDP, abrangendo cerca de 90% da população local. Ainda que o trabalho efetivamente político com o povo se iniciasse somente a partir do ataque do inimigo, as forças guerrilheiras lograram uma profunda integração com as massas camponesas das zonas circundantes de cada destacamento, as quais apoiaram de todas as formas a guerrilha, inclusive com incorporação de algumas pessoas em suas fileiras.
As Forças Guerrilheiras do Araguaia — FORGA resistiram à primeira campanha de grande envergadura das forças armadas reacionárias, obrigando o inimigo a recuar. No entanto, o seu comando não compreendeu que o inimigo derrotado buscou estudar para superar suas dificuldades. A segunda campanha das forças armadas reacionárias foi uma campanha de inteligência, com que preparou elementos para penetrar toda a região, envolver-se com a população e levantar toda a movimentação, modo de atuação e localização das bases da guerrilha. Foi com a terceira e maior campanha do inimigo que as forças guerrilheiras sofreram uma derrota completa. Esta terceira campanha se iniciou em outubro de 1973, com um efetivo de cerca de 20 mil homens, o maior empregado desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Segundo informações dadas pelas forças armadas reacionárias, Mauricio Grabois e a Comissão Militar dirigida por ele teriam sido assassinados em 25 de dezembro de 1973.
No combate à guerrilha do Araguaia as forças armadas empregaram todo tipo de violações dos direitos internacionais e da Convenção de Genebra, como torturas, estupros e assassinatos dos prisioneiros e da população camponesa, desaparecimento dos corpos, uso de armas químicas, além de todo tipo de violações dos direitos do povo. A localização e destino dos corpos dos heroicos guerrilheiros e dos camponeses assassinados, bem como as informações sobre os acontecimentos na guerrilha, seguem trancados a sete chaves pelo velho Estado brasileiro, desde 2003 sob tutela do oportunismo em seu gerenciamento.
Imperecíveis lições
É preciso reconhecer e ressaltar, antes de tudo, os ingentes esforços, abnegação e heroísmo dos militantes do Partido Comunista do Brasil, a sua inquebrantável decisão revolucionária e justa conduta moral na relação com as massas.
Dado a importância e complexidade que envolve a Guerrilha do Araguaia enquanto experiência mais avançada da luta armada revolucionária levada a cabo pelo partido comunista em nosso país, para uma exposição devida de sua análise e síntese seria necessário um ensaio à parte. Porém, por uma razão objetiva, no presente artigo, abordaremos de forma resumida os principais problemas que envolveram a sua realização do ponto de vista ideológico, político e militar e sua valoração na história do movimento comunista em nosso país.
O primeiro e mais importante deles fora apontado por Pedro Pomar em seu balanço Sobre o Araguaia, apresentado na reunião do Comitê Central realizada em junho de 1976 e retomada em dezembro do mesmo ano. Pomar apontara que, diferentemente do que estava estabelecido no documento Guerra Popular, caminho da luta armada no Brasil, o que vai se verificar é a prática de outra concepção e não a da Guerra Popular. De forma sintética, este balanço pode ser resumido nos seguintes pontos:
1 A questão militar não se dá como militarização do partido (de todo o partido), mas sim como uma tarefa para especialistas, a Comissão Militar e os destacamentos criados.
2 Cai-se no critério oportunista de considerar que não é possível realizar trabalho político entre as massas, na alegação de que isso chamaria atenção da reação, devendo este se realizar somente depois de iniciada a luta armada, restando realizar apenas atividades baseadas na conquista de amizade e simpatia das massas.
3 Define-se a região do Araguaia como área principal, região onde a população era relativamente pequena, encontrava-se bastante dispersa e praticamente sem qualquer experiência de organização e de luta, mesmo econômica.
4 Não se constroem organizações partidárias na região a ser conflagrada e no seu entorno.
5 A luta armada não é levada no campo e cidade, somente no campo, gerando o fator de seu isolamento.
6 Sem dúvida a tríplice divisa do Bico do Papagaio era uma região de grande importância para a guerra revolucionária, pois além de muitos fatores favoráveis do ponto de vista militar, do terreno, etc., já recebia grande fluxo migratório de camponeses, em função dos grandes empreendimentos do gerenciamento militar na região amazônica. Porém, sua importância se constituía como área secundária e não principal. A região do Nordeste, como afirmara Manoel Lisboa,"onde a contradição principal é mais aguda", era a região onde se localizava um campesinato concentrado, numeroso, profundamente arraigado à terra e de fortes laços culturais, com agudas contradições com o latifúndio e o Estado e de recente processo organizativo nas Ligas Camponesas, dentro de uma vasta região onde as lutas populares de vários tipos, tinham longa experiência histórica.
Dinalva Oliveira Teixeira, a Dina, e Anônio M. Teixeira, o Antônio da Dina
Mas, o problema de fundo, causa principal do erro de concepção que ficará bastante evidente com o processo do Araguaia e que continuará a determinar seus trágicos desdobramentos, é o problema de insuficiência ideológica na assimilação do maoísmo. A gravidade deste problema era de tal ordem, que mesmo a trágica derrota no Araguaia não levou a direção à sua percepção. Ao contrário, buscou-se frear os intentos de balanços autocríticos se valendo dos expedientes mais oportunistas, como o de se utilizar a justa glorificação do heroísmo de militantes do partido no Araguaia para encobrir os graves erros cometidos. Nestes desfechos se baterão duas linhas de balanço, uma crítica e essencialmente correta, de Pedro Pomar e outra essencialmente técnica e, portanto insuficiente e equivocada, formulada por Ângelo Arroyo e sustentada de forma bastante oportunista por João Amazonas, que através de sua "glorificação" buscava sepultar a experiência modificando a linha revolucionária do partido.
Vejamos que já durante a fase final de preparação da Guerrilha no Araguaia, a direção do PCdoB já se afastara no fundamental da base ideológica que permitiu avançar em direção a Guerra Popular, ou seja, o pensamento Mao Tsetung, ou maoísmo. Em 1970, apenas um ano após a formulação do documento sobre a Guerra Popular, é publicado no Jornal A Classe Operária o artigo A atualidade das idéias de Lenin3, por ocasião do centésimo aniversário de nascimento de Vladimir Lenin. Este artigo, sob o pretexto de defesa da vitalidade do Leninismo em combate ao revisionismo moderno de Kruschov, tem como objetivo encoberto combater e demarcar campo com a definição e compreensão do maoísmo como terceira etapa do marxismo. Esconde precisamente o fato de que defender o Leninismo já naquele momento correspondia precisamente a defender o maoísmo.
Neste documento, como será recorrente em outros, ao mesmo tempo em que refuta de forma encoberta o maoísmo, mantém a defesa da Guerra Popular, combinando-a com uma ou outra tática oportunista. Já que a pressão das bases do partido e a luta de linhas que se operava em sua direção impediam o abandono puro e simples da Guerra Popular, de forma oportunista se manobrava no sentido de reduzi-la meramente ao campo da tática.
A Guerra Popular não é uma simples tática militar, mas a teoria militar do proletariado, precisamente sua linha militar para conquistar e defender o Poder. Portanto, ao empreender o caminho da luta armada, a linha militar do partido revolucionário do proletariado torna-se o centro da sua linha política geral. Determinada por esta linha política está a linha de construção orgânica dos três instrumentos fundamentais da revolução, a saber: Partido, Exército Guerrilheiro Popular e Frente Única Revolucionária, e a forma e conteúdo que devem assumir. Assim, ao retirar da Guerra Popular sua base de sustentação ideológica, o maoísmo e sua compreensão como unidade, conduz a abandoná-la na prática.
É parte deste problema o que se identificava sobre a necessidade da "revolucionarização do Partido", questão que não será levada mais a fundo, mas que já colocava um problema de suma importância, que é o da necessidade da militarização do partido comunista para dirigir a Guerra Popular em cada país. Isto está de acordo com o princípio de que a organização serve à política e não ao contrário, questão que só seria sistematizada posteriormente por Abimael Guzmán, o presidente Gonzalo, na direção do Partido Comunista do Peru - PCP e da Guerra Popular (1980).
Nisto residiu um problema chave na compreensão do maoísmo, o de que a Guerra Popular demanda militarização de todo partido, ou seja, de que todo seu trabalho se desenvolve na — e para a — Guerra Popular; de que todo partido comunista tem de estar dento do exército popular, ou seja, que esta não é uma tarefa de especialistas, como terminou por ocorrer no Araguaia.
Chacina da Lapa
A esquerda na direção do PCdoB, que já estava profundamente debilitada na defesa do maoísmo com a perda de Mauricio Grabois e dezenas de quadros no Araguaia e nas cidades4 (além do imenso prejuízo orgânico e ideológico da saída dos quadros da Ala Vermelha e do PCR nos anos anteriores), receberá um golpe definitivo durante a reunião do Comitê Central de dezembro de 1976. Isto, precisamente no momento em que a luta pelo justo balanço sobre o Araguaia estava se impondo. Balanço este de importância decisiva para o desenlace da luta interna na direção por tirar lições dos erros e persistir na linha revolucionária que, com o massacre pelas forças da repressão, foi sepultado no partido.
Esta reunião que se realizava em uma casa no bairro da Lapa, em São Paulo, fora interrompida pelo ataque brutal da repressão que, após cercá-la, assassinou Pedro Pomar, Ângelo Arroyo e João Batista Franco Drumond, este último sob tortura, prendendo outros quadros e militantes. Um inominável crime perpetrado pelo fascismo em nosso país, com a colaboração de traidores, terminou por eliminar os melhores quadros revolucionários do movimento comunista no Brasil, destacadamente Pedro Pomar, interrompendo a luta interna com que se gestava, ainda, os destinos da revolução brasileira.
Após a Chacina da Lapa a luta por um correto balanço da experiência do Araguaia foi sepultada por mil manobras oportunistas de João Amazonas e sua camarilha. Ao não permitir que a luta de duas linhas se desse de forma plena no processo de Reconstrução, ainda que tenha logrado importantes avanços, o partido não pôde superar suas enfermidades ao custo da pesada derrota, como se sucedeu no Araguaia e a seguinte capitulação por parte do CC5 encabeçado por Amazonas.
O amazonismo e a liquidação do PCdoB
Foi diante da ofensiva da reação no Araguaia e da dramática derrota da guerrilha, que o oportunismo, nunca bem resolvido na direção do partido, manifestou-se de forma contundente através das posições de Amazonas, principalmente.
Ainda que o maoísmo nunca tenha sido assimilado de fato na direção do partido, para poder justificar o abandono da linha revolucionária da Guerra Popular, Amazonas atacou aberta e raivosamente o maoísmo, contrapondo-o pela adoração a Enver Hoxha6, a quem promoveu a maior dos marxistas-leninistas e a Albânia a "farol do socialismo na Europa e no mundo".
João Amazonas, já então e de forma aberta, no objetivo de alterar a linha ideológico-política do PCdoB, realiza uma série de manobras golpistas na direção, que em nada diferem daqueles feitas pelo bando revisionista de Prestes quando da realização do V congresso em 1960 (ver AND 84). Impede a realização de congresso que as direções regionais sobreviventes propõem e convocam, promovendo no exterior (Albânia/1979) o que denomina de VII Conferência Nacional, com delegados escolhidos por sua camarilha e não eleitos, de forma a assegurar maioria para suas posições.
Isto ficará claro com suas resoluções, cujo centro é o ataque ao Presidente Mao Tsetung e ao maoísmo, exatamente para servir de base e justificar a capitulação da Guerra Popular. A"orientação tática"se reduz a proposições genéricas do velho oportunismo de"Assembléia Constituinte convocada por um governo democrático", "por em prática todas as formas de luta e organização cabíveis na situação presente", etc..Sobre o Araguaia diz: "A VII Conferência Nacional reitera (...) que a luta armada é uma questão fundamental e decisiva para a política partidária..."; "aprovar como ponto de partida para sistematização daquela experiência o documento ‘Gloriosa Jornada de Luta’" e "recomendar ao CC prosseguir no exame dessa experiência e, tendo em conta as modificações constatadas no desenvolvimento do país (...) a elaboração de um novo documento mais abrangente e atualizado sobre a Guerra Popular- caminho da luta armada no Brasil".
Vejamos que, tanto o relatório de Ângelo Arroyo, no qual se baseou o "Gloriosa jornada de luta", quanto o de crítica de Pedro Pomar, embora com conclusões divergentes, são enfáticos em afirmar a necessidade de se retomar o mais breve possível a luta armada e a Guerra Popular, destacando inclusive a necessidade de melhor preparação militar. A "VII Conferência", pelo contrário, sepulta a linha revolucionária da Guerra Popular com uma tergiversação sobre luta armada e balanço do Araguaia. Estas questões só voltarão a ser abordadas quatro anos depois e de forma burocrática, no "VI Congresso" (1983). Exatamente para seguir atacando Mao Tsetung em nome da "defesa da pureza do marxismo-leninismo" e contra as influências do "revisionismo chinês", tergiversando sobre luta armada, no intuito claro de enganar a militância mais combativa.
Já com o documento "Estudo crítico acerca do princípio da violência revolucionária" (1983) as resoluções deste "VI Congresso" atacaram a teoria militar do proletariado, a Guerra Popular, dando explicações e justificativas sobre o documento Guerra Popular, caminho da luta armada no Brasil, na busca de fazer uma demarcação com o maoísmo e tentar reescrever a história negando a orientação maoísta do mesmo.
Estes acontecimentos são reveladores das vicissitudes atravessadas pelo PCdoB desde 1962, de como desde sua reconstrução seguia abrigando na sua direção verdadeiras fontes do oportunismo, como expressava já a VI Conferência de 1966, no ecletismo do "União dos brasileiros para livrar o país da crise, da ditadura e da ameaça neocolonialista". Esta enfermidade nunca fora devidamente sanada. Ao contrário, evoluiu gradualmente, resistindo aos movimentos de avanços revolucionários, até converter-se, favorecido pela derrota no Araguaia, no aspecto principal da contradição entre marxismo e revisionismo na ideologia e direção do partido.
Vejamos que, enquanto a direção revisionista de Prestes provocou a crise da qual surgiu o processo de ruptura de 1962, permitindo a constituição do partido enquanto partido comunista marxista-leninista, a direção revisionista de Amazonas conduziu à liquidação completa do partido. Ainda que a capitulação do CC no período pós-derrota da Guerrilha do Araguaia tenha sido decorrente diretamente da correlação de forças na direção, com a eliminação de vários quadros revolucionários pelo inimigo, a causa de fundo e determinante, como temos afirmado, acha-se na influência ideológica pequeno-burguesa prevalecente na direção do partido e não devidamente superada com a Reconstrução de 1962.
É ilustrativo desse processo o tratamento dado pela direção de João Amazonas a José Duarte por este ter entrado em franca contradição com a linha oportunista de Amazonas. Duarte, o mais experiente e provado quadro operário do PCdoB, fora o principal responsável pela reconstrução do trabalho partidário em São Paulo pós-1976, realizando então uma ardorosa defesa da experiência da luta no Araguaia e da necessidade da luta armada, bem como da importância de se retomar o trabalho partidário de imprensa entre a classe operária. Logo que suas posições passaram a se chocar com a linha oportunista de Amazonas, este histórico dirigente comunista passou a ser sabotado em sua atividade, e logo caluniado como carreirista, personalista, antipartido e todo arsenal rasteiro do revisionismo para desqualificar o oponente na luta interna e enterrar a luta de linhas, sendo por fim afastado do partido.
Por isso reiteramos que das mais importantes causas deste recuo, destaca-se a total incompreensão, por parte da direção do partido, da questão da luta de duas linhas como método da luta ideológico-política no seio do partido, para estabelecer solidamente a ideologia e linha proletárias, lutar contra outras linhas não proletárias a fim de mantê-la e desenvolvê-la, forjando incessantemente o partido. Tais limitações na luta ideológico-política foram a causa fundamental que impediu a assimilação mais profunda e cabal do marxismo-leninismo e dos aportes fundamentais de Mao Tsetung, o maoísmo, maior correção na análise da realidade brasileira, das suas classes, das suas contradições fundamentais e a principal, do correto balanço da prática do partido e seus erros históricos como o do método de direção e de condução da luta no seu seio. Particularmente quanto à concepção da Guerra Popular, que se adotara como linha estratégica mestra para a revolução brasileira e que revelara importantes incompreensões quando da tentativa de sua aplicação no Araguaia.
Uma vez livre da influência do maoísmo e da linha revolucionária da Guerra Popular e a partir do caminho proposto por Amazonas, o PCdoB rompe com qualquer vínculo com o partido comunista fundado em 1922 e suas melhores tradições, rapidamente concretiza seu trânsito ao reformismo e eleitoralismo e se conforma como mais um partido revisionista a serviço da grande burguesia compradora-burocrática e do latifúndio. Nos dias de hoje, chega mesmo ao ridículo de disputar com os velhos partidos burgueses o posto de mais ardoroso paladino da ordem do velho Estado reacionário, de grandes burgueses e latifundiários, serviçal do imperialismo, principalmente ianque.
Longos anos de dispersão
Nos anos que se seguiram à capitulação da direção do PCdoB, cujo marco é a Chacina da Lapa no ano de 1976, reinou no mundo a livre confabulação do revisionismo moderno com o imperialismo, reforçada pela derrota da Grande Revolução Cultural Proletária na China e consequente restauração capitalista (1976). No Brasil, processa-se o recuo organizado das classes dominantes para se livrarem do gerenciamento militar, já esgotado em seu papel principal de derrotar o movimento revolucionário, reestruturar o Estado e integrar o país econômica, política, militar e culturalmente ao domínio semicolonial do imperialismo ianque.
Esta situação dos anos de 1970 e 1980, quando o movimento operário e popular careceu por completo de uma orientação revolucionária proletária, favoreceu para que os descontentamentos e ações crescentes do proletariado e das massas populares fossem canalizados pelo radicalismo pequeno-burguês liberal que veio a conformar-se no PT, uma vertente de esquerda oportunista e anticomunista. Uma verdadeira mescla de todo tipo de capitulacionismo resultante das derrotas da resistência armada guevarista, aglomerando desde as Comunidades Eclesiais de Base da Igreja Católica, sindicalistas anticomunistas formados pelos institutos ianques de sindicalismo "livre", trotskistas e ex-guerrilheiros arrependidos, todos apadrinhados pelo castrismo. Isto representou o retorno do eleitoralismo e uma vez mais o afastamento das massas do caminho revolucionário.
Diferentemente de significar o fim do movimento comunista, este processo encerra uma fase da luta por conformar um autêntico partido comunista no Brasil, e que corresponde, nos dias de hoje, a se conformar enquanto um partido marxista-leninista-maoísta. Pelo contrário, a compreensão dessa fase, a mais rica e elevada, produzida até então, representa uma verdadeira fonte germinadora para fazer avançar ideológica e politicamente o movimento popular revolucionário na atualidade.
Notas:
* Título do documento do Partido Comunista do Brasil sobre a forma que luta armada deveria se dar no Brasil.
1 - Filósofo francês, principal formulador da teoria do foquismo.
2 - "Cinquenta anos de luta". PCdoB. Ed. Maria da Fonte. 1972.
3 - Este artigo foi publicado em 1970 sem assinatura de qualquer quadro dirigente. Posteriormente João Amazonas atribuiu a autoria a si e a Mauricio Grabois, que então já se encontrava morto. O mesmo expediente fora verificado com outros documentos, como "50 anos de lutas", onde se encontram algumas interpretações revisionistas sobre a história do partido, em que Amazonas somou o nome de Mauricio Grabois.
4 - Entre os anos de 1972 e 1973 os dirigentes do Comitê Central: Lincoln Oest, Luís Guilhardini, Lincoln Bicalho Roque e Carlos Nicolau Danielli (este, então secretário de Organização do Comitê Central) são presos e mortos sob tortura, representando um duro golpe na estrutura do PCdoB nas cidades.
5 - João Amazonas e Renato Rabelo, que estavam na Albânia quando da "Chacina da Lapa" juntamente com Dynéas Aguiar e Diógenes Arruda, formam uma direção no exterior (Arruda falecera vítima de um infarto, em consequência das torturas de quando fora preso, momentos depois de desembarcar de volta ao Brasil em dezembro de 1979).
6 - Enver Hoxha — dirigente do Partido do Trabalho da Albânia, que nos anos de 1970, quando o maoísmo era o alvo das mais furiosas campanhas da reação mundial, passou a atacá-lo, classificando-o, sem qualquer fundamentação científica, por revisionismo chinês.