Crédito da foto: Evaristo Sá
17 de maio de 2019 pode ter sido o princípio do respiro profundo antes do mergulho. Aquele típico fôlego que tomamos antes de mergulhar em um mar azul de domingo ensolarado. Após o leve impacto com as águas, submergimos, voltando à tona logo depois, com a sensação refrescante que nos deixa alegres. O mesmo pode não ocorrer com a Presidência da República.
Em postagem divulgada nas redes sociais na última sexta-feira, o presidente aponta para o Brasil como país “ingovernável”. O texto de autoria de Paulo Portinho, filiado ao Partido Novo, aponta para corporações, as quais, no afã de manter seus interesses, têm, em todos os níveis, pressionado o presidente. Alguns veículos de informação encontraram similaridades entre o post publicado pelo atual mandatário da República e a carta-renúncia do ex-presidente Jânio Quadros. Entretanto, para compreender como a figura maior do Poder Executivo chegou ao ponto de divulgar um desabafo que sequer é da sua autoria, precisamos retomar alguns fatos dos últimos cinco meses.
O atual presidente da República – evitarei escrever o seu nome; sempre que o ouço, logo me vem à memória a grande habilidade de todo ser humano em produzir iniquidades, sendo ele mesmo a própria personificação da crueldade humana em solo brasileiro, porquanto tenha graves falhas morais, a exemplo da homenagem prestada a torturadores e do ódio difundido contra minorias sociais – foi eleito com massivo apoio dos evangélicos, do mercado financeiro e dos militares. Curiosamente, ao longo dos meses, não conseguiu aprofundar o diálogo com sua própria base de apoio. Os gestos realizados nesse sentido foram limitados – assim como limitada é a inteligência do próprio dirigente da Nação – causando descontentamento em praticamente todos os seus aliados: (1) destinar o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos para Damares Alves, uma pessoa visivelmente despreparada, com visões bizarras e toscas de sociedades, além de traços visíveis de sofrimento psíquico, provocou reação desfavorável entre a bancada evangélica no Congresso, que certamente esperava alguém com maior temperança para conduzir a pasta. A escolha de Damares se deve ao presidente possuir profundo desprezo pelos Direitos Humanos, direcionando esse ministério a uma pessoa sem credibilidade, em uma atitude de escárnio para com as populações socialmente minoritárias; (2) o mercado financeiro viu em Paulo Guedes, ministro da Economia, a oportunidade de aprovação da Reforma da Previdência, o que abriria espaço para completar a sangria do Estado, iniciada pelo governo Temer. A Reforma parece longe de ocorrer, o dólar fechou em R$ 4,10 na última semana, e a bolsa de valores zerou os ganhos, fazendo a desconfiança aumentar em relação ao governo; (3) os militares, apesar de ocupar vários cargos ministeriais, estão profundamente insatisfeitos com a flexibilização do uso de armas, proposta por decreto e atacam abertamente Ernesto Araújo, ministro das Relações Exteriores, visto como um desajuizado na condução do relacionamento internacional entre o Brasil e outros países, a exemplo da China, nosso maior parceiro comercial. Vale lembrar que por pura vassalagem e entreguismo aos Estados Unidos, o presidente doou a Base de Alcântara, insinuou apoio militar em uma eventual invasão da Venezuela e proferiu discursos contra os chineses.
Rapidamente, a base política do presidente dissolve. A gota d’água parece ter sido os cortes no orçamento de 63 universidades e 38 institutos federais de ensino. Esse violento ataque à educação pública resultou em protestos com milhões de pessoas nas ruas no último dia 15, incluindo eleitores do “mito”, agora tremendamente preocupados em não ter a universidade pública – lugar onde, contrário ao que o presidente afirma, pesquisas de renome são realizadas – para acessar o Ensino Superior. Nesse episódio, mais uma vez ficou evidenciada a falta de diálogo do chefe de Estado com a sociedade brasileira: no mesmo dia, em visita a Dallas, no Texas, Estados Unidos, ele denominou os manifestantes como “idiotas úteis”. No último sábado, 18, ele voltou a adjetivar quem participou do Levante dos Livros: trajando camisa da Seleção Brasileira, short amarelo e sandália, na portaria do Palácio da Alvorada, cumprimentou 36 estudantes do Colégio Bandeirantes, instituição privada de ensino, perguntando o que eles achavam do “movimento do pessoalzinho que eu cortei verba”.
Essa inépcia em fazer política, aliada às investigações do Ministério Público sobre prática de peculato, organização criminosa e lavagem de dinheiro por parte do filho do presidente e senador da República, colocam o governo sob crescente desestabilização, rumando a passos largos para o caos. Há quem diga que em Brasília o que se discute é como e quando o presidente vai cair, porquanto sua queda já é dada como certa.
O cenário atual da política brasileira é constituído por uma caquistocracia. O termo criado pelo geógrafo e historiador grego Políbio (203 a.C. – 120 a.C.), se refere a um governo liderado pelos piores e mais inescrupulosos cidadãos, representantes da degenerescência de três formas de governança: (1) monarquia transformada em tirania, na qual um rei perspicaz pode se tornar um déspota; (2) aristocracia – o governo daqueles considerados sábios – que ao degringolar em oligarquia, resulta em uma administração pública sob o poder de alguns, ansiosos em malversar o dinheiro público, aniquilando a sociedade; e (3) democracia – “governo do povo, pelo povo e para o povo” – decaída em oclocracia, regime de opressão utilizada por demagogos e populistas, em contraposição às leis e suas instituições guardiãs. Na caquistocracia brasileira, encontramos esses três elementos circundando o presidente e seus pares, atuando em conjunto para concluir a dilapidação do patrimônio público o mais rápido possível.
Como genuíno caquistocrata, o presidente brasileiro desrespeita às instituições democráticas, ou o que sobrou delas. Como resultado, no cenário internacional ninguém o respeita: sua presença foi rejeitada em Nova Iorque, haja vista o prefeito daquela cidade não querer ter sua imagem associada à um notório fascista. Em Dallas, foi obrigado a fazer turismo, pois não tinha nenhuma agenda oficial. Ademais, não consegue se desvencilhar da imagem do ex-presidente Lula: sempre que julga conveniente, o ventríloquo dos Estados Unidos alfineta o petista. Aqui, duas expressões populares cabem ao atual chefe do Executivo: em suas viagens internacionais malfadadas, ele pousa, apesar de não ser bem vindo, como “arroz de festa”[1], e em relação à Lula, se comporta com um peculiar e imenso “olho de peteca”[2]. Essas posturas são risíveis, contudo, sinalizam para uma preocupante perspectiva, especialmente por se tratar dos péssimos exemplos dados pelo governante do País.
Pelos últimos acontecimentos, e vislumbrando eventos futuros, há uma forte tendência de síncope social. Estamos caminhando para o abismo nos moldes do governo Sarney, quando alimentos faltavam nas prateleiras dos supermercados e a inflação era exponencial. Esperar que o presidente mude seu comportamento e busque diálogo maduro com seus aliados e o Congresso, parece utópico. Impeachment é uma saída? A resposta negativa se apresenta como uma possibilidade: o presidente é tosco; a violência do seu vice é muito mais sofisticada!
Armando Januário dos Santos. Sexólogo. Psicanalista em formação. Concluinte da graduação em Psicologia. Professor de Língua Inglesa. E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.
(1) Jargão popular indicativo de pessoa presente em todo e qualquer encontro social.
(2) Adjetivo popular para pessoas invejosas.