Brasileiras lutam para retomar suas vidas após enchentes

215 Brasileiras lutam para retomar suas vidas após enchentes
Rosemere Souto, entusiasmada com sua máquina de costura industrial. Foto: Fabiana Frayssinet /IPS
São Gonçalo, Brasil, 25/8/2011 – Quase um ano e meio depois das inundações que atingiram boa parte do Estado do Rio de Janeiro, um grupo de mulheres afetadas luta pela retomada de suas vidas. Perderam tudo, menos a vontade de se levantar novamente, ainda mais agora que contam com ferramentas de trabalho para fazê-lo. Quando Elisete dos Santos voltava do trabalho para casa na noite de 5 de abril de 2010, a água chegava até sua panturrilha. O temporal havia começado pela manhã e às quatro da madrugada seguinte a água já invadia metade de sua casa no Conjunto da Marinha, uma favela de São Gonçalo, cidade a 40 quilômetros do Rio de Janeiro, na outra margem da profunda baía que compartilham.
“Minha preocupação era tirar meus filhos dali. Quando saímos, minha casa foi engolida pela água”, contou Elisete à IPS, com os olhos marejados de lágrimas. Com 39 anos, criou sozinha seus filhos, um jovem de 16 e uma menina de dez, e tudo o que tinha era fruto de uma vida de sacrifícios. Trabalha em uma loja onde ganha salário mínimo e para sobreviver completa sua renda fazendo bijuterias em casa.
Quando deixou sua família alojada em uma igreja próxima e voltou para onde ficava sua casa na tentativa de resgatar alguns pertences, a água chegava ao pescoço. Recuperou os documentos de identidade de todos, mas debaixo da água e da lama ficaram identificações menos tangíveis, como fotos familiares, objetos e muitas recordações. Elisete também perdeu as ferramentas e o material para confeccionar pulseiras, brincos e colares.
“Senti muita tristeza. A gente trabalha com tanto sacrifício, conquistando cada coisa e, de repente, perde tudo”, disse à IPS em sua nova casa. “Mas o material se recupera com o tempo e o importante é que a vida continue. Não se deve desistir”, afirmou ao lembrar alguns vizinhos que “caíram na depressão”. Ela já conseguiu alugar outra casa precária difícil de pagar, porque o governo lhe negou a ajuda do aluguel social que destinou às vítimas das inundações porque não era proprietária.
Mas a divisão no Brasil da organização humanitária internacional Care doou a ela duas máquinas fundamentais para seu trabalho: uma soldadora e uma retificadora que estão para chegar às suas mãos, para que possa fabricar suas bijuterias. “Vendo nas lojas e às vezes na feira, e serve para complementar minha renda. Com o que ganho compro comida para meus filhos: arroz, feijão, leite, essas coisas”, disse. Somente em São Gonçalo a Care ajuda 114 mulheres autônomas, entre artesãs, costureiras, manicures e cozinheiras que perderam tudo nas inundações.
A maior perda foi “sua capacidade produtiva, os equipamentos e a matéria-prima dos quais dependia sua produção e o sustento da família”, explicou à IPS Leila Menezes, coordenadora do Programa de Mudanças Climáticas e Resposta a Desastres da Care Brasil. O grupo recebeu instrumentos de trabalho como máquinas de costura, lavadoras, carrinho para vendas ambulantes, computadores e congeladores, além de participar de cursos para melhorar seus negócios.
Dentro do programa de ajuda a mulheres vítimas de tragédias climáticas, a Care escolheu esta cidade por ser a segunda mais pobre do Brasil e registrar um dos piores índices de violência. As enchentes fluviais e os deslizamentos de 2010 afetaram cerca de dez mil famílias de São Gonçalo, com quase um milhão de habitantes. Em todo o Estado houve 473 mortes e extraordinária perda material. Foram as piores inundações no Estado em 46 anos.
O oceanógrafo David Zee atribuiu o elevado índice de precipitações às alterações climáticas globais e a causas locais, como erosão das encostas pelo desmatamento, ocupação irregular das margens dos rios e expansão urbana desordenada. Em São Gonçalo, à sua localização em uma área baixa se soma a histórica falta de investimento do Estado em moradia popular, drenagem pluvial e coleta de lixo. Os governos municipal, estadual e federal agora buscam recuperar o tempo perdido, enquanto Rosemere Souto, outra vítima das inundações, residente na favela do Salgueiro, assume sua responsabilidade com a comunidade.
“A gente tenta explicar aos moradores que se jogar lixo no rio ele transbordará, mas muitos não entendem”, disse à IPS Rosemere, que recebeu da Care uma máquina de costura industrial. Agora ela integra a organização Mulheres do Salgueiro e está empenhada em dois objetivos: melhoria de sua renda e educação ambiental. Precisamente com sua nova máquina fabricará acessórios de pele de tilápia, peixe de água doce e salgada muito comum na região.
O material, Rosemere adquire de pescadores artesanais, que antes a jogavam no rio, onde demoravam cinco anos para se decompor. “Com a inundação fiquei arruinada”, contou. “Mas, nada melhor do que lutar e ajudar com palavras a educação do planeta”, destacou esta mulher de 48 anos, casada com um trabalhador de um estaleiro e com um filho e quatro netos.
Leila Menezes disse que as mulheres pobres são um dos grupos mais vulneráveis das tragédias ambientais. Por isso, dentro do combate à pobreza e da restauração da economia local, a Care dedica especial atenção a elas, porque, em geral, “são mães, que com sua própria atividade empreendedora mantêm em grande parte suas famílias”, afirmou. Esta psicóloga especializada em resolução de conflitos socioambientais, destacou que essas mulheres, quando “são equipadas com os recursos que necessitam, têm maior poder de recuperar o bem-estar de suas famílias”.
Por isto, apoiar a recuperação econômica das vítimas de uma tragédia natural, para dessa forma fortalecer sua capacidade de superação, é a resposta que permite “a transformação da realidade em que vivem, porque ajuda na restauração da economia local, no desenvolvimento social e no combate à pobreza”, acrescentou Leila. Também por isso, a Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) do governo federal inclui desde 2007 entre seus eixos prioritários a questão do “desenvolvimento sustentável na perspectiva de gênero e a ampliação da justiça ambiental”, e procura incluir o conceito nas iniciativas implantadas pelos diferentes ministérios.
A ministra da SPM, Iriny Lopes, destacou à IPS que as mulheres são as que mais sofrem com as tragédias ambientais, entre outras razões, “por sua histórica condição de responsáveis pela produção e cuidado de integrantes da família, como crianças, idosos e doentes”. Irany acrescentou que “qualquer mudança que afete as fontes e os mananciais ou o acesso das pessoas à água, por exemplo, terá impacto direto na vida das mulheres, por serem elas que terão de trabalhar em dobro para conseguir o suficiente para a família”.
A ministra destacou outro fato que agrava essa situação, que são as dificuldades das mulheres para conciliar o trabalho doméstico e o trabalho remunerado, este último geralmente em piores condições profissionais e de salário do que os homens. Rosemere sabe bem dessas dificuldades e, agora que se transformou em ativista socioambiental, quer ensinar outras mulheres “a pescar e não somente receber o peixe. Porque a comida que se recebe de ajuda em pouco tempo acaba. Mas com um instrumento de trabalho se consegue tudo”, festejou, sorridente, mostrando orgulhosa sua máquina industrial, com a qual “vou costurar a pele do peixe”. Envolverde/IPS
(IPS)

 

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