Medida estimula encarceramento em massa, restringe adoção de penas alternativas e onera Estado, ao obrigá-lo a sustentar aprisionamentos fúteis
A ideia do governo de São Paulo de criar megapresídios na Grande São Paulo é condenada com veemência por especialistas, sob os aspectos jurídico e econômico. Por meio de parceria público-privada (PPP), o governo de Geraldo Alckmin pretende construir três presídios com capacidade total para 10.500 presos.
O defensor do Núcleo de Situação Carcerária da Defensoria Pública de São Paulo, Bruno Shimizu, considera o projeto preocupante. “Para a defensoria, há um problema de constitucionalidade grave. O Estado tem o monopólio da força e da violência. O sofrimento não pode ser mercantilizado. A partir do momento em que se começa a transformar o poder de polícia do Estado em mercadoria, isso significa o colapso das instituições democráticas.” Segundo ele, já houve uma reunião informal entre representantes da secretaria e da Defensoria, mas a proposta ainda está pouco clara para se tirar conclusões.
Na quarta-feira, durante audiência na Assembleia Legislativa, o secretário de Administração Penitenciária, Lourival Gomes, disse que está à procura de terrenos para a criação de três PPPs. “É uma experiência que envolve a região metropolitana de São Paulo, não há a ideia de se expandir isso para o estado todo”, disse, argumentando ainda que as empresas vão se interessar pela ideia porque poderão lucrar “nos serviços de hotelaria, de segurança e de recuperação”.
Um dos perigos da gestão privada do sistema carcerário diz respeito à impossibilidade da convivência entre direitos individuais e lucro. “Nos Estados Unidos há cláusulas nos contratos de privatização pelos quais a unidade tem de se manter com 90% do limite máximo da lotação. Se a própria unidade vai administrar, ela não vai fazer grandes esforços para que as pessoas saiam de lá”, avalia o defensor público. “Quanto mais encarceramento, mais lucro. A unidade é que vai controlar as faltas graves, a emissão de documentos para a progressão de regime. Isso tudo pode ser barrado em função do lucro.”
O sistema paulista teria como modelo o que atualmente funciona em Ribeirão das Neves,a 45 minutos de Belo Horizonte. Inaugurado em janeiro de 2013 pelo governo mineiro de Antonio Anastasia (PSDB), o projeto foi anunciado como “modelo inédito de parceria público-privada” e é considerado o primeiro construído e administrado inteiramente pela iniciativa privada no Brasil.
O deputado estadual Durval Angelo (PT), oposição ao governador Anastasia na Assembleia Legislativa mineira, também vê graves problemas na solução encontrada para o sistema carcerário com PPPs. “Algumas atividades são específicas e próprias do Estado. A segurança e defesa social, assim como saúde e educação, é competência do Estado. Ele não pode abrir mão disso. Se abdicar disso, é o fracasso do Estado”, diz.
Na mesma linha, Marcos Fuchs, diretor-adjunto da ONG Conectas, diz que “zelar pelo preso é uma função do Estado, prevista na Constituição. O Poder Judiciário determinou a privação da liberdade. Cabe ao Estado receber esse preso para o cumprimento dessa determinação”.
Segundo o diretor da Conectas, a política de encarceramento em massa nos Estados Unidos, decorrente de o preso ser um negócio, vitimiza dependentes e usuários de drogas, autores de furtos e outros delitos de pequeno potencial ofensivo, o que faz com que a política seja cada vez mais criticada naquele país.
Solução onerosa
O custo do projeto tocado pela PPP em Minas, de R$ 280 milhões, ficou sob responsabilidade do consórcio Gestores Prisionais Associados (GPA), que venceu a licitação. O consórcio é composto por CCI Construções, Construtora Augusto Velloso, Empresa Tejofran de Saneamento e Serviços Ltda, N.F Motta Construções e Comércio e Instituto Nacional de Administração Prisional.
No modelo mineiro, cada preso custa R$ 2.800 por mês ao estado. O contrato prevê a gestão e administração do negócio pelo consórcio por 27 anos. Considerando o modelo de Minas como parâmetro, já que o paulista ainda está em gestação e há poucos detalhes, o estado de São Paulo desembolsaria R$ 28,35 milhões por mês (ou R$ 340 milhões anuais), caso o complexo chegue aos 10.500 presos anunciados pelo governo.
“Não seria melhor o estado montar escolas, centros de aprendizado, convênios com empresas dentro dos presídios, para empregar a mão de obra dos presos, até para se reduzirem as penas?”, questiona Fuchs. “Se o Estado vai pagar à empresa R$ 2.800 por preso, quem vão ser esses presos? Vai ser escolhido, vai ser aleatório? Certamente vai haver uma tendência a um maior encarceramento, porque vai virar um negócio. Vai haver um lobby fortíssimo por prender mais. Mas preso não pode ser objeto de contrato.”
O deputado Durval Ângelo usa de uma imagem para explicar como vê a parceria em Ribeirão das Neves. “A PPP é um acordo igual ao pescoço com a guilhotina. O poder público entra com o pescoço. O dinheiro do contribuinte e dos impostos é o pescoço.”
Segundo ele, devido à morosidade do projeto de Minas, ainda é cedo para se tirar conclusão definitiva. “Não conseguimos avaliar aqui ainda porque, como tudo em Minas, tem mais propaganda do que realidade. O sistema anunciado há oito anos era para ter cinco penitenciárias no complexo, com mais de 3 mil presos, mas tem uma só funcionando e outra para terminar. Está muito no início”.
Ao inaugurar a primeira unidade no início do ano, o governo previa que as quatro restantes seriam concluídas até dezembro de 2013, segundo reportagens publicadas à época.
Por Eduardo Maretti na Rede Brasil Atual