Jovens da classe média questionam a gestão do governo de Dilma Rousseff com relação aos investimentos públicos. Foto: Fabiana Frayssinet/IPS
Rio de Janeiro, Brasil, 1/7/2013 – Após dez anos de conquistas socioeconômicas graças a positivas políticas de emprego, investimentos públicos e programas contra a pobreza, o Brasil enfrenta o desafio de ampliar e acelerar um modelo de desenvolvimento que inclua, por exemplo, os jovens que protestam nas ruas. Nem toda pobreza no país foi eliminada, muito menos desde que o Partido dos Trabalhadores (PT) chegou ao governo em 2003, com Luiz Inácio Lula da Silva e agora Dilma Rousseff. Até junho de 2011, quando foi lançado o Plano Brasil Sem Miséria, as estatísticas oficiais admitiam que ainda havia 16,2 milhões de indigentes.
No entanto, planos como Fome Zero e Bolsa Família, estratégias de geração de emprego, melhoria salarial e ampliação do microcrédito, junto com forte investimento público em grandes obras de infraestrutura, tornaram outros resultados visíveis. É preciso colocar neste resumido quadro a criação de um processo de mobilidade “que não se deve subestimar”, afirma Leonardo Avritzer, analista político da Universidade Federal de Minas Gerais. “As mobilizações que ocorrem no Brasil não questionam os grandes avanços dos últimos dez anos. Os 40 milhões de brasileiros que saíram da pobreza e a redução das desigualdades constituem avanços reais”, afirmou.
“Na raiz das mobilizações está, primeiramente, uma redução no ritmo da reforma e um certo afastamento da presidente Dilma dos movimentos sociais. Mas é importante dizer que quem protesta hoje é um grupo de classe média jovem. E o fazem por uma pauta de questões urbanas”, destacou o analista. As demandas incluem questões básicas como melhor educação, saúde, transporte urbano e infraestrutura. No caso das favelas, onde também agora há uma classe média crescente e que começa timidamente a aderir às mobilizações, a cobrança é por saneamento básico digno, pavimentação de ruas e creches para as mães que trabalham fora.
Programas como o Brasil Carinhoso e outros de acesso à moradia, como o Minha Casa, Minha Vida, objetivam melhorar esses problemas e “consolidar” essa nova classe média, explicou à IPS o analista político Maurício Santoro, assessor da Anistia Internacional. “O Brasil avançou em aumentar salários e a renda da população mais pobre, bem como em facilitar o acesso a bens de consumo e moradia. Contudo, ainda há um longo caminho para as pessoas poderem sair definitivamente da exclusão de seus direitos de cidadão”, pontuou.
Para Avritzer, esta é uma das “questões reais hoje”. Ele acrescenta que “o Brasil fez muitas mudanças e o acesso aos sistemas de educação e saúde hoje é universal. Porém, a qualidade dos serviços é baixa. Uma parte da chamada nova classe média agora quer melhorá-los na rede privada, mas isto fez os preços subirem. O acesso a uma educação e a uma saúde públicas de qualidade é um dos maiores problemas do Brasil”, ressaltou.
Essas são precisamente as reivindicações dos últimos dias nas ruas das principais cidades do país. E, não em vão, o estopim foi o problema do transporte público. O crescimento econômico e as facilidades para a compra de automóveis, por exemplo, mais que duplicaram em dez anos a frota de veículos, mais de 60 milhões de unidades que congestionam as ruas sem um plano estratégico paralelo de melhoria da infraestrutura viária, nem de ampliação de sistemas alternativos de transporte de massa, como metrô e trem de longa distância.
Orlando Santos, sociólogo especialista em planejamento urbano da Universidade Federal do Rio de Janeiro, chama a atenção em particular para a situação desta cidade, a segunda maior do Brasil. “São construídos grandes sistemas viários sem levar em conta a integração da cidade com a região metropolitana. É um planejamento absolutamente equivocado e irracional, que desperdiça recursos públicos e também reflete a subordinação do governo municipal aos grandes interesses econômicos”, afirmou Santos à IPS.
Eduardo Fagnani, economista da Universidade de Campinas (Unicamp), se refere ao caso da cidade de São Paulo, “uma das cinco metrópoles mundiais com menor índice de habitantes por quilômetro quadrado do mundo”. Nela, “a construção do metrô avança a passo de tartaruga. Diante da falta de pressão popular, os governos municipais são coniventes com os empresários do setor. As políticas públicas privilegiam o automóvel”, disse à IPS, ao se referir ao que chama de “mercantilização” do transporte. “As vozes nas ruas reivindicam direitos e não consumo. Serviços públicos e privados. Estado de bem-estar social e não Estado mínimo”, indicou Fagnani. As manifestações revelam o fracasso da visão conservadora de que bastam políticas focadas em alcançar o “bem-estar social”, acrescentou.
Para o economista Adhemar Mineiro, “tudo isto mostra a falácia de utilizar a pobreza como único indicador de desenvolvimento social”. Este especialista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sociais (Dieese) vê em três etapas o processo de desenvolvimento iniciado por Lula e Dilma. Primeiro foram os programas contra a pobreza. “A ideia era eliminar a situação de miséria e, como segundo passo, inserir (esse setor) no mercado consumidor com outros planos, como o Bolsa Família. O terceiro foi a geração de empregos, especialmente da economia formal, e o estímulo à criação de microempresas.
Então, qual a queixa das ruas?, perguntou à IPS. Mineiro respondeu que, “no tocante a um estado de bem-estar social (saúde, educação, transporte e saneamento), resta ainda muitíssimo a ser feito, e a volta à ênfase no ajuste orçamentário este ano colocou ainda mais em risco esses setores, agravando o problema e provocando descontentamento”. “Com o governo de Dilma se voltou à lógica de inserção internacional, competitividade e ajuste fiscal, e a partir daí uma tentativa de reconexão com os mercados mundiais que estão em baixa desde a crise, o que reduziu a dinâmica do crescimento”, observou Mineiro.
Avritzer considerou que o avanço deste modelo não depende de um grande crescimento econômico, mas de “adequadas políticas” que levem à melhoria dos serviços. Para Fagnani, “as manifestações abrem uma nova oportunidade para enfrentar o subdesenvolvimento político, econômico e social, agravado pela longa experiência neoliberal”. Não se deve voltar atrás no meio do caminho, parecer ser a lição. Envolverde/IPS