O psicanalista Júlio Nascimento,Nesta entrevista ,fala sobre as principais dificuldades que o jovem homossexual enfrenta ao lidar com sua sexualidade e com a família e dá dicas sobre o que considera mais importante para uma boa convivência desses jovens consigo próprios, com seus pais e a sociedade.
Entrevista: Carolina Hungria e Washington Calegari
Entendendo a própria sexualidade
A primeira grande dificuldade que o jovem homossexual enfrenta é a intrapsíquica: o indivíduo muitas vezes não conhece e não aceita a sua sexualidade ou não conhece referências mínimas internas para concebê-la, dado que o que se apresenta na realidade dele, pelo menos na realidade visível, é sempre um padrão heterossexual. Na nossa mente, a gente concebe um conceito que se chama ideal de eu, o eu que nós imaginamos ser ideal para nós sermos, construído a partir de todas as nossas experiências. Então tem um conflito muito grande desse sujeito, porque ele se vê desejando ser heterossexual, porque faz parte do ideal de eu dele, e a dificuldade da experiência sensória e amorosa é outra. Então essa é a primeira coisa, para ele viver sua própria sexualidade, ele vai precisar aceitar que esse ideal de eu é um ideal construído, relativo.
Isolamento
Normalmente, por se sentir diferente, o jovem homossexual já tem um histórico de isolamento familiar, ou de isolamento do próprio grupo de escola, de amigos. Então isso já faz com que ele tenha um pouco menos de habilidade social, ele vai se fechando. Por isso a gente encontra muitos gays tímidos, fechados, muito estudiosos, é um padrão, não é 100% real, mas é bastante freqüente, porque é uma forma de proteção, ele investe a s energias dele em outras áreas que não a sexuais e amorosas, justamente com medo de que seja descoberto ou mesmo pela impossibilidade de compreender aquele universo.
Família
Uma outra coisa que é bastante conflitiva é a família, porque geralmente a pessoa imagina que o familiar não vai receber bem essa nova definição da personalidade dele. Em parte, existem fantasias, que impedem inclusive que essa pessoa se aproxime da família, dos amigos, mas em alguns casos existem família, amigos, que realmente são violentos em relação à aceitação. Mas é esse o problema: o paciente nunca sabe exatamente qual vai ser a reação, então ele tem desde as histórias folclóricas, passando pelas histórias verídicas realmente violentas, até uma possibilidade de aceitação.
Cultura
A terceira dificuldade, que eu acho q eu é a mais grave, á a mais difícil de você dominar, é justamente a própria cultura. Ao mesmo tempo que eu estou fazendo uma séria crítica à nossa cultura recente de que existem modelos bastante estereotipados para você se identificar sexualmente, a gente não pode negar que essa liberdade gera uma demanda de visibilidade, uma demanda de se ver, de se reconhecer na TV, no cinema, no teatro. Obviamente a nossa arte ela não é só medíocre, ela tem uma gama de pessoas maravilhosamente criativas, então há filmes maravilhosos, programas de TV maravilhosos, peças de teatro excelentes, uma mídia virtual que às vezes oferece material de extrema qualidade. Hoje é inegável que você tem para o adolescente a possibilidade de ele entrar em contato com um universo simbólico muito melhor e ainda assim bastante diversificado.
CONSELHOS PARA OS JOVENS
Construindo relações verdadeiras
A primeira coisa que aconselho para o jovem é procurar ter uma relação melhor com sua família, procurar ter uma relação melhor com seus amigos. O quer é ter uma relação melhor? Quando você não é verdadeiro, honestamente, no sentido emocional mais profundo do termo, você tem um empobrecimento relacional, e você perde em cumplicidade, intimidade. E a única coisa que vence o preconceito é a intimidade. Estudos mostram que não é um argumento racionalmente elaborado que muda a atitude preconceituosa.
O vínculo amoroso vence o preconceito
A coisa mais potente para derrubar o preconceito é uma experiência particular com o indivíduo daquele grupo contra o qual você tem preconceito. E geralmente o vínculo amoroso como esse indivíduo ganha esse conflito. Então o melhor conselho que eu dou para um jovem que está pensando em falar da sua sexualidade é: construa relações profundas, significativas com as pessoas. Se você construir essas relações, certamente você vai escolher pessoas que te respeitem, porque você vai criar uma relação íntima e profunda tem uma zona de cuidado com o outro, e obviamente tudo o que cair nessa relação vai ser cuidado, vai ser respeitado.
Escolhendo para quem contar
Além de criar uma boa relação com sua família e com seus amigos, escolha os seus melhores amigos, os mais íntimos, que você confia e cuida mais e fale somente para eles. E outra coisa: nunca fale da sua sexualidade para alguém com quem você não tenha uma extrema intimidade, porque a sexualidade é um assunto íntimo. Então comece conversando com pessoas em quem você pode confiar. E se você tiver algum problema, procure orientação de um psicanalista, ou de um psicólogo, mas aí você tem que ter um cuidado muito grande na escolha, porque não pode ser uma pessoa preconceituosa, tem que ser uma pessoa que entenda de sexualidade.
Homossexualidade não é doença
Hoje a gente tem grandes psicólogos, que fazem pesquisas maravilhosas, que concebem a sexualidade de uma maneira muito interessante. Tanto que boa parte desses psicólogos se reuniram e construíram uma legislação que hoje proíbe qualquer psicólogo do Brasil a exercer atividade discriminatória contra a homossexualidade, ou mesmo tratar a homossexualidade como doença. Hoje você pode sofrer um processo ético se, por exemplo, tratar um paciente como se ele fosse doente por ele ser homossexual.
CONSELHOS PARA OS PAIS
Pais esclarecidos, filhos bem resolvidos
Para os pais, eu digo: aceitem. Não há outra solução. Basicamente, a principal coisa que tem que ser dita aos pais é que não há como seu filho mudar a sua orientação sexual. Não há essa possibilidade. Quanto mais cedo você aceitá-lo, melhor. A segunda coisa que eu acho que tem que se dizer é: você não tem noção do quanto a sua não aceitação sobre seu filho pode causar efeitos nefastos e muito duradouros ele. A maioria dos filhos que sofre muito, atrozmente, são filhos de pais que não aceitam, a sua sexualidade. Tem pacientes que eu atendo com 40, 50 anos, que já saíram completamente da vida de jovens, são pessoas maduras, que sofrem conseqüências muito penosas por terem sido rejeitados pelos seus pais. Isso é terrível. Ao passo que uma mãe e um pai que aceitam seus filhos, a diferença é gritante, como essas pessoas são mais equilibradas emocionalmente.
Renúncia aos ideais
Para os pais, geralmente, também há um grande conflito. Dentro do ideal de eu, também tem o ideal de pai, e o ideal de pai é o ideal de um pai que tem um filho de determinada maneira. Então é muito importante que todos os pais que soubessem da sexualidade dos seus filhos procurassem uma ajuda psicológica, porque eles vão ter que fazer uma renúncia aos seus ideais.
Apoiando as decisões dos filhos
Os pais têm que imaginar que a vontade do filho é soberana em relação à vida dele, e também ter uma concepção de que é importante apoiar as escolhas e decisões dos filhos. E isso já é um grau de elaboração muito grande. É muito difícil você renunciar a um ideal se você não tem nenhuma força contra isso. Então o trabalho dos pais é mais difícil mesmo. Por isso eu acho que é mais importante que os pais sejam acompanhados psicologicamente do que os filhos, porque eles é que vão ter que fazer uma renúncia forte. Às vezes surge um sentimento de culpa, como se eles fossem responsáveis pela sexualidade, isso não é verdade. Ninguém consegue criar desejo em outra pessoa, isso é impossível. Do mesmo jeito que você não consegue seduzir uma pessoa que não esteja te desejando, você não consegue impedir que uma pessoa deseje determinado objeto.