A estrada BR-155, em plena Amazônia, no Estado do Pará, mostra um cenário de pastagens, onde antes havia selvas. Foto: Fabíola Ortiz/IPS
Marabá, Brasil, 2/5/2013 – Está a ponto de explodir um novo episódio violento entre proprietários de grandes fazendas e camponeses sem terra no amazônico Estado do Pará, norte do Brasil. A fazenda Itacaiunas fica no sudeste do Pará, no município de Marabá, a 684 quilômetros da capital, Belém. Sua proprietária é o Agro Santa Bárbara, grupo econômico que possui ao menos 600 mil hectares de terras neste Estado.
Desde 2002, a Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Pará (Fetagri) reclama que essa propriedade seja confiscada e sujeita à reforma agrária. Nela vivem acampadas cerca de 300 famílias. Nos últimos dias de abril, estes camponeses sem terra anunciaram que executariam uma ocupação definitiva da fazenda, e no dia 29 iniciaram o loteamento para “fazer o assentamento por conta própria”, segundo um comunicado da organização.
A empresa, por sua vez, considera os camponeses como delinquentes e informou que os denunciou à polícia militar para garantir a ordem e evitar choques. “O grupo de invasores planeja começar o loteamento da propriedade. O objetivo é ampliar a ocupação ilegal. Este é um novo ato criminoso dos invasores, que mantêm a fazenda sob seu controle e não permitem o acesso a outras pessoas”, diz o Agro Santa Bárbara em um comunicado.
A iminência de um choque violento é real, pois há denúncias de presença na área de grupos fortemente armados, contratados pelos donos da fazenda. Segundo informou à IPS o advogado da Comissão Pastoral da Terra, da Igreja Católica, José Batista, que acompanha de perto a situação, o conflito em Itacaiunas é “bastante grave”.
“Há muito tempo estas famílias têm expectativas de que se faça o assentamento (a distribuição legal de terras da reforma agrária). A empresa colocou guardas armados e já recebemos informações de que envenenou as pastagens para expulsar as famílias. Isso aumentou a tensão e, então, os camponeses resolveram ocupar uma área maior”, explicou. Embora a polícia tenha sido chamada para evitar um choque direto entre os dois lados, às vezes a presença policial é que gera conflitos.
Segundo Batista, em 2010, o governo determinou a expropriação da fazenda, mas o grupo empresarial entrou com recurso que suspendeu a emissão do título de propriedade para os assentados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). “As famílias acampadas estão irredutíveis, mas querem resolver o problema de forma pacífica”, disse o advogado.
Entretanto, há uma discussão sobre o valor da indenização que o governo deveria pagar ao Agro Santa Bárbara por expropriar a fazenda. A empresa teria aceitado negociar com o Incra por um valor equivalente a US$ 11,5 milhões. Mas dessa quantia foi descontado o valor do passivo ambiental deixado pela empresa – que desmatou a região de selva da fazenda –, estimado em US$ 3 milhões. Então, a companhia apresentou um documento com a taxação de sua propriedade em US$ 21 milhões.
Segundo Batista, a fazenda tem 10.600 hectares, e há informações de que mais de 60% são terras públicas e de que a fazenda é improdutiva.
Boa parte dos conflitos e das mortes por questões agrárias ocorrem na Amazônia, até onde chegou a nova fronteira agrícola e os projetos de infraestrutura e mineração. Esta é uma das causas principais da violência no sul e sudeste do Pará, o segundo maior estado brasileiro e líder nacional em assassinatos e violação de direitos humanos por conflitos agrários.
Segundo a Pastoral da Terra, entre 1964 e 2010, foram cometidos no Pará 914 assassinatos de trabalhadores rurais, sindicalistas, juristas e religiosos. Desse total, 654 aconteceram no sul e sudeste do Estado. Os dados não são precisos, pois muitos casos nem mesmo se tornam públicos, segundo o informe Violação de Direitos Humanos no Sul e Sudeste do Pará, elaborado pela Pastoral e a Fetagri, entre outras entidades, publicado em março deste ano.
“A atuação da justiça também está a anos-luz entre os crimes cometidos e a punição dos culpados”, apontou Batista. Dos 914 assassinatos já mencionados, apenas 18 chegaram a julgamento. Entre 1980 e 2003, foram cometidas 35 matanças no sul e sudeste do Pará, que totalizaram 212 trabalhadores rurais assassinados. As ameaças de morte são moeda corrente. O informe afirma que, entre 2000 e 2011, 165 pessoas receberam ameaças no país, das quais 71 no Pará. Do total de ameaçados, 42 acabaram assassinados, 18 deles neste Estado.
“A reforma agrária é um projeto utópico. A violência no Pará vem crescendo, a impunidade não permite avançar na investigação dos casos e os objetivos dos assassinatos são líderes de organizações sociais”, disse à IPS o representante da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil no Pará, Adebral Lima Júnior.
Para Marianne Anderson, da fundação Right Livelihood Award, que fez parte da visita de uma missão solidária realizada na região em abril, internacionalizar o conflito é uma forma de pressionar por sua solução. “Nunca devemos calar sobre estas injustiças e mortes. Não há outro lugar do mundo onde ocorram tantas mortes vinculadas ao meio ambiente e à terra como no Brasil. Metade dos assassinatos relacionados a conflitos agrários em todo o mundo acontece neste país. Isto é inaceitável”, ressaltou Anderson, ex-integrante do parlamento sueco.
A fundação, que entrega o prêmio conhecido como Nobel alternativo, incentivará sua rede global a enviar cartas de repúdio às embaixadas do Brasil em todo o mundo. “Pedimos ao governo brasileiro que implante urgentemente a reforma agrária para que se faça justiça”, enfatizou Anderson.
Um caminhão percorre a rodovia BR-155 no Estado do Pará, norte do país. Nessa área já não restam selvas, cortadas para dar lugar a pastagens para a pecuária e a exploração mineral. Imagem feita no começo de abril de 2013. Envolverde/IPS
(IPS)