Localizado na Península Árabe e com uma área de apenas 11,57 mil km2 e 1,85 milhões de habitantes, o Qatar é apenas o 164º país em área do mundo e o 148 mais populoso. Mas os números modestos param por aí. Com uma economia baseada no petróleo e no gás natural, o país possui a maior renda per capita do planeta e o décimo maior IDH da região que engloba a Ásia e a Oceania. Porém, atualmente também é o maior emissor de carbono per capita, emitindo aproximadamente 23 vezes mais carbono per capita do que o Brasil.
E é justamente em Doha, capital do Qatar, que foi realizada a 18ª Conferência das Partes (COP-18) ¬- o braço executivo da Convenção -Quadro da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Mudança do Clima (UNFCCC, em inglês). Na conferência, decide-se sobre a aplicação e o funcionamento das diretrizes do tratado Protocolo de Kyoto, a implementação dos mecanismos acordados e o cumprimento das metas determinadas. Cada conferência inicia-se com uma agenda preestabelecida, visando dar andamento às atividades colocadas anteriormente e definindo e acordando novas metas e mecanismos.
A COP de Doha começou de maneira tensa. Logo antes da Conferência, a ONU alertou que as emissões de carbono em 2010 foram 14% maiores do que se espera para 2020 caso as metas estabelecidas nas COPs anteriores fossem cumpridas. Ou seja, já se emitiu mais do que o natural aumento esperado para dez anos à frente. Com a continuação desse cenário, é certo que não atingiremos a meta de limitar o aumento médio da temperatura global em até 2 ºC antes de 2100. Aliás, o aumento pode ser de até 5 ºC, com consequências calamitosas e imprevisíveis para boa parte da sociedade.
Além disso, a COP de Doha também carregava outra enorme expectativa: a extensão do Protocolo de Kyoto, cujo primeiro período acaba em 2012. O Protocolo é o principal tratado internacional que estabelece metas e mecanismos de mercado para que os países desenvolvidos e em desenvolvimento consigam, em conjunto, reduzir as emissões globais para os patamares acordados previamente. Sem uma definição clara sobre o futuro de Kyoto após este ano, todo o esforço realizado anteriormente perderia a inércia e cada vez mais a humanidade se distanciaria das metas necessárias para que tenhamos um futuro comum em harmonia com os recursos do planeta em que vivemos.
Entretanto, os representantes dos 190 países envolvidos decidiram pela extensão do Protocolo até 2020. As regras continuam basicamente as mesmas, o que assegura a continuidade do já combalido mercado de carbono e do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. Este diz respeito ao financiamento de projetos de reduções de emissões nos países em desenvolvimento.
E por que o mercado de carbono está enfraquecido? Depois de atingir um preço recorde de quase 23 euros por crédito em 2008, as incertezas sobre o futuro do Protocolo e a saída de alguns países do acordo, o valor do crédito de carbono despencou nos últimos anos para centavos de euro. Mesmo com a notícia sobre a continuidade do Protocolo, o valor do crédito continua em queda livre, o que impõe um sério problema: com o valor do crédito baixo assim, diversos projetos de redução de emissões de carbono perdem a sua viabilidade.
Também foram decididos outros assuntos importantes em Doha: os países desenvolvidos vão disponibilizar mais recursos para suportar ações climáticas nos países em desenvolvimento, as metas de temperatura vão passar por um robusto processo de revisão até 2015 e mais recursos serão destinados para o combate ao desmatamento nos países em desenvolvimento e para a educação e capacitação do público em geral. Isto é fundamental para que a nossa sociedade desenvolva a consciência e a vontade de seguir em frente nesse tema que tem se apresentado tão difícil.
No encerramento da COP-18, Christiana Figueres, secretária executiva da UNFCCC, ressaltou que a Conferência abriu novos caminhos para acelerar a luta contra a mudança global do clima: “O mundo agora possui recursos e tecnologia suficientes para atingir as metas. Após Doha, é uma questão de rapidez e determinação para manter a agenda”. Realmente, tecnologia e dinheiro temos. Mas teremos a determinação necessária? Ainda é cedo para dizer…
* Magno Castelo Branco é biólogo e doutor em Ecologia e Recursos Naturais, é diretor técnico da Iniciativa Verde. É também consultor do Banco Mundial e da CNIe da Embaixada Britânica sobre assuntos relacionados à mudanças climáticas.