Casas no município rural de Caraúbas do Piauí, no extremo nordeste do Brasil. Foto: Valter Campanato/Abr CC BY 3.0
O Estado do Piauí receberá uma importante injeção de fundos para regularizar áreas de agricultura familiar e promover um crescimento agropecuário sustentável.
Rio de Janeiro, Brasil, 16 de abril de 2012 (Terramérica).- Com mais de 25 milhões de hectares de recursos naturais abundantes, seis milhões deles ideais para a agricultura, o Estado do Piauí tem um dos piores índices socioeconômicos do Brasil. Uma iniciativa do governo estadual, com apoio do Banco Mundial, busca reverter esta situação, com a regularização da propriedade da terra para 225 mil pequenos e médios agricultores e 40 comunidades quilombolas (descendentes de africanos que se refugiaram nesses territórios isolados para fugir da escravidão).
O Projeto de Inclusão e Crescimento Verde, anunciado este mês para se prolongar até março de 2013, é financiado com um empréstimo de US$ 350 milhões a serem pagos em 18 anos com cinco de carência. Faz parte do Programa de Cadastro de Terras e Regularização Agrária do governo federal, que busca legalizar as propriedades dos agricultores familiares. Desde um crédito com baixas taxas de juros para desenvolvimento rural até uma licença ambiental para produzir e participar de programas nacionais, para tudo é necessário um título de propriedade da terra, explicou ao Terramérica o responsável pela iniciativa por parte do Banco Mundial, Garo Batmanian.
Só legalizando a propriedade é que os agricultores poderão “produzir e sair da pobreza”, acrescentou Garo. O projeto busca precisamente dar-lhes essa base para “que possam fazer seu trabalho de maneira mais efetiva e crescer”, afirmou. A assistência também é necessária para recuperar terras da degradação ambiental. “Se desmatou, tem que reflorestar; se eliminou a vegetação ribeirinha – algo proibido por lei –, tem que recuperá-la”, citou como exemplo.
O Piauí tem mais de três milhões de habitantes em um território de 252.378 quilômetros quadrados e contribui com 0,6% do PIB nacional e 1,1% do PIB agrícola, apesar de ter seis milhões de hectares de terras planas e drenadas, ideais para a agricultura. Também é o segundo Estado com maior número de analfabetos. A regularização agrária do Piauí é “fundamental” para seu desenvolvimento e “uma pauta que deveria ter sido resolvida há muito tempo”, afirmou Evandro Cardoso, representante no Estado do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), em um artigo publicado no site do Ministério de Desenvolvimento Agrário.
Afonso Galvão, dirigente do Movimento de Pequenos Agricultores do Piauí (MPA), declarou ao Terramérica que o Estado possui uma grande quantidade de terras públicas, “que inclusive estão sendo entregues a grandes empresas, como a Suzano, para produção de celulose” e papel. E, por outro lado, há uma “imensa” quantidade de pequenos agricultores sem terra ou com áreas de até dez hectares, destacou.
Segundo o Banco Mundial, no Piauí, apenas 54% dos agricultores são proprietários. Os demais se encontram em categorias nebulosas como “ocupantes”, “ocupantes com título indefinido” ou meros “produtores”, porque, de fato, produzem e contribuem para o desenvolvimento, apesar de não terem os recursos nem o marco legal para fazê-lo.
A situação é semelhante entre os quilombolas. No Piauí, 193 destas comunidades tradicionais iniciaram processos para serem reconhecidas legalmente junto com seus territórios, informou Garo. Contudo, em metade dos processos prevalece uma grande insegurança jurídica, mas se um grande produtor quiser vender essas terras não poderá fazê-lo se já estiverem pré-identificadas como quilombolas, explicou.
Os 225 mil produtores e 40 quilombolas escolhidos para o projeto definem a magnitude do problema. Eles produzem bens tão diversos como mel, castanha de caju e acerola, entre outros. Como tais, poderiam abastecer mecanismos nacionais de alimentação como o Programa de Merenda Escolar. Entretanto, para isto também precisam ser reconhecidos como proprietários. A iniciativa também vai oferecer capacitação técnica para “a prática de uma agricultura sustentável que, por sua vez, gere maiores rendas familiares”, segundo o Banco Mundial.
O programa se baseia em três objetivos estabelecidos pelo governo piauiense: crescimento verde, por meio da regularização da terra e da agricultura sustentável, inclusão social, mediante políticas de educação pública e participação de jovens no mercado de trabalho, e sustentabilidade fiscal, para otimizar a prestação de serviços públicos.
Afonso se mostrou desconfiado. “Primeiro é preciso saber de que tipo de desenvolvimento se está falando, porque os governos falam muito em desenvolvimento, mas em uma lógica que não favorece os pequenos agricultores e sim as grandes empresas que estão se instalando”. Segundo o dirigente, os números mostram que o PIB cresceu no Piauí, mas a renda dos agricultores familiares não aumentou do mesmo modo.
Apesar de seu atraso relativo no contexto nacional, a economia do Piauí vem crescendo nos últimos anos. Em 2008 foi o Estado que registrou maior crescimento do PIB, 8,8%, enquanto a média nacional foi de 5,2%, segundo dados oficiais. “Outro fator é que se insiste em um modelo de produção para os pequenos agricultores que não teve êxito, ou seja, a insistência de transformá-los em empreendedores rurais. Isto leva a uma lógica de mercado injusta, colocando-os na disputa com grandes grupos, em uma competição desleal”, criticou Afonso.
Garo insistiu que se trata de “promover desde o início a agricultura com parâmetros ambientais, não como em outros lugares onde primeiro se gera o problema ambiental e depois se tem que resolver o conflito”. Para Afonso, os problemas ambientais já existem, muitos deles causados por grandes latifundiários. Por exemplo, monoculturas como o eucalipto para papel, o uso de agrotóxicos em todas as fases de semeadura, uma grande produção de transgênicos agrícolas e a destruição da vegetação nativa, destacou.
“O cerrado piauiense já estão no limite de sua utilização, tendo toda sua vegetação destruída para o cultivo da soja”, enfatizou Afonso. O MPA propõe a produção diversificada como caminho para a sustentabilidade: semeadura de diferentes vegetais e criação de animais adaptados ao clima e às pastagens da região, uso de adubos e pesticidas naturais, produzidos inclusive nas próprias terras, e desenvolvimento de energias renováveis.
* A autora é correspondente da IPS.