O Brasil pode reduzir o desmatamento amazônico à zero até 2020 enquanto aumenta os meios de subsistência rurais e mantém um crescimento econômico saudável, falou o governador do Pará ao mongabay.com nos bastidores do Fórum Mundial Skoll, uma grande conferência de empreendedorismo social, na última semana.
O governador Simão Jatene espera que uma revolução no manejo e governança da terra possa mudar a maré no Pará, um estado que perdeu mais floresta amazônica – 90.000 km2 de floresta amazônica desde 1996 – nos últimos 15 anos do que qualquer outro no Brasil.
O governador não é nenhum ativista. Sua motivação vem de um eleitorado amplo que exige um fim para o desmatamento.
“Não há mais qualquer dúvida de que precisamos parar o desmatamento”, disse ele. “A grande pergunta é como.”
De acordo com o governador, a receita para o sucesso envolve uma mudança de abordagens de cima para baixo para inovações de baixo para cima baseadas na participação multilateral.
“A abordagem histórica era de cima para baixo, mas tinha uma chance muito limitada de sucesso no Pará, que tem 1,25 milhão de quilômetros quadrados e tem tudo, de agricultura intensiva em fronteiras de florestas a áreas remotas de floresta intacta.”
Jatene acredita que esforços de comando e controle têm contribuído significativamente para a queda de 78% no desmatamento da Amazônia brasileira nos últimos anos, mas ir além significa dar mais controle aos municípios, que podem adotar políticas específicas para condições locais dentro de um quadro de metas governamentais de redução de desmatamento mais abrangentes.
Jatene vê o Cadastro Ambiental Rural (CAR) do Pará como um fornecedor de estrutura sob o qual as iniciativas locais operam. O cadastro é um sistema que exige que fazendeiros e agricultores registrem suas propriedades.
A participação no CAR cresceu exponencialmente desde que foi lançado em 2009, de 400 em seu primeiro ano para 40 mil em 2011. A razão é simples: os produtores não podem obter ou vender crédito para compradores se não forem registrados.
Jatene afirma que o Pará visa ter 100 mil produtores – cerca de 50% do total do estado – registrados até 2013.
“Muito do desmatamento aconteceu na Amazônia por causa de uma crença por parte dos autores de que eles não seriam punidos”, declarou Jatene. “Com o CAR, a propriedade da terra não é mais anônima.”
O CAR é o primeiro passo para um proprietário obter uma licença ambiental. Sob o CAR, um proprietário deve ter um plano de longo prazo para restaurar qualquer floresta ilegalmente desmatada aos níveis exigidos.
“Se um proprietário não entra em conformidade, ele é punido. O objetivo do CAR é parar novos desmatamentos.”
O CAR é bom para fiscalização e incentivos, que Jatene argumenta que são necessários para encorajar boas práticas, especialmente entre pequenos agricultores, que representam uma porção crescente do desmatamento à medida que este, como um todo, diminui.
“O desafio é colocar os pequenos agricultores no cadastro”, disse ele. “Começamos com os grandes, que são 80% do problema.”
“O benefício para os pequenos agricultores é a infraestrutura – isso os traz ao CAR.”
Jatene afirma que a infraestrutura inclui melhores estradas em vez de novas estradas, o que décadas de pesquisa mostraram que leva ao desmatamento.
“Estradas melhores melhoram o modo de vida porque os produtos atingem o mercado mais rapidamente e em uma condição melhor”, declarou ele.
Saúde e educação são outros benefícios.
Quando o mix certo de governança e incentivos se unem, a transformação pode ser surpreendente. Tomemos o caso de Parágominas, um município no Pará cuja taxa de desmatamento era tão alta que estava na lista negra federal, restringindo seu acesso a crédito e mercados.
Parágominas se transformou em uma “cidade verde”, eliminando quase que totalmente o desmatamento ilegal através da adoção de novas práticas de manejo florestal, estabelecendo uma força policial ambiental local, e oferecendo treinamento para fazendeiros e agricultores para aumentar a produtividade, utilizando melhor as terras já desmatadas.
A cidade foi retirada da lista negra no último ano, tornando-se um modelo para outras jurisdições longínquas, como o Congo e a Indonésia.
“Os municípios que estão desenvolvendo o programa já estão vendo os benefícios”, disse ele. “Eles estão tentando replicar o modelo de Parágominas.”
Mas o período de transição de um modelo de desmatamento para um desenvolvimento de baixo carbono pode ser inicialmente prejudicial.
“A transição inicial provoca perda de empregos porque a economia local é baseada no desmatamento”, afirmou Jatene. “Essa transição ocorre em um momento crítico para o governo.”
“É por isso que um programa de educação verde é importante.”
Jatene vê a necessidade de investimentos substanciais na educação em nível municipal para sair do modo de vida de atividades que destroem florestas.
“O acesso universal à educação está quase ocorrendo no Pará”, explicou Jatene. “A questão é a qualidade da educação.”
“Empregos de baixa qualificação tendem a estar na indústria do desmatamento. É por isso que se precisa de educação.”
Novas indústrias e inovação requerem educação e treinamento. Jatene diz que o Pará poderia triplicar sua produção agrícola, fazendo um uso mais produtivo de terras pobremente utilizadas e já desmatadas. A tecnologia poderia aumentar ainda mais os rendimentos. Mas Jatene também vê potencial para além da agricultura.
“Precisamos de uma revolução do conhecimento”, afirmou ele. “Podemos gerar um conhecimento de cima para baixo em termos de uso florestal, incluindo produtos sem madeira florestal, como o açaí e as plantas medicinais.”
A Amazônia tem uma grande riqueza em forma de biodiversidade, o que poderia se tornar a base de novas indústrias indígenas.
O governador também vê potencial em capitalizar o valor de serviços ecossistêmicos, como o carbono e a água.
“A grande redução no desmatamento do Brasil nos últimos anos foi uma contribuição tão grande quanto o Protocolo de Quioto”, declarou ele. “Isso foi feito sem pagamentos internacionais para serviços ambientais – o Brasil não foi pago. Isso poderia ser uma ferramenta muito poderosa para reduzir ainda mais.”
Mas a população local terá que ver benefícios diretos da redução do desmatamento para tornar tais programas eficazes.
“Uma redução adicional no desmatamento vai ser muito difícil”, disse ele. “A população local tem que sentir realmente que é parte da solução.”
O governador acrescentou que questões sociais são altamente variáveis em diferentes partes do Pará, então “as soluções não serão as mesmas em todas as áreas.”
“Precisamos reduzir a desigualdade e a pobreza”, afirmou ele. “Pessoas pobres precisarão aumentar sua pegada, enquanto pessoas ricas precisam reduzir sua pegada.”
“E isso se aplica globalmente, acrescentou ele, observando que os padrões de consumo das pessoas nos Estados Unidos são muito mais altos do que os do Pará.
Ainda assim, reiterou ele, há um apoio generalizado no Pará para reduzir o desmatamento.
“O objetivo de um desmatamento líquido zero para uma meta em 2020 não é uma ideia de fora, é uma demanda da sociedade. A maioria é a favor de reduzir o desmatamento; há alguns grupos que querem continuar desmatando, mas eles são minoria.”
Ele declarou as mudanças propostas no Código Florestal do Brasil não afetariam o compromisso do Pará para 2020.
Jatene também destacou uma motivação negligenciada para o fim do desmatamento: uma fronteira aberta é cara para os governos.
“Faz sentido que o governo incentive uma fronteira fechada”, disse ele. “Quando a fronteira é aberta, o governo tem estender serviços e infraestrutura sem obter benefícios fiscais por causa da ilegalidade.”
“Há razões fortes para o Pará se comprometer com um desmatamento líquido zero”, afirmou ele. “O Pará pode ser um exemplo para o resto do mundo.”
* Traduzido por Jéssica Lipinski
** Publicado originalmente no Mongabay e retirado do CarbonoBrasil.
(CarbonoBrasil)