Foto: Eixo Rio/ São Paulo
Tão nociva quanto qualquer outra, porém pouco estudada e discutida, a poluição luminosa tem avançado de maneira alarmante no eixo Rio –São Paulo com o crescimento das cidades e de suas economias. Esse trecho concentra a maior densidade de luz dispersa para o espaço em todo hemisfério sul. Além da perda significativa em termos de energia elétrica, ela afeta tanto os animais com as plantas por alterações metabólicas profundas.
Além de ser o eixo mais desenvolvimento econômica, técnica e cientificamente da América Latina inexiste nas capitais ou nas cidades do eixo qualquer ação para impedir o aumento ou provocar a diminuição deste agente poluente. Embora se saiba que grande parte de enfermidades que afetam o homem, como distúrbios do sono e do sistema nervoso, entre elas a depressão, tem suas origens estresses causados pela exposição a luz artificial.
“Esse tipo de poluição interfere diretamente nos ecossistemas terrestres e marinhos, com a luz intermitente variando entre a do Sol e a artificial não há a reparação gerada pelo repouso. Isso afeta a todos animais, plantas e o homem. Na flora sob fotossíntese permanente há um empobrecimento da carga genética e na capacidade reprodutiva da planta, além de enfraquecer e alterar seu metabolismo”, alerta a engenheira ambiental e especialista em geoprocessamento e integrante da ong Corredor Ecológico Vale do Paraíba, Carolina Cassiano Ferreira.
Atraso e desperdício
Desde meados dos anos 70, as comunidades científicas dos países desenvolvidos passaram a discutir o problema. A estimativa é que entre 30 a 40% da iluminação pública mundial seja desperdiçada neste processo. No Brasil, pelo cálculo de especialistas, as luminárias desperdiçam de 30% a 60% da luz emitida e o tema só passou a atrair atenção no começo dos anos 2000.
“É preciso maior atuação dos órgãos responsáveis pela iluminação de ruas e estradas, que devem buscar maior eficiência em suas instalações. Há estimativas de que a troca de postes antigos por outros mais eficientes e com iluminação melhor direcionada pode representar até 40% de economia de energia a algumas cidades”, observou o gerente de vendas de infraestrutura/cidades da Osram, Eduardo Soares.
Empresas como a Osram, uma multinacional alemã e entre as líderes mundiais na indústria de iluminação já buscam soluções para mitigar o problema. A busca por tecnologias novas, como os spots de leds de alto desempenho e baixo consumo de energia, a correção do loco das luminárias estão entre as áreas de estudos.
“Devido ao seu alto grau de importância, cada vez mais as empresas do ramo estão pensando na poluição luminosa, um fator alarmante nos dias de hoje. O ideal para reduzir esses efeitos seria uma espécie de conscientização da população. Desde explicar potências das lâmpadas, durabilidades, até a maneira correta de utilizá-la. Deste modo, poderemos diminuir os efeitos causados e modernizar as instalações públicas com sabedoria”, observou o executivo.
O que tem ocorrido com a flora exposta a poluição lumínica é algo desastroso, segundo a engenheira Carolina Ferreira. A floração fora de época e a queda na produção e na qualidade das sementes tem diminuído a vida útil da planta como afugentado espécies animais que a utilizam como fonte de alimento ou abrigo.
“ O ritmo circadiano em que se baseia o ciclo biológico, que tem um tempo médio de 24 horas, está totalmente desregulado nos locais sob influência desta poluição. As lulas que emergem de encontro às plataformas de petróleo são um exemplo, assim com as aves que perdem totalmente seu senso de direcionamento, o homem também está sendo severamente prejudicado. Não temos dúvidas que estamos acelerando a extinção de espécies, principalmente as endêmicas sob efeito da poluição”, alertou a pesquisadora.
Além das doenças do sono, devido a luz azul, pesquisas nos Estados Unidos já mostraram que há uma propensão desenvolvimento de câncer de mama em quem trabalha em turnos invertidos e com telas que emitem essa frequência de luz. A falta de sono está associada a geração da depressão, que por consequência estimulam o surgimento de diversas outras doenças neurológicas.
Segurança Pública
Diversos estudos em universidades e laboratórios particulares de empresas mostram que a iluminação pública equivocada traz grandes malefícios a segurança pública. O gerente da Osram, Eduardo Soares, diz não ter dúvidas que uma maior claridade aumenta a sensação de segurança e que muitos governantes são cobrados por isso. Embora isso, na prática, seja questionável com a execução do serviço com mau direcionamento da iluminação, gerando poluição lumínica. A luz em excesso acaba por criar pontos ‘cegos’ e pessoa não consegue ver o cenário completo.
“Outros casos de mau uso da iluminação podem ser notados em pontos de comércio, que podem errar na busca por uma atmosfera ideal para atrair seus consumidores. Nem sempre uma maior potência gera melhor iluminação, pois é necessário direcionar a luz, que deve ser projetada para iluminar com precisão. Muitas vezes, responsáveis pela escolha dos produtos, por desconhecimento, geram excesso desnecessário de iluminância e má visibilidade para as pessoas. Além disso, existe o desperdício de luz para o céu, influenciando no ecossistema das aves e impossibilitando a nitidez para ver as estrelas”, salientou Soares.
Atualmente, algumas cidades estão combatendo a poluição luminosa com leis mais rigorosas e novas tecnologias, como as lâmpadas e spots de leds. Um exemplo bem-sucedido aconteceu nas Ilhas Canárias, na Espanha, onde o governo local conseguiu reduzir em 84% do fluxo de luz para o céu, com aproximadamente 65% de economia de gastos. A lei da cidade de Praga, que determinou que o céu noturno é um patrimônio dos habitantes locais. No estado da Flórida há algumas iniciativas, como na Itália, na região da Lombardia.
A cidade norte americana de San Diego economiza atualmente Us$ 3 milhões por ano após trocar suas luminárias e promover um sério estudo sobre a redução da poluição luminosa. Nos Estados Unidos, 22% da energia elétrica produzida é destinada à iluminação, sendo 8% utilizada para iluminar áreas públicas. No país, a poluição lumínica causa prejuízos que giram em US$ 2,2 bilhões ao ano.
Em solo nacional, há apenas três legislações que combatem a poluição luminosa. Uma do Ibama, para proteger áreas de desova de tartarugas marinhas, e outras duas, em Campinas (SP) e Caeté (MG) para preservar os observatórios astronômicos locais.
No próprio site da Eletrobras, as referências a iluminação pública são enaltecidas e inexiste nenhuma abordagem sobre seus males.
Diz o texto: “A iluminação pública é essencial à qualidade de vida nos centros urbanos, atuando como instrumento de cidadania, permitindo aos habitantes desfrutar, plenamente, do espaço público no período noturno. Além de estar diretamente ligada à segurança pública no tráfego, a iluminação pública previne a criminalidade, embeleza as áreas urbanas, destaca e valoriza monumentos, prédios e paisagens, facilita a hierarquia viária, orienta percursos e aproveita melhor as áreas de lazer… A iluminação pública no Brasil corresponde a aproximadamente 4,5% da demanda nacional e a 3,0% do consumo total de energia elétrica do país. O equivalente a uma demanda de 2,2 GW e a um consumo de 9,7 bilhões de kWh/ano”.
Cultura
O homem moderno evoluiu a partir da observação das estrelas, inclusive com influência direta na física, matemática e filosofia entre outras áreas do conhecimento humano. O crescimento das cidades e do advento da iluminação pública por lâmpadas, no final do século 19, teve inicio também a poluição luminosa.
Em todo processo da evolução do homem moderno, nos últimos 100 mil anos, os últimos 50 anos foi de ruptura total com a cultura de observação das estrelas. Em todo processo do desenvolvimento humano isso nunca aconteceu. Estima-se que atualmente mais de 80% da população europeia nunca tenha visto o céu escuro, pois a poluição luminosa bloqueia o brilho das estrelas.
No terremoto que sacudiu Los Angeles em 1994 houve um blecaute generalizado. Mas de 90% das ligações feitas pela população para os serviços de emergência como polícia, bombeiros e núcleos voluntários eram de pessoas relatando que havia algo muito estranho no céu, que estava manchado de branco e com diversas luzes. Tratava-se da nebulosa da Via Láctea.
* Júlio Ottoboni é jornalista diplomado e pós-graduado em jornalismo científico.