Represa do rio Jagauri que abastece o sistema Cantareira. Foto: Fernanda Carvalho/ Fotos Públicas – 09/07/2014
É de espantar a ausência do tema “água” no debate eleitoral, seja ele federal ou estadual. Nem mesmo a alarmante situação da falta d’água no Sudeste, região que vive uma grave crise de abastecimento, fez com o tema entrasse de forma estratégica e séria no debate político. E o que falar de São Paulo, cuja capital e região metropolitana, onde vivem 10% da população do país, acorda todos os dias com a notícia que os níveis de seus reservatórios abaixam a cada manhã – isto quando o destaque não é para a falta d’água em sua própria torneira?
Nas declarações do Governo do Estado de São Paulo, que tem o governador como candidato à reeleição, o que vemos é a tentativa de passar um clima de tranquilidade à população, o que não corresponde à gravidade da questão. Já a oposição, quando aborda o tema, é para fazer ataques à atual gestão, passando longe do que realmente deveria ser o foco do debate: a grave crise ambiental.
O abastecimento urbano de água envolve, por suposto, a conservação de mananciais, obras de captação, tratamento, distribuição e armazenamento, zoneamento urbano e um planejamento complexo, com instrumentos de gestão e regulação integrados. Há décadas, São Paulo tornou-se grande demais para seus mananciais e busca água cada vez mais longe, em outras regiões. Isso gera conflitos que precisam ser mediados por agências de água e comitês de bacias de forma compartilhada, mas é apenas parte do problema. A outra parte é a saúde dos próprios mananciais. Ocorre que para ter água, como todos sabemos, é preciso ter florestas. E o Estado de São Paulo, assim como o restante do Centro-Sul e o Nordeste do país, primam pela ausência de cobertura florestal.
Dados do Atlas de Remanescentes Florestais da Mata Atlântica apontam que o Estado de Minas Gerais, que é pela quinta vez o recordista do desmatamento, é justamente o que reúne as nascentes das bacias dos rios Doce, São Francisco, Paraíba do Sul e do Sistema Cantareira, entre outros grandes rios que abastecem cidades e metrópoles.
Para piorar, o novo Código Florestal tornou grande parte desse déficit permanente, ao reduzir a proteção florestal do entorno de nascentes e margens de rios e ao mudar a forma como a faixa a ser protegida é calculada. Além disso, a água que cai (ou costumava cair) do céu no Sudeste é gerada em outra floresta, a Amazônica. De acordo com um estudo de Antonio Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o alto desmatamento acumulado ali pode estar se juntando à mudança climática para produzir um mundo no qual a estiagem de 2013-2014 seja regra e não exceção.
Dada a gravidade do quadro, a Fundação SOS Mata Atlântica resolveu destacar o tema no documento Desenvolvimento para Sempre, que divido em três eixos – florestas, mar e cidades – apresenta 14 metas aos candidatos às eleições de 2014.
No eixo cidades, que aborda a crise da água, o documento observa como a falta de investimento, a poluição e o mau uso somam-se às mudanças climáticas para impor um desafio à gestão dos recursos hídricos no Brasil.
No primeiro dos pontos, a proposta é que sejam instituídos comitês de bacias em todo o país em 2015 e que se inicie, por meio deles, a cobrança pelo uso da água a todos os usuários, em especial ao setor agrícola, responsável, segundo a Agência Nacional de Águas (ANA), por 70% do desperdício de água bruta com irrigação.
Outras demandas são a universalização do saneamento básico no Brasil, a redução do desperdício na rede pública de águas dos atuais 40% para 20%, até 2018, e o fim de rios de classe 4 na legislação brasileira. A Resolução Conama 357 defini o enquadramento dos corpos d’água em classes de rios que variam de especial às classes 1, 2, 3 e 4. Essa classe mais baixa torna os rios mortos, por defini-los como uso preponderante para a diluição de efluentes e esgotos tratados, com baixa eficiência.
Tal alteração permitira que alguns rios importantes, como o Tietê e o Pinheiros, em São Paulo, voltassem a ser usados para outros fins que não apenas a diluição de poluentes para além da sua capacidade. Um exemplo recente disso foi a alteração do rio Jundiaí, da classe 4 para 3, para permitir que a cidade de Indaiatuba passe a captar água para abastecimento público nesse rio. A recuperação da qualidade da água no rio Jundiaí teve início há 30 anos, com o consórcio de despoluição, o que agora permitiu a sua utilização para suprimir a crise.
A aprovação e a implementação de um marco regulatório para o pagamento por serviços ambientais (PSA) no país é outra recomendação que estimularia a preservação de importantes áreas de mananciais. O diferencial do PSA está na geração de renda para proprietários rurais que passam a ser remunerados pela conservação da água.
Há algum tempo, já não é mais novidade que teremos de aprender a conviver com recursos hídricos cada vez mais limitados O inadmissível é que continuemos a conviver com a ausência de um planejamento estratégico e com a gestão integrada e compartilhada que substitua, de uma vez por todas, o mito da abundância da água. Está na hora dos nossos governantes debaterem, com seriedade e profundida, sobre instrumentos que trarão segurança hídrica para nossa sociedade.
* Marcia Hirota é diretora-executiva da Fundação SOS Mata Atlântica.
** Publicado originalmente Blog do Planeta e retirado do site SOS Mata Atlântica