Foto: NOAA
Em entrevista para o Instituto CarbonoBrasil, o chefe do observatório de Manua Loa, um dos principais do planeta, explica como são realizadas as medições de gases do efeito estufa
A concentração média de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera no mês de abril deste ano foi de 401,33 partes por milhão (ppm), uma marca histórica que não encontra paralelo nos últimos 800 mil anos.
Para a maioria dos climatologistas, esse aumento da concentração de gases do efeito estufa (GEEs) é o principal fator por trás do aquecimento global verificado desde a Revolução Industrial.
Buscando entender um pouco mais sobre como é feita a medição de GEEs, nossa repórter Fernanda B. Müller visitou a base da Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA), no Havaí, e conversou com John Barnes, chefe do Observatório Mauna Loa, uma das principais estações atmosféricas do planeta.
Na entrevista a seguir, Barnes descreve qual é a importância de se medir os GEEs, como já é possível relacionar a presença deles com a queima de combustíveis fósseis e porque ainda é tão complicado fazer modelagens climáticas.
Intituto CarbonoBrasil -Quais as particularidades e a importância do Observatório do Mauna Loa para a mensuração dos gases do efeito estufa (GEEs) em nível global?
John Barnes - O Mauna Loa é o mais antigo dos observatórios, foi onde Charles David Keeling descobriu que o dióxido de carbono (CO2) estava aumentando.
Keeling já tinha o seu laboratório para medir o CO2, mas não era um bom local. Quando ele soube da inauguração do Mauna Loa [na década de 1950], viu que era o que precisava. Ele trouxe os instrumentos e os técnicos e já nos primeiros anos estava conseguindo boas medições.
Parte do motivo de ele ter escolhido vir para cá é por ser tão longe de qualquer continente. Aqui só temos ar do Pacífico, então ele sabia que não estaria medindo o CO2 proveniente de alguma cidade.
Se você quiser provar que o CO2 está aumentando ao redor do mundo, aqui é o local ideal. Você não está analisando a Ásia, Estados Unidos ou América do Sul, mas sim uma média global.
ICBr – Os dados que vocês têm do Mauna Loa são condizentes com os outros mensurados nas estações ao redor do mundo?
JB - Na década de 1970, a NOAA abriu novas estações, pois esta era a grande pergunta: como é em outros lugares?
Então inauguramos uma estação em Barrow, na parte mais ao norte dos Estados Unidos, no círculo polar ártico.
Também construímos uma estação na parte leste de Samoa Americana (Polinésia), nos trópicos, onde pegamos ventos alísios muito puros.
Temos ainda duas pessoas que ficam no Polo Sul.
Todas essas estações foram cuidadosamente escolhidas por estarem bem longe das cidades. Além disso, onde temos equipe, fazemos as medições a cada minuto, como no Mauna Loa.
Atualmente, a NOAA tem estações desde o norte até o sul, mas mesmo assim não é suficiente. Então, coletamos ao redor do mundo [junto com parceiros internacionais] amostras semanais de ar em garrafas que são enviadas para análise no Colorado (Estados Unidos).
Assim, estamos cobrindo grande parte do mundo, e, no geral, todas mostram a mesma tendência crescente de concentração de CO2.
ICBr – Vocês conseguem identificar se o aumento na concentração do CO2 é devido às atividades humanas? Como?
JB - Sim, ao longo do período dos registros é observado o quanto se produz pela queima de combustíveis fósseis, e para onde o gás vai – para os oceanos, para as plantas… É muito bem compreendido que o aumento [de CO2 na atmosfera] é estritamente devido à queima de combustíveis fósseis.
Há pequenas variações que podemos constatar de vez em quando, como quando um vulcão grande entra em erupção, mas isto é realmente pequeno, apesar de útil. Por isso temos tantas medições, pois podemos fazer ciência com estas pequenas mudanças. Mas a tendência básica é a mesma em todos os lugares.
ICBr – A concentração de CO2 na atmosfera bateu novamente os 400 ppm, vocês têm algum tipo de cenário em curto prazo? Este nível deve se tornar o normal em breve?
JB - Acredito que a média de maio será acima dos 400 ppm. A curva está subindo, cada ano o aumento é maior e não há sinais que isto será alterado.
Porém, provavelmente em setembro veremos um queda para 396 ppm novamente, pois existe uma variação que ocorre devido aos processos biológicos, como o crescimento das plantas nas diferentes estações do ano.
Este ciclo existe há milhões de anos, mas desde a revolução industrial a curva ascendente começou a subir mais rápido.
ICBr – Esta curva basicamente é de CO2, e os outros gases, CH4, dioxinas, furanos, SOx?
JB - Quando Keeling começou era apenas CO2, mas a NOAA faz mensurações de todos os gases do efeito estufa.
Por exemplo, há um gráfico que mostra as medidas de CH4 (metano) nos Polos.Ele mostra que o gás estava aumentando rápido e agora deu uma estagnada.
O ciclo de vida do CH4 é curto, de cerca de sete anos, ao contrário do CO2 que permanece na atmosfera por milhares de anos. Isso é algo que os jornais costumam não dizer: quando colocamos CO2 na atmosfera, ele ficará lá por milhares de anos.
ICBr – É difícil compreender por que temos tantos céticos climáticos mesmo com todo este conhecimento disponível. Por que as pessoas ainda duvidam do aquecimento global?
JB - Há uma diferença. Sabemos que o CO2 está aumentando, não há dúvidas. Sabemos que é um GEE. Mas a pergunta é: como isto influencia o clima? É muito complicado responder.
Por exemplo, com o aquecimento, deveríamos ter mais água na atmosfera devido à evaporação, e a água é um forte GEE, mas se ela forma mais nuvens daquelas brancas e fofas (cumulus), isto terá um efeito de resfriamento, pois elas refletem o sol de volta para o espaço.
Assim é muito difícil calcular em um modelo qual o efeito das nuvens e o que está acontecendo com elas. As nuvens estão aumentando? Não temos resposta.
Esta é uma das grandes dúvidas nos modelos climáticos – o efeito do aumento do CO2 no ciclo da água.
Então fazemos o melhor que sabemos e constantemente pesquisamos mais para que os modelos fiquem cada vez melhores. Mas eles ainda são algo muito difícil de fazer.
Quando algum cético me questiona, geralmente falo sobre o gelo no Ártico, 35% já desapareceu, uma área equivalente ao Alasca.
ICBr – E a temperatura está subindo.
JB - Sim, especialmente no Ártico, onde é fácil medir. Mas é interessante que na Antártica o gelo não está derretendo. Também não sabemos realmente por que isto está acontecendo. [Essa entrevista foi realizada antes da divulgação de dois estudos recentes]
ICBr – Com tantas incertezas, o que você pensa que devemos fazer? Continuar com o mesmo modelo de desenvolvimento?
JB - Acho que quando falamos em usar a energia de forma mais eficiente, e coisas assim, há razões ambientais muito boas – destruição dos rios, derramamentos de petróleo etc. Para adotar esse tipo de medida nem precisamos falar de mudanças climáticas.
Mas, pessoalmente, vejo o aumento da população e as mudanças climáticas como sendo os dois grandes problemas atuais. Se você economizar 10% de energia e a população aumentar em 10%, não se ganhou nada.
* Publicado originalmente no site CarbonoBrasil.
(CarbonoBrasil)