Uma abelha europeia em pleno trabalho.
Testes de laboratório confirmam que a incomum mortandade das abelhas europeias obedece a mudanças de conduta causadas por doses não letais de inseticidas agrícolas.
Barcelona, Espanha, 15 de abril de 2013 (Terramérica).- Apicultores e cientistas da Europa estão alarmados pela mortandade maciça de abelhas em quase todo o continente, e acusam pesticidas e inseticidas de uso comum na agricultura.
“Encontramos montes de abelhas mortas perto de suas colmeias em praticamente todas as regiões da Espanha, mas em particular em Valência (leste) e Catalunha (nordeste)”, disse ao Terramérica o responsável pelo setor apícola da Coordenadoria de Organizações de Agricultores e Pecuaristas deste país, José Luis González. A mortalidade anual das abelhas oscila entre 5% e 10% em condições normais. “Na Espanha estamos observando taxas entre 25% e 30%”, acrescentou.
Christopher Connolly, professor de genética molecular na Universidade de Dundee, na Escócia, e pesquisador da conduta das abelhas, disse ao Terramérica que “o mesmo acontece na Grã-Bretanha. Os apicultores estão observando uma alta mortalidade entre abelhas e outros polinizadores, de maneira semelhante à observada na Espanha. Temo que este ano seja terrível para as abelhas”.
O fenômeno coincide com uma experiência de laboratório realizada por uma equipe de cientistas franceses, liderados pelo especialista em ecologia e conduta Mickaël Henry, do Instituto Nacional de Pesquisa Agronômica, com sede na cidade de Avignon. Este grupo colocou microprocessadores no tórax de mais de 650 abelhas para controlar, mediante sensores elétricos, seu comportamento individual, em particular suas entradas e saídas da colmeia.
“Metade das abelhas nós alimentamos com uma solução de açúcar com uma dose muito baixa de inseticida, comparável à quantidade à qual poderiam se ver expostas em sua atividade diária de coleta de néctar em um cultivo tratado com inseticidas”, disse Henry ao Terramérica. A outra metade do grupo recebeu solução de açúcar sem inseticida.
Henry e colaboradores liberaram os insetos a um quilômetro de sua colmeia, “uma distância habitual para as abelhas coletoras domésticas”, segundo explicou. Comparando a porcentagem de abelhas de cada grupo que retornaram à colmeia, os pesquisadores observaram uma taxa significativa de não retorno, consequência da desorientação provocada pela intoxicação com uma dose baixa de inseticida.
“Quando se combina a mortalidade natural, a taxa de desaparecimento vinculada a inseticida leva a uma mortalidade diária de 25% a 50% das abelhas intoxicadas, o que representa até o triplo da mortalidade normal, que é de 15%”, disse Henry.
O inseticida utilizado foi o tiametoxam, da família dos neonicotinoides, que é usado para proteger cultivos de determinadas pragas, especialmente recobrindo as sementes. “Um dado importante é que a dose de tiametoxam que usamos é muito baixa, e em si mesma não é mortal para as abelhas”, explicou o pesquisador. “Seu efeito é indireto, ao reduzir substancialmente a capacidade de orientação, impedindo-as de regressarem às suas colmeias apesar de estarem a uma distância relativamente reduzida”, destacou.
Apicultores, ambientalistas e cientistas consideram há anos que os neonicotinoides são uma das causas não naturais mais importantes da mortandade de abelhas. Segundo Matthias, Würhrich, diretor do projeto internacional de defesa destes insetos no Greenpeace, “os impactos negativos de pesticidas e inseticidas nas abelhas superam consideravelmente todos os efeitos positivos atribuídos a estes produtos químicos”.
No dia 9, o Greenpeace publicou o documento Bees in Decline: A Review of Factors that Put Pollinators and Agriculture in Europe at Risk (Abelhas em Declínio: Avaliação dos Fatores que Colocam em Risco os Polinizadores e a Agricultura da Europa), no qual identifica sete pesticidas particularmente nocivos: os neonicotinoides imidacloprid, clotianidina e tiametoxam, bem como fiponil, clorpirifos, cipermetrina e deltametrina.
“As abelhas e outros polinizadores silvestres são muito valiosos para a preservação ambiental para que os deixemos morrer facilmente. A União Europeia (UE) deve tomar medidas urgentes, especialmente proibir imediata e definitivamente estes assassinos de abelhas”, enfatizou Wüthrich ao Terramérica. Tal opinião sobre os neonicotinoides já é predominante inclusive em instituições supranacionais, como o Parlamento Europeu.
Um documento do departamento de políticas científicas e econômicas desse órgão legislativo, divulgado em dezembro de 2012, afirma que “a exposição crônica das abelhas a doses subletais de neonicotinoides pode também causar sérios danos que incluem uma ampla gama de alterações de conduta, como dificuldades para voar e navegar, redução de memória e habilidade de aprendizado e, ainda, menor capacidade para se alimentar, reproduzir e resistir a doenças”.
Entretanto, essa evidência ainda não convence a Comissão Europeia. Em março, uma proposta para restringir o uso de neonicotinoides não obteve maioria no Parlamento Europeu, o que obrigou o comissário europeu de Saúde e Consumo, Tonio Borg, a recorrer a um procedimento de revisão que, no caso de êxito, suspenderá por dois anos, a partir de 1º de julho, o uso dos três neonicotinoides mencionados pelo Greenpeace.
Connolly considera impossível determinar com exatidão qual pesticida é o mais daninho. “Os agricultores utilizam centenas de produtos químicos que, juntos, constituem um coquetel perigosíssimo. Contudo, não podemos isolar um produto específico sem uma análise precisa de sua aplicação correlacionada com os efeitos nocivos nas abelhas”, explicou.
As abelhas e outros polinizadores, segundo Connolly, também são vítimas de mudanças ambientais, como as monoculturas, que reduzem a variedade de seus alimentos. “Uma abelha que vive em um habitat dominado pela colza ou pelo milho é mais fraca do que outra que vive em um habitat variado. Esta diferença de alimentação também tem impacto em sua maior ou menor resistência a doses não mortais de pesticidas”, detalhou.
Connolly sugere suspender os neonicotinoides e coletar a maior quantidade de informação possível sobre a aplicação de produtos químicos na agricultura. “Se tivéssemos documentação mais exata sobre quais pesticidas são usados em quais regiões da Europa, poderíamos correlacioná-los com a conduta das abelhas locais e assim saber quais efeitos têm determinados produtos nos polinizadores”, concluiu. Envolverde/Terramérica
* A autora é correspondente da IPS.