“De um modo geral os homens prisioneiros se despiam fácil, mas as mulheres se negavam e resistiam.
Primeiro argumentavam. Com paciência e com ira perguntavam se o torturador faria isso com a mulher, a mãe, a irmã, ou a filha. Depois empurravam o sargento que lhes ia arrancando a blusa ou a saia. Outras vezes mentiam e se diziam menstruadas, sem saber que provocavam, assim, um sadismo abominável e
abjeto: dois ou três se atiravam sobre a prisioneira e, subjugada, era apalpada e cheira nos órgãos genitais, enquanto lhe arrancavam a roupa. E logo bolinada por aquelas mãos habituadas ao sangue, que tocavam a pele e o sexo, não como carícia nem para amar, mas para destruir ou marcar a ferro como numa rês. E como ela já estava no chão deitada e inerme, abriam-lhe as pernas e – para começar e não como requinte final, como era norma – metiam-lhe o cabo elétrico diretamente na vagina. Nesses casos o major M.F. costumava gritar para o sargento: “calma, calma. Não coma a sobremesa antes do feijão. E aquele pequeno e poderoso estado-maior da tortura, ali reunido em torno da presa, ria e ria muito, numa gargalhada galhofeira, festando o triunfo” (MEMÓRIAS DO ESQUECIMENTO, Flavio Tavares, Editora Globo, 1999).
O coronel Brilhante Ulstra, hoje colunista do jornal FOLHA DE SÃO PAULO (cedia os caminhões de entrega para a desova de corpos de presos assassinados no DOI/CODI paulista, na simulação de atropelamento), já condenado em primeira instância e declarado torturador pela Justiça, jorra patriotismo em defesa do que chama democracia e valores como liberdade, pátria, etc. É um dos exemplos a justificar a frase de Samuel Johnson – “o patriotismo é o último refúgio dos canalhas”.
No segundo processo – conseguiu paralisar o primeiro – movido pela família do jornalista Luís Eduardo Merlino, agora, dia 27 de julho, às 14h e 30m, no Fórum João Mendes, no centro da capital de São Paulo, vai ser confrontado pelas testemunhas arroladas pela família de Merlino. Ulstra assassinou o jornalista na forma cruel e covarde que foi marca registrada dele e outros militares, do regime imposto pelo golpe de 1964. Como a outros presos que caiam em suas garras de fascista sem qualquer escrúpulo ou respeito pelo ser humano.
Merlino morreu nas dependências do DOI/CODI, o coronel era o comandante, em julho de 1971.
Serão ouvidas testemunhas que presenciaram as torturas sob o comando de Brilhante Ulstra. Entre as testemunhas de defesa arroladas pelo torturador está o ex-presidente da República José Sarney, atual presidente do Senado, um dos principais interlocutores de Dilma Roussef. Sarney tem comprometimento direto com a tortura, valeu-se dela para afastar adversários no Maranhão, serviu de maneira rasteira à ditadura e hoje tenta a todo custo impedir que os documentos da época sejam tornados públicos. Teme que sua face monstro (além de
corrupto) também apareça.
Outra delas é Jarbas Passarinho, coronel é ministro dos governos Costa e Silva e Médice que na reunião que deliberou sobre a assinatura do Ato Institucional nº 5, o símbolo da boçalidade do regime militar, afirmou alto e bom som diante de algumas dúvidas do presidente Costa e Silva – “as favas com os escrúpulos senhor presidente, vamos assumir que somos uma ditadura mesmo”.
A ação movida pela família de Merlino – sua irmã Regina Merlino Dias de Almeida e sua ex-companheira Ângela Mendes de Almeida, é subscrita pelos advogados Fábio Konder Comparato, Claudineu de Melo e Aníbal Castro de Sousa. É por danos morais, o suficiente para comprovar o caráter perverso, animalesco do coronel e “patriota” Brilhante Ulstra.
O reconhecimento da morte por crime de tortura. Crime contra a humanidade, imprescritível.
No mesmo livro citado acima, do jornalista Flávio Tavares (ex-preso político e trocado no seqüestro do embaixador Charles Burke Elbrick) há uma revelação que mostra o caráter repugnante dos torturadores.
Muitas vezes, afirma o jornalista, familiares, dentro da lógica da Escola das Américas – mantida pelos EUA para todos os fins golpistas e brutais que caracterizam aquele país – eram detidos para forçar a apresentação dos que resistiam à ditadura.
O jornalista refere-se a Iracema Ferreira Silva e sua cunhada Marlene.
Foram presas por conta do irmão de Marlene e torturadas a exaustão.
“...Veio tenente Magalhães, jovem e ágil de pernas, e me enxotou dali a pontapés nos testículos. E, nuas, elas foram torturadas noite adentro penduradas no pau de arara, o choque elétrico deve ter percorrido nelas toda a intimidade do corpo e da alma, pois elas gritavam e gritavam fundo, em cadência. Era o cadenciado balé orquestrado pelo major que, maquininha não mão, costumava dar três passos para um lado e acionar a manivela de 220 volts, e logo repetir a operação com três passos para o outro lado, numa dança interminável.
Nenhum preso dormiu aquela madrugada: os gritos das duas soavam ritmados, como chibatadas no ar, e só terminaram quando o dia raiava.
Por cansaço dos carrascos”.
Nas escolas e colégios militares ainda ensinam a “história” do golpe segundo a visão de boçais como esses. Majores, sargentos, coronéis, tenentes, etc.
Não se respeita uma força armada por gente assim e pela covardia de se esconder atrás de uma anistia que apenas beneficiou a eles.
Torturadores, estupradores, assassinos frios e impiedosos comandados por potência estrangeira. Continuam a ser até prova em contrário.
Merlino era jornalista, foi assassinado aos 23 anos de idade, militava no Partido Operário Comunista.
No dia 30 de julho o COLETIVO MERLINO, no ciclo dos SÁBADOS RESISTENTES, realizados pelo MEMORIAL DA RESISTÊNCIA e pelo NÚCLEO DE PRESERVAÇÃO DA MEMÓRIA POLÍTICA, em São Paulo, organizará uma homenagem ao jovem jornalista vítima da bestialidade da ditadura militar e especificamente de um dos seus mais monstruosos torturadores, o coronel Brilhante Ulstra, escondido impune atrás da anistia.
Estarão presentes, além da companheira de Merlino, a historiadora Ângela Mendes de Almeida, João Machado, economista e militante da IV Internacional, filiado ao PSOL. Valério Arcary, historiador e militante do PSTU. Joel Rufino dos Santos, historiador e escritor e Tonico Ferreira Jornalista.
No evento será projetado um vídeo com as inspirações políticas de Merlino e uma fala do cientista político Michael Lowy sobre a convivência que tiveram. Convidados, familiares, militantes e amigos dirão breves palavras sobre Merlino.
Isso no Largo General Osório, 66, bairro da Luz. No auditório VITAE, no 5º andar.
Um resgate da vida e da luta pelo direito à memória e a verdade.
Conhecer o que de fato aconteceu no Brasil com o golpe militar de 1964, revelar toda a sanha assassina de torturadores como Brilhante Ulstra, até para que a história não se repita. Dele –Brilhante Ultra -, o caráter do golpe e todos os torturadores acovardados e agachados diante da lei da anistia.
Não é possível fugir da História e nem se deve temer a luta.
É o resgate do ser humano em seu sentido pleno. Brilhante Ulstra não está nesse plano. Luís Eduardo Merlino, ao contrário, é essência e presença na coragem e na busca de ideais de um mundo alternativo e diverso desse mundo gerado nas entranhas do capitalismo e seus tentáculos mortais.