O ONZE DE NOVEMBRO

Se formos levar em conta um rigor histórico absoluto 1964 começou com a primeira organização de um Estado, num canto qualquer do mundo e no Brasil teríamos que partir da chegada de Pedro Álvares Cabral. Se buscarmos situar um ponto para partir e aí tentar entender a realidade do nosso País longe do modelo desenhado e vendido pelos donos através da mídia, podemos começar na proclamação da República.

A própria idéia sugerida por "proclamação da República" é um equívoco. Foi um golpe de estado de generais contrariados pelo imperador e que imaginavam poder inaugurar um tipo de monarquia onde um monte de "deodoros" exercitasse o "patriotismo" tacanho e bisonho que se manifestou em duas oportunidades ao longo da História e após o 15 de novembro de 1989. O primeiro deles o Estado Novo de Getúlio Vargas, compreendido entre 1937/1945 e a revanche, pois objeto de um golpe de grupos historicamente anti-getulistas. O Estado Novo Udenista, "proclamado" num golpe de estado em 1964.

Essas sucessivas tentativas de dotar o Brasil de uma estrutura fascista e moldada segundo as conveniências dos vários grupos militares que se revezam no comando das Forças Armadas no período que vai de 1945, quando da derrubada de Getúlio, até o 1º de abril de 1964, permanecem disfarçadas na eterna fantasia de "pátria amada" e "patriotismo" infundidas na hipocrisia que chamam de democracia (rima inclusive).

Em 11 de novembro de 1955 um dos raros militares com vocação efetivamente democrática, sem aspas ou adjetivos, o marechal Henrique Dufles Baptista Teixeira Lott, abortou uma das tentativas de transformar 1964 numa realidade. 

Juscelino Kubistchek havia sido eleito presidente da República em 3 de outubro daquele ano e Café Filho, presidente que sucedeu a Vargas após o suicídio desse, deixou-se emaranhar no golpe da maioria absoluta, não prevista ou estabelecida na constituição de 1946, cedendo momentaneamente a batuta a um político sem expressão, Carlos Coimbra da Luz, ex-udenista disfarçado de pessedista.

Carlos Lacerda, expoente maior da extrema-direita no País, desde o início da década de 50, tentou de todas as formas criar condições "legais" para impedir a posse de JK. O golpe foi montado com generais (sempre eles) que um ano antes, em 1954, levaram Vargas ao suicídio, como antes ainda, no chamado Manifesto dos Coronéis (Golbery e Cordeiro de Farias foram dois dos signatários, só para lembrar), conseguiram afastar João Goulart do Ministério do Trabalho. O então ministro que, anos depois viria a ser deposto da presidência da República, havia dobrado o valor do salário mínimo e o latifúndio, os banqueiros, os grandes empresários, bateram às portas dos quartéis exigindo que a escravidão fosse mantida. Ou seja, a medida revogada.

Ministro da Guerra (hoje Secretaria Geral do Exército) o general Lott foi demitido por Carlos Luz que ocupava a presidência interinamente, era presidente da Câmara e Café Filho estava hospitalizado vítima de um infarto, em 10 de novembro. No curso da noite e madrugada de 10 para 11 de novembro o general resolveu reagir e reassumiu literalmente na marra o Ministério da Guerra. Colocou as tropas nas ruas e assim garantiu a posse de JK, o ordenamento constitucional, abortando mais uma das tentativas de implantar 1964, tomado aqui como sinônimo de estado fascista.

Uma das etapas de 1964 começa na derrubada da ditadura Vargas e mais precisamente na derrota do brigadeiro Eduardo Gomes nas eleições de 1945. Foi derrotado pelo general Eurico Gaspar Dutra, condestável do golpe de 1937, mas naquele momento disputando poder. Ideologicamente eram iguais e historicamente a figura de Eduardo Gomes é bem maior que a de Dutra.

Acentua-se com a nova derrota de Eduardo Gomes, dessa vez para o próprio Getúlio, em 1950, tenta levantar o País contra o presidente constitucional usando o ministro do Trabalho e o aumento do salário mínimo como pretexto, sempre com Carlos Lacerda á frente e na História do Brasil, ao que eu saiba, o único contra golpe com as dimensões públicas a garantir a chamada ordem constitucional foi o de 11 de novembro escorado acima de tudo no caráter e na formação do general Teixeira Lott.

Ministro da Guerra durante todo o governo de Juscelino, Lott foi candidato a presidente da República em 1960, perdeu para Jânio Quadros (um bêbado populista) que se abrigou nas asas do lacerdismo e depois tentou expelir Lacerda (apelido de "o corvo" por seu caráter predador).

Manifestou-se pela posse de Goulart após a renúncia do bêbado. Foi preso em 1964 por se opor ao golpe e impedido de candidatar-se ao governo da antiga Guanabara, quando Castello Branco inventou a história do domicílio eleitoral (Lott era eleitor em Teresópolis e Guanabara e Estado do Rio eram distintos à época, a fusão veio depois).

O grande temor dos fascistas que derrubaram Goulart além da força moral do general Lott, era o prestígio desse entre militares não golpistas ou não fascistas.

Lott morreu em seu apartamento no Rio, no fim do governo de João Figueiredo, o último dos monarcas/ditadores de 1964 e o ministro do Exército de então Valter Pires negou-lhe honras militares na mediocridade e na natureza mesquinha do fascismo.

Simboliza os mais de dois mil militares expurgados pelo golpe de 1964 e muitos deles assassinados ao longo do período que foi até 1984.

A idéia que 1964 tenha terminado é um equívoco. Toda a estrutura fascista que permeia as forças armadas brasileiras (de resto em quase todos os países do mundo) permanece em figuras sinistras como os generais Augusto Heleno (comandante militar da Amazônia e a soldo de Washington e da VALE)           , ou o general José Elito (comandante militar do Sul), que no afã de garantir o status de "potência" do Brasil, desloca 10 mil homens para coagir o governo democrático do Paraguai e mostrar quem de fato manda na tal democracia.

Lula, em meio a tudo isso é só uma acidente de percurso, tonto e perdido nesse tiroteio que os donos do Estado promovem contra o delegado Protógenes Queiroz que personifica, neste momento, a reação ao poder absoluta de banqueiros, latifundiários e empresários FIESP/DASLU, enquanto aguardam que a farsa democrática leve a dupla Serra/Aécio à presidência e vice, em 2010, para arrematar o processo de transformação do Brasil em mais um estado da federação norte-americana. 

Lacerda hoje tem jeito e estilo diversos. Está presente em Fernando Henrique Cardoso, o principal líder da extrema-direita brasileira e responsável pelo caráter de república de banana com apoio explícito da base fascista de 1964, modernizada e grande aliada do capital internacional, no tal patriotismo canalha definido por Samuel Johnson.

O 11 de novembro é a lembrança de um dia de luta e de um general (raríssimo) com efetiva vocação democrática e perfeita compreensão do papel do Brasil e dos brasileiros. Henrique Dufles Baptista Teixeira Lott.

Não há Augusto Heleno, ou José Elito, ou Brilhante Ustra que na mediocridade do fascismo e da barbárie apaguem a história. São meros prepostos de um modelo político e econômico que transforma seres humanos em objetos e os espreme em máquinas de tortura tanto de um DOI/CODI, como de uma ordem social injusta e escravagista. 
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