Benjamin Netanyhau, primeiro-ministro israelense, já declarara a vila “zona militar fechada”, o que significava que a permanência ali não seria tolerada. Israel impedira até mesmo a passagem de autoridades do governo palestino e de Hanin Zoabi, parlamentar israelense de origem palestina. Por isso tanta cautela da parte dos passageiros.
Enquanto os ônibus venciam a distância, Netanyhau e seus assessores tentavam conseguir, com a Suprema Corte, uma decisão que anulasse a do dia 11 de janeiro, segundo a qual Bab al-Shams poderia ser mantida na zona E 1 (East 1) por seis dias – tempo suficiente, estimava o tribunal, para as partes tentarem um acordo.
Netanyhau, porém, não queria acordo. Queria desmantelar Bab al-Shams. Um juiz, então, encontrou um caminho. Torto, é verdade, mas em Israel as leis, e a interpretação das leis, variam conforme as circunstâncias. Ficou decidido que as barracas poderiam permanecer na vila por seis dias, mas não as pessoas – essas poderiam ser retiradas. Netanyhau acionou a polícia de fronteira, considerada truculenta pelos palestinos.
Os ônibus pararam num determinado ponto da estrada e avisaram aos passageiros que dali eles teriam de seguir a pé, pelas montanhas. Os caminhos que levavam à vila continuavam bloqueados, vigiados pelo exército, com checkpoints. Impossível seguir por eles. Acostumados com as encostas de pedra, os palestinos pegaram suas bandeiras, lanches e cobertores e iniciaram a subida, acompanhados de jornalistas. Do platô, no topo, os moradores da vila saudavam os recém-chegados, organizados numa fila quase indiana.
No meio da tarde, ao escurecer – no inverno palestino o dia é curto; antes das 16h a noite começa a cair –, a vila se esvaziou rapidamente. Os convidados voltaram para casa. Em volta de fogueiras, os fundadores de Bab al-Shams conversavam. Alguns já se recolhiam às tendas.
Às três horas da manhã a polícia de fronteira chegou. A maioria dormia, mas muitos os viram subir as encostas de todos os lados, um número enorme de soldados, calculados em mais de 500 – quase cinco vezes o número de civis da vila, àquela altura em torno de 120 pessoas. “Eles chegaram atacando todo mundo, batendo”, relatou o médico Mustafá Barghouti, secretário-geral do partido Iniciativa Nacional Palestina. Bateram ainda mais quando viram que os palestinos rapidamente formaram uma barreira humana no chão de pedra. Sentados, braços dados, mãos entrelaçadas, corpo inclinado na fila de trás para protegê-la, eles deram trabalho aos policiais.
Com o corpo relaxado para pesar ainda mais, foram retirados um a um e levados, cada qual por quatro ou cinco soldados, encosta abaixo. Algemas, cassetetes, pontapés, empurrões, socos faziam parte do tratamento dado pelos policiais. Vários palestinos e ativistas estrangeiros ficaram feridos; seis deles, os casos mais graves, foram levados ao hospital de Ramala. Um perdeu um dente, outro quase perdeu um olho.
Lá embaixo, ônibus montados em carrocerias de caminhões largos e compridos aguardavam. Cinegrafistas e fotógrafos lutavam contra os empurrões que recebiam dos soldados e contra a luz forte das lanternas da polícia, que cegava a vista, para registrar as cenas. Motoristas já movimentavam os carros de reportagem para seguir os ônibus dos detidos.
Felizmente não precisaram ir muito longe. No enorme checkpoint de Qalandiya, que separa Ramala e Al Bireh de Jerusalém oriental, os veículos pararam e os ativistas foram libertados. Àquela hora da madrugada, sem as linhas regulares de ônibus funcionando, as mais de 100 pessoas tratavam de conseguir carona com os jornalistas ou ligavam para os parentes, pedindo que fossem pegá-los. A expressão de todos era de alívio.
Essam Bakr, Mohamed Khatib e Hamdi Abu-Rahmah, três dos organizadores, avisaram que aquele tipo de ação vai prosseguir. “Vamos continuar com as manifestações das sextas-feiras (o dia sagrado do Islã, em que ninguém trabalha), mas também vamos fazer ações diretas”, explicava Essam aos repórteres. “Vamos montar vilas em cada pedaço do nosso país em que os sionistas decidam construir casas ou prédios.”
“Eles não vão mais tomar nossas terras, nem acabar com nosso país”, disse Hamdi, fotógrafo com exposições já realizadas em vários países europeus. Ele contou que a ação levou mais de um mês para ser organizada e que, com exceção de alguns responsáveis por ela, a maioria não sabia direito o que ia acontecer, nem quando, nem onde. “Razões de segurança”, explicou Hamdi, sorrindo por ter usado a mesma frase que os soldados israelenses repetem quando alguém quer saber o motivo de suas atitudes. “Para despistar, espalhamos que montaríamos um acampamento em Jericó.”
Quando o domingo finalmente clareou, uma movimentação política incomum tomou conta de Ramala. Na sede da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), a Dra. Hanan Ashrawi, do Comitê Executivo da OLP, reuniu a mídia para avisar que se encontrara com representantes da União Europeia baseados na Cisjordânia e em Gaza, e da agência da ONU para os refugiados, para pedir-lhes que pressionem Israel no sentido do término imediato da ocupação militar da Palestina – também ilegal e não reconhecida pela ONU. “Eles precisam impedir as atividades ilegais de Israel na Palestina antes que seja tarde demais”, disse ela, acrescentando que a expressão “tarde demais” se referia à impossibilidade da solução de dois Estados.
Wassel Abu Yusef, também da Executiva da OLP, explicou por que a solicitação era dirigida principalmente à União Europeia: “A EU sempre teve papel destacado no processo de paz. Eles têm como deter os crimes de Israel e obrigar seu governo a cumprir as leis”.
Jihad Haib, analista político, foi mais direto: “A União Europeia tem acordos de cooperação com Israel em vários campos. Se endossar a campanha do boicote, desfazendo os acordos, e começar a impor sanções econômicas, Netanyhau será obrigado a tirar seu exército da Palestina e a nos respeitar”.
Também no domingo, entidades de direitos humanos palestinas e internacionais lançaram uma campanha para pedir o fim imediato da ocupação sionista da Palestina.