Lisboa, Portugal, 9/1/2013 – Desde a década de 1960, quando as saídas em massa de portugueses eram uma constante, este país não sofria uma emigração de tal magnitude como a atual, com a agravante de que pela primeira vez inclui profissionais altamente qualificados. Um milhão de pessoas, ou 9,8% da população atual de Portugal, se estabeleceram no exterior nos últimos 14 anos, um indicador que não para de crescer, segundo se depreende das últimas declarações do secretário de Estado das Comunidades, José Cesário, que estimou em 120 mil emigrados em 2011 e algo mais em 2012.
Em 1988 apareceram os primeiros sinais de contração da economia e, com isso, começava o fluxo emigratório, embora ainda em proporções modestas. Em 2011, a economia nacional começa a entrar em um período de forte recessão com a aplicação das receitas do Fundo Monetário Internacional, da União Europeia e do Banco Central Europeu, a troika de credores que concederam a Portugal empréstimo de US$ 110 bilhões com o propósito de resgatar a economia nacional.
O plano da troika se concentrou no saneamento das finanças públicas, com um colossal aumento de impostos e preços, redução de salários, eliminação de subsídios de Natal e de férias, aumento da jornada de trabalho, tudo isso fazendo o desemprego atingir níveis sem precedentes, até alcançar 16,9% da população economicamente ativa, segundo dados oficiais, mas que os estudos de sindicatos elevam para 24%.
Estes indicadores agravaram a recessão, elevando a dívida pública até o equivalente a 129% do produto interno bruto (PIB), um recorde histórico, e provocando a quebra, no ano passado, de 6.150 empresas, o que dá uma média de 17 por dia, um crescimento de 750% em relação a uma década atrás. Para fugir da crise, milhares de pessoas veem na emigração a única válvula de escape, especialmente jovens profissionais universitários e com pós-graduação, em níveis que não têm comparação com os demais países europeus.
As consequências anunciadas pela maioria dos analistas são devastadoras para o futuro: rápido envelhecimento da população, com o consequente perigo para a sustentabilidade do sistema de assistência social, e a “fuga de cérebros”, criando um vazio de profissionais universitários. O fenômeno da emigração em massa de jovens “é o resultado desejado e impulsionado pelos círculos responsáveis pelas políticas econômicas e sociais em Portugal”, afirmou o especialista no assunto Bruno Mesquita.
Pós-graduado em ciências políticas nos Estados Unidos, Mesquita disse à IPS que “a matriz ideológica do poder português prevê a concentração de riqueza no alto da pirâmide, por meio de clientelismo, favorecimento de clãs familiares, empresariais e de banqueiros, reduzindo, ao mesmo tempo, o gasto social em saúde, educação e infraestruturas produtivas”.
Todas estas opções “levam à contração do produto como um todo, enquanto no alto da pirâmide continua o enriquecimento em um contexto de distribuição desigual da riqueza, caminho este que precisa de uma força de trabalho pouco qualificada, uma economia com estrutura retrógrada, com pouca produção de valor agregado, baseada na prestação de serviços e produção de bens de baixo valor”, ressaltou Mesquita.
Segundo o especialista, neste contexto, “sem um verdadeiro capitalismo, e sim com uma versão moderada do corporativismo, é que vivem os jovens portugueses: desemprego aumentando, proliferação de empregos precários e redução de oportunidades”. Desta forma, embora seja apenas para sobreviver “em um nível meramente aceitável, é que optam por emigrar”, observou.
Mesquita destacou “a dimensão perversa da emigração, que beneficia os grupos do vértice da pirâmide social, que esconde uma economia refém dos clãs, pouco produtiva e monopolizada, o que significa que não existem incentivos para manter os jovens em Portugal. Pelo contrário, sua saída do país atenua o conflito social e político. Para os jovens só existe a perspectiva viável de emigrar para viverem decentemente no estrangeiro”.
Esse é o caso relatado à IPS por Ana Lobato Castanheira. “Encarei seriamente a emigração no dia em que soube que meu contrato de trabalho não seria renovado após abril de 2013”, contou. Diplomada em história contemporânea e relações internacionais, começou a cursar pós-graduação em gestão cultural, “com o propósito de ampliar as áreas de trabalho, mas isto foi antes de saber que ficaria desempregada no médio prazo, e por isto agora pretendo ir embora de Portugal”, contou.
“Aqui as perspectivas de emprego são cada vez mais escassas e precárias, especialmente na área da cultura”, afirmou Ana Lobato. “Minha vontade de deixar este país em crise é cada vez maior, tanto que penso fazer o segundo ano de pós-graduação, a partir de julho ou agosto deste ano, em uma universidade do Rio de Janeiro, por meio de um intercâmbio com a universidade portuguesa onde me formei”, acrescentou. Ana Lobato também vê no Brasil uma perspectiva de vida futura, por isto aproveitará sua permanência no país para estabelecer contatos e procurar trabalho, tarefa à qual já se dedica a partir de Lisboa.
Por que Rio de Janeiro?, perguntou a IPS. “Além da empatia natural, ali são necessários profissionais qualificados em várias áreas e são oferecidas oportunidades de trabalho, diretas ou indiretas, motivadas pela realização da Copa do Mundo em 2014 e dos Jogos Olímpicos em 2016”, respondeu Ana Lobato. “Creio que a pós-graduação em uma boa universidade me ajudará nos contatos e em uma rápida integração à cultura brasileira”, concluiu a historiadora.
A deputada socialista Ana Catarina Mendes, eleita pela primeira vez para o parlamento em 1994, quanto tinha apenas 22 anos, disse à IPS que Portugal vive hoje “o paradoxo de ter a geração mais qualificada e, ao mesmo tempo, a menos aproveitada”. A democracia iniciada em 1974 “abriu as portas para a igualdade de oportunidades na educação e fez nascer uma geração com altas qualificações, essa que hoje Portugal desperdiça”, lamentou.
O governo do primeiro-ministro conservador, Pedro Passos Coelho, “ditou uma nova realidade: a emigração de muitos jovens qualificados”, ressaltou Ana Catarina. Também ressaltou que o Poder Executivo, “diante da enorme crise em que nos encontramos, optou pelo caminho da destruição do país, reduzindo o investimento na economia, o que fez aumentar o desemprego; impôs sacrifícios insuportáveis fazendo crescer a pobreza e a desigualdade. Esperamos que cheguem novos tempos em Portugal, para, assim, podermos trazer nossos jovens de volta”, enfatizou a deputada. Envolverde/IPS