Cuba: ódio ou conciliação?

Slide41 Cuba: ódio ou conciliação? Havana, Cuba, junho/2012 – Em breve serão completados 50 anos da minha última entrada em uma igreja católica como crente. Minha mãe, educada católica, e meu pai, maçom cubano desde antes de eu nascer, decidiram que aos seis anos eu começaria a fazer o catecismo e depois faria a primeira comunhão. Ao completar sete anos recebi o sacramento, mas, quase imediatamente, tomei uma das primeiras resoluções transcendentais de minha vida: satisfeito o desejo dos meus pais, encerrei minha relação ativa com a igreja e com a fé no divino, para dedicar as manhãs de domingo a fazer, na verdade, o que queria: jogar basebol com meus amigos.
Desde então pratico – não nego que, talvez movido por certa compulsão social pró-ateísta, muito forte em Cuba nesses 50 anos – um ateísmo que, talvez, seja mais um tipo de agnosticismo. Porque sou inclinado a pensar que pode existir algo, mas não me atrevo a relacioná-lo com nada tão concreto como um Deus específico.
O fato de nunca ter voltado a rezar dentro ou fora de uma igreja, que não tenha me iniciado como maçom, e seja um agnóstico sem pretensões filosóficas, não impediu que muitos ensinamentos recebidos do catolicismo pela minha mãe e a prática fraternal de meu pai não tenham integrado minha maneira de ver e entender a vida. E um desses aprendizados essenciais e melhor entranhado em minha consciência é crer na conciliação mais do que na vingança, não só como uma atitude religiosa ou maçônica, mas como uma postura ética que cada homem deveria praticar.
Embora até esta mesma linha possa parecer que estou escrevendo sobre minha educação ou meu modo de entender o mundo, na realidade o que disse até agora tem outra finalidade. Em duas palavras: recordar que a ingratidão humana pode ser infinita, e muitas vezes mais frequente do que seu antônimo simples, a gratidão.
Há algumas semanas, que podem se estender a meses, ou mesmo anos, o papel social desempenhado pela igreja católica cubana, especialmente desde o ordenamento cardinalício do padre Jaime Ortega Alamino, em 1994, é uma mostra de como qualquer tentativa de mover uma sociedade viciada pelo imobilismo, marcada por ódios inflamados e muitas vezes alimentada pelos mais diversos extremismos internos e externos de todo tipo, pode receber a recompensa, por parte de certos setores e pessoas, da ingratidão mais descarada, inclusive adornada com os insultos e as ofensas ponteadas com a calúnia.
Filosoficamente não compartilho todas as ideias do cardeal. Tampouco posso dizer que suas táticas e estratégias me pareçam – muito pessoalmente – sempre as mais objetivas, embora respeite seu realismo político e sua perseverança. Também não vou resumir agora os numerosos ganhos que em seu trabalho pastoral, mas, sobretudo, social, a igreja cubana obteve para grupos de pessoas e inclusive para a nação, nem a política desenvolvida pelo padre Ortega para incentivar a conciliação de um país onde foram infligidas muitas feridas.
Entretanto, de minha posição de cidadão que defende uma melhoria das condições gerais da nação, me agrada pensar que com a direção do cardeal a igreja católica cubana conseguiu abrir muitos espaços de diálogo, reflexão, crítica e presença social que muito necessitavam não só os crentes, mas o país todo.
O fato de o cardeal ter recebido recentemente uma série de ataques, muitos de caráter pessoal, não pode ser casual nem espontâneo. A tentativa de diminuir sua figura e a obra da instituição que encabeça em Cuba muito se parece a uma depreciação por trás da qual se movem interesses precisos, às vezes mesquinhos. Porque o diálogo e a política de conciliação, a busca de alternativas em um território onde prima o enfrentamento e a distância em um país onde só se pode ouvir as únicas vozes de um partido, um governo e uma imprensa, não pode agradar a todos, especialmente aqueles que, dentro ou fora, se alimentam do confronto e do ódio.
Para mim parece evidente que o alcançado nos campos social e político pela igreja cubana nas duas últimas décadas merece o reconhecimento e a gratidão dos que desejam e sonham com uma Cuba melhor para agora e para amanhã, com independência de credos religiosos ou políticos. Também resulta patente que os que de fora das instituições oficiais e atuando fora de Cuba tentam realizar algum trabalho para mudar algum estado de coisas costumam receber sobre suas ideias o fogo cruzado dos extremistas e, na maioria das vezes, ataques às suas pessoas, como se entre os polos opostos do diapasão político cubano houvesse um acordo tácito de desvalorizar sistematicamente essas tentativas de compreensão, convivência ou melhoria.
Cada um dos affaires deste gênero, como o que agora mesmo ocorre ao redor da figura, do trabalho, da obra do cardeal Ortega Alamino, não pode deixar de me entristecer. Porque muito se parecem à ingratidão e às posturas extremistas, as quais, por mais acostumados que estejamos a sofrê-las, só servem para exibir protagonismos pessoais ou, no pior dos casos, para que nada mude. Serão o ódio e o ressentimento os sinais a marcarem o futuro da ilha?
Pode-se ser crente ou não, católico ou não, mas o que é difícil de admitir é a depreciação ofensiva de uma personalidade que, talvez mesmo com estratégias ou discursos com os quais não estejamos sempre de total acordo, muito se empenha em ajudar a fomentar o diálogo dentro de Cuba para que os cidadãos da ilha vivam em um país melhor, disposto à conciliação, mais do que ao ódio e aos fundamentalismos políticos. Envolverde/IPS

* Leonardo Padura Fuentes é escritor e jornalista cubano, e suas novelas foram traduzidas para mais de 15 idiomas. Sua obra mais recente, O homem que amava os cães, tem como personagens centrais Leon Trotski e seu assassino, Ramón Mercader.
(IPS)

 

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