Cinquenta anos depois, o "agente laranja" ainda envenena o Vietnã

PIMENTA NOS OLHOS DOS OUTROS É REFRESCO JÁ DIZIA MINHA VELHA AVÓ, ADELAIDE BASTOS TAVARES DA SILVA, DO ALTO DOS SEUS CEM ANOS DE IDADE....(José Milbs)

No último dia 18 de junho, uma cerimônia marcou o início da descontaminação do aeroporto de Da Nang, perto do grande porto de águas profundas do Vietnã. De acordo com o programa publicado há um ano atrás, 300 milhões de dólares serão necessários para remediar, em uma década, em todo o país [1] os efeitos maléficos dos desfolhantes.

Durante a Guerra do Vietnã, de agosto de 1961 até 1971, a aviação norteamericana lançou agentes desfolhantes sobre o Vietnã do Sul para caçar na selva os combatentes que nela se abrigavam e para esterilizar os campos de arroz, forçando os moradores a se reunirem em "aldeias estratégicas" e privando assim os guerrilheiros de alimentos e de ajuda [2]. Mais de 77 milhões de litros de desfolhantes foram despejados pela aviação (95%), por helicópteros, por barcos, por caminhões-tanques e por pulverizadores instalados nas costas de soldados. Mais de 2,5 milhões de hectares foram contaminados por esses desfolhantes, sendo o mais conhecido o "agente laranja". Ele contém dioxina, o veneno o mais violento e mais indestrutível que já conhecido. Foi um grande desastre ambiental e uma catástrofe humanitária de várias facetas que ainda hoje atinge a quarta geração de vietnamitas nas questões de saúde, econômicas e socioculturais. O governo dos EUA e as empresas envolvidas fogem de suas responsabilidades. Uma conspiração de silêncio tem escondido durante anos a toxicidade de desfolhantes usados.

Um Grupo de Diálogo foi fundado em 2007, sob os auspícios do Instituto Aspen, graças a um finaciamento da Fundação Ford. Este grupo reúne cidadãos, políticos e cientistas de ambos os países para enfrentar as consequências da pulverização do "agente laranja". Seu objetivo declarado - demonstrar que, a despeito da divisão política, pode-se adotar uma ação humanitária - aponta o caminho a ser seguido e demarca seus limites.

Na verdade, os três primeiros relatórios sobre a existência de "pontos quentes" [3], a respeito dos danos ao meio ambiente e as agressões sanitárias oferecem poucos novos elementos em comparação com estudos anteriores. Ele não vai nem mesmo além do relatório divulgado em 16 de junho de 2010, que inclui uma Declaração e o Plano de Ação [4]. O tom desta declaração rompe com as precauções habituais da linguagem. Os valores apresentados pela Cruz Vermelha vietnamita para o número de vítimas são classificados como sendo "a melhor estimativa disponível", e os esforços feitos pelo Vietnã desde 1980, para enfrentar consequências da pulverização são benvindos. O plano de ação iria mobilizar 300 milhões de dólares sendo 30 milhões por ano. O Grupo de Diálogo não tem nem dinheiro nem poder de decisão; ele se dirige diretamente ao governo dos EUA para financiar a maior parte do orçamento - o que é novo. Além disso, o Sr. Walter Isaacson, co-presidente (que é também presidente do Instituto Aspen), afirma que o esforço será moderado: "a lavagem de nossa bagunça da Guerra do Vietnã será muito menos cara do que o derramamento de óleo no Golfo que a British Petroleum (BP) vai ter que limpar [5]."

Em maio de 2009, o Congresso dos EUA divulgou um relatório sobre "as vítimas vietnamitas do "agente laranja" e as relações dos Estados Unidos com o Vietnã [6]." O autor, Michael M. Martin, sublinhou a necessidade de estabelecer boas relações com o Vietnã na atual situação geopolítica e como a questão do "agente laranja", a última relíquia da guerra, seria um obstáculo, ela deveria ser encarada com humanidade, sem reconhecer - o relatório insiste - qualquer responsabilidade a este respeito. Grandes jornais americanos tem divulgado o debate, fazendo a mesma pergunta: O Vietnã, é suficientemente importante para que os Estados Unidos se envolvam seriamente com o problema do "agente laranja"? A resposta é óbvia, e os recentes incidentes no Mar da China Meridional a justificam ainda mais. Em suas conclusões, o relatório Martin sugere a adoção de um plano plurianual de ajuda ao Vietnã como uma das medidas para promover o "soft power" (poder suave) dos Estados Unidos na Ásia. O Grupo de Diálogo concordou com esta opção.

Enquanto o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) revelou, em 28 de junho de 2010, um projeto de US$ 5 milhões para a descontaminação do aeroporto de Bien Hoa, próximo da cidade de Ho Chi Minh, sob os auspícios da uma organização independente, a Global Environment Facility, os Estados Unidos decidiu dedicar US$ 32 milhões para a reabilitação da área de Da Nang. Em 19 de novembro de 2010, a Agência Americana para o Desenvolvimento Internacional (USAID) anunciou seu plano de dois anos, a partir de Julho de 2011, ao Comitê Popular da cidade, e foi assinado um acordo com o Ministério vietnamita dos Recursos Naturais e do Meio Ambiente. As camadas de solo contaminadas serão removidas e armazenadas em uma área confinada aguardando a descoberta de um método de destruição da dioxina, a menos que não sejam queimadas a mais de 350 ° C no interior de tubos.

A "realpolitik" da administração Obama tem assim um efeito colateral positivo. A exigência de justiça continua a existir. Os Estados Unidos se sentiriam honrados pelo reconhecimento de suas responsabilidades para com o Vietnã e os vietnamitas. É que as mesmas empresas (Monsanto, Dow Chemical e outras) que produziram os desfolhantes ocultaram sua toxicidade falsificando os resultados das pesquisas acumularam lucros enormes nas suas vendas que serviram para financiar a sua conversão para aplicação na área agroalimentar. Também é claro que US$ 300 milhões não serão suficientes. O Vietnã precisa de uma ajuda maciça [7]. As vítimas não podem esperar. Elas devem receber alívio imediato. A declaração do Grupo de Diálogo é dirigida a todos os governos. É no nível dos estados que deve ser organizado o apoio ao Vietnã e a exigência de justas reparações.

Marie-Hélène Lavallard é agregada em filosofia

Notas
[1] Ler Francis Gendreau, "No Vietnã, o "agente laranja" ainda mata"- Le Monde diplomatique, janeiro de 2006.

[2] W. A. Buckingham, Jr., Operação "Ranch Hand : a Força Aérea e os herbicidas no sul da Ásia - 1961-1971", História do Escritório da Força Aérea dos EUA, Washington, DC - 1982.

[3] Antigos locais de armazenamento onde a concentração de dioxina no solo atingiu concentrações de 300 vezes o nível tolerado. Além das bases de Da Nang, Bien Hoa e Phu Cat havia outras 25.

[4] "Programa Agente Laranja no Vietnã," Instituto Aspen, 26 de julho de 2011.

[5] É preciso lembrar a firme declaração do presidente Barack Obama sobre esta questão? "Foram eles que causaram o desastre, são eles que devem arcar com as conseqüências."

[6] Michael Martin, "As vítimas vietnamitas do agente laranja e as relações EUA-Vietnã" (PDF), Serviço de Pesquisas do Congresso, 28 de Maio de 2009.

[7] Conforme a Associação de Amizade Franco-Vietnamita.

Tradução: Argemiro Pertence

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