A última linha do artigo diz: nada do “unilateralismo” da era George W. Bush. Qualquer intervenção militar “depende de aprovação da ONU, Liga Árabe e União Africana”. (Acho particularmente engraçada a referência à União Africana, porque nada jamais convencerá a União Africana a aprovar intervenção ocidental no norte da África.) “China e Rússia mostram pequena inclinação a aprovar tal missão”. O que significa “é muito pouco provável que apareça, de fato, alguma resolução da ONU”.
Além do mais, o Pentágono está sobrecarregado no Iraque e no Afeganistão e “mostra-se reticente nos comentários” sobre intervenção na Líbia.
Os europeus, enquanto isso, estremecem de angústia ante o risco de entrar na Líbia “sem estratégia concreta para sair de lá”. Temem um replay da arapuca mortal afegã. A União Europeia também não tem posição assumida sobre a Líbia. Muitos lamentam o açodamento da França, que formalmente reconheceu os rebeldes líbios. A Alemanha declaradamente se opõe a qualquer reconhecimento dos rebeldes. “Sabe-se muito pouco sobre os rebeldes e seus objetivos”. Estão “inapelavelmente divididos (...) Ninguém sabe que tipo de estado aqueles homens querem construir, nem que liberdades garantirá”.
Spiegel conclui em tom devastador: “Não há qualquer visão de futuro promissor para a Líbia sem Gaddafi –, mas o futuro com Gaddafi também será desastroso.” O artigo de Spiegel está em: Europe’s Leaders Fear Libya Could Become Next Afghanistan.
O primeiro-ministro turco Recep Erdogan parece já ter compreendido essa verdade simples muito antes dos europeus e norte-americanos. É o que se vê em entrevista à rede Al-Arabiya, ontem, em que Erdogan diz que, nos últimos dias já falou três vezes por telefone com Gaddafi (e com o filho de Gaddafi). Sugeriu que Gaddafi “nomeie imediatamente alguém que o povo líbio apóie”. A fórmula é interessante.
Em resumo, trata-se de Gaddafi nomear um presidente [hoje, Gaddafi é comandante do conselho revolucionário; não há presidente na Líbia.]
Ontem, aconteceu na Turquia uma grande conferência internacional, em Istambul, à qual compareceram Kofi Annan, Al Gore, etc. Erdogan pronunciou magnífico discurso sobre a revolta árabe.
Pontos principais:
a) Todo e qualquer tipo de intervenção na Líbia será “infeliz, contraproducente e arriscada”.
b) O próprio povo líbio é competente para resolver o problema líbio.
c) A comunidade internacional deve “manifestar solidariedade” e “agir unida” para conter a guerra civil e facilitar uma via de transição política pacífica na Líbia.
d) O Oriente Médio enfrenta hoje “demanda de mudança” (o povo é o demandante).
e) O exemplo da Turquia mostra que Islã e democracia não são excludentes, que podem conviver.
f) Os governos ocidentais erram gravemente por se manter indiferentes aos levantes árabes ou por usar diferentes padrões de avaliação, caso a caso, conforme o país.
g) Os regimes árabes têm de saber que não podem “resistir às mudanças”; é simples questão de tempo, e todos os que resistirem serão varridos do mapa político.
h) Nenhuma exigência de mudança que venha do povo será jamais suprimida pela força, pela violência.
i) A Turquia não intervirá na Líbia, mas tampouco hesitará ao oferecer “crítica sincera e construtiva”.
Erdogan Bey, meu respeito e minha admiração por essas palavras não têm limites!
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