Cuba: Entre o socialismo e o mercado

Havana, Cuba, março/2011 – O processo de mudança em Cuba deu vida a análises muito radicais, onde uma parte da esquerda denuncia a traição ao socialismo, e parte da direita aclama o fracasso do regime. Vistas daqui, as coisas não são mais simples, pelo contrário.

Desde que Raúl Castro assumiu o comando, em julho de 2006, sua principal preocupação tem sido a de ter números confiáveis sobre a economia. Os dados que Fidel manejava eram os que seus assessores fabricavam, para um mundo ideal no qual acredita firmemente.

Resultado: não há recursos para continuar dando gratuitamente a 12 milhões de pessoas saúde, educação, moradia, eletricidade, água, almoço e trabalho, e ainda uma caderneta para alguns alimentos. Cuba não tem indústrias significativas; 50% das terras úteis estão ociosas e o único mineral, o níquel, já está vendido ao Canadá por um péssimo acordo feito há tempos. Descobriu-se petróleo, mas não há recursos para explorá-lo imediatamente. O bloco norte-americano, apesar de extraordinariamente exagerado em seus alcances, tem um impacto real sobre o turismo. Cuba exporta serviços, sobretudo médicos, em troca de petróleo venezuelano.

Em consequência, estão em debate ao longo do país algumas “diretrizes para o plano quinquenal”, que serão adotadas no Congresso do Partido Comunista (PPC), em abril. O debate gerou um clima de franqueza, críticas e propostas, que por si só é uma novidade absoluta.

As diretrizes implicam um valente esforço para manter um quadro socialista, aceitando a nova realidade. Insiste-se que Cuba continua sendo socialista, mas se reconhece que precisa de maior produtividade, correções e utilizar a contribuição individual dos cidadãos.

Entre várias ideias, creio que três são as mais importantes. Primeira: o PPC deixará a direção e a produção econômicas, que será responsabilidade do Estado. Segunda: o Estado descentralizará todos os níveis possíveis, buscando no processo cortar custos e eliminar desperdícios. Três: o cidadão se transformará no motor do crescimento econômico, tomando iniciativas “por conta própria”.

O “por conta própria” é a grande novidade. Não é uma abertura para a criação do setor privado, mas significa que os indivíduos podem exercer atividades econômicas (não empresas) e organizar cooperativas de primeiro e segundo níveis (compra e venda de serviços comuns).

Isto é acompanhado da redução do setor estatal, que até agora era o único empregador. Serão demitidas – afirma-se – até 1,3 milhão de pessoas, que supostamente vão trabalhar por conta própria.

Desse total, 500 mil já estão sendo demitidos. Em minhas viagens pelo país, estimei que as reduções do pessoal de hotéis, jardins botânicos, etc., situam-se em 20%. O Estado está concedendo licenças comerciais a todos que solicitam. Quantos demitidos saberão se transformar em empresários individuais, sem um plano de microcréditos (não há recursos) e sem acesso a matérias-primas (escassas e de difícil importação)? Vamos ver.

Em meus encontros com teóricos do PPC enfatiza-se que Cuba deixa o centralismo democrático, herança soviética, para construir um caminho socialista próprio, a descentralização democrática e socialista. As decisões serão tomadas em nível de base, e as pessoas terão maior responsabilidade. No novo Plano Quinquenal os cortes em nível local serão parte do planejamento central.

Algumas conclusões me parecem indiscutíveis. Abriu-se em Cuba um clima de debate e franqueza sem precedentes. Não se abre um setor de empresas privadas, mas se introduz um certo nível de mercado. E enquanto se busca atrair investimentos estrangeiros, são anunciados rigorosos e duros controles (não é a melhor forma de atraí-los). No momento, supõe-se que o “por conta própria”, gerado pelas maciças demissões, seja o mecanismo para aumentar a produção reduzindo custos.

Claramente, este é o resultado de um compromisso entre duas alas do partido e do governo: a ortodoxia tradicional, que desejava manter este sistema que tem mais de 50 anos e que frente à realidade aceita dar alguns passos para a competitividade e eficiência, e a ala reformadora e modernizadora. Muitos dizem que desta forma a velha guarda (que em oito ou dez anos terá desaparecido) busca mudar o menos possível para que seu mundo continue enquanto sobreviver.

Creio que este é um processo irreversível. A maioria dos cubanos viu o que aconteceu com a queda do comunismo soviético e a chegada dos Yeltsins. Sabem que depois do comunismo virá o capitalismo mais selvagem, com um elemento adicional muito cubano: há cerca de dois milhões de cubanos na Flórida, todos ferozmente competitivos, em sua maioria republicanos de direita, com capitais e um grande senso de revanche. Um exemplo: em Miami há 12 escritórios de arquitetura com o mapa de Havana dividido em 12 seções, que já tem pronta a divisão da cidade para uma grande operação imobiliária que a transforme em uma cópia de Miami.

Os cubanos de Cuba temem que os cubanos de Miami voltem, recuperem suas casas e seus bens (deixando muitos sem saberem para aonde ir) e se apoderem da economia da ilha em nome da democracia, da modernidade, e do famoso livre mercado.

Porém, Raúl tem razão. Em 1932, sem estradas e com bois como transporte e quatro milhões de habitantes, Cuba produzia oito milhões de toneladas de açúcar. Hoje, produz 1,5 milhão. Antes da revolução havia seis milhões de pessoas, e 12 milhões de vaca. Hoje é o inverso. Dos insumos para a construção, 80% são importados, assim como 32% dos alimentos.

Ninguém pode prever o que acontecerá. Com sorte, restarão alguns setores socialistas e os sofrimentos serão menores. Mas o novo socialismo significa que a imensa maioria terá de aceitar ser realmente pobre, e isto, com as imagens que vêm do sonho americano há apenas 90 milhas de distância, não é possível.

A ironia é que tudo isto acontece justamente quando o mito do sonho americano está em queda, lenta, mas inexoravelmente, sob os golpes da realidade econômica dos Estados Unidos. Seria interessante voltar a analisar a situação em 2016, ao término do plano quinquenal, e ver onde estaremos... Envolverde/IPS

*Roberto Sávio é fundador e presidente emérito da agência de notícias Inter Press Service (IPS).

(IPS/Envolverde)

 

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