Graças às suas ricas reservas de petróleo e gás natural, a Líbia tem uma balança comercial positiva de US$27 mil milhões por ano e um rendimento per capita médio-alto de US$12 mil, seis vezes maior que o do Egipto. Apesar de fortes diferenças entre rendimentos altos e baixos, o padrão de vida médio da população da Líbia (apenas 6,5 milhões de habitantes em comparação com os cerca de 85 milhões no Egipto) é portanto mais elevado do que o do Egipto e de outros países da África do Norte. Testemunho disso é o facto de que cerca de um milhão e meio de imigrantes, principalmente norte-africanos, trabalha na Líbia. Uns 85 por cento das exportações líbias de energia vêm para a Europa: a Itália em primeiro lugar com 37 por cento, seguida pela Alemanha, França e China. A Itália também está em primeiro lugar em exportações para a Líbia, seguida pela China, Turquia e Alemanha.
Esta estrutura agora explodiu devido ao que pode ser caracterizado não como uma revolta das massas empobrecidas, tal como as rebeliões no Egipto e na Tunísia, mas como umas guerra civil real, em consequência de uma divisão no grupo dominante. Quem quer que seja que tenha feito o primeiro movimento explorou o descontentamento contra o clã Kadafi, que prevalece especialmente entre as populações da Cirenaica e entre jovens nas cidades, num momento em que toda a África do Norte tomou o caminho da rebelião. Ao contrário do Egipto e da Tunísia, contudo, o levantamento líbio foi planeado previamente e organizado.
As reacções na arena internacional também são simbólicas. Pequim disse estar extremamente preocupada acerca dos desenvolvimentos na Líbia e apelou a "um rápido retorno à estabilidade e normalidade". A razão é clara: o comércio sino-líbio experimentou crescimento forte (cerca de 30 por cento só em 2010), mas agora a China verifica que toda a estrutura das relações económicas com a Líbia, da qual importa quantidades crescentes de petróleo, foram postas em causa. Moscovo está numa posição semelhante.
O sinal de Washington é diametralmente oposto: o presidente Barack Obama, que quando confrontado com a crise egípcia minimizou a repressão desencadeada por Mubarak e apelou a uma "transição ordenada e pacífica", condenou o governo líbio em termos inequívocos e anunciou que os EUA está a preparar "o conjunto completo de opções que temos disponíveis para responder a esta crise", incluindo "acções que possamos empreender por nós próprios e aquelas que possamos coordenar com os nossos aliados através de instituições multilaterais". A mensagem é claro: há a possibilidade de um intervenção dos EUA/NATO na Líbia, formalmente para interromper o banho de sangue. As razões também são claras: se Kadafi for derrubado, os EUA seriam capazes de fazer ruir toda a estrutura das relações económicas com a Líbia, abrindo o caminho para multinacionais com base nos EUA, até agora quase totalmente excluídas da exploração das reservas de energia na Líbia. Os Estados Unidos poderiam então controlar a torneira de fontes de energia sobre as quais a Europa depende amplamente e que também abastecem a China.
Trata-se de acontecimentos no grande jogo da divisão dos recursos africanos, pelos quais uma confrontação crescente, especialmente entre a China e os Estados Unidos, está a verificar-se. A potência asiática em ascensão - com a presença na África de cerca de 5 milhões de administradores, técnicos e trabalhadores - constrói indústrias e infraestrutura, em troca de petróleo e outras matérias-primas. Os Estados Unidos, que não podem competir a este nível, podem utilizar a sua influência sobre as forças armadas dos principais países africanos, as quais são treinadas através do Africa Command (AFRICOM), o seu principal instrumento para a penetração do continente. A NATO agora também está a entrar no jogo, pois está prestes a concluir um tratado de parceria militar com a União Africana, a qual inclui 53 países.
A sede da parceria da União Africana com a NATO já está em construção em Adis Abeba: uma estrutura moderna, financiada com 27 milhões de euros da Alemanha, baptizada "Edifício paz e segurança".