Miami, Estados Unidos, fevereiro/2011 – A crise da Tunísia e do Egito passará para a história como um perfeito manual da chantagem. Alguns atores participaram mais do que outros, mas, com a exceção do povo dos sofridos países árabes, todos se esforçaram para exercer diversas modalidades de extorsão.
As variantes incluem as atuações do praticante do assédio sexual, o funcionário que ameaça divulgar a conduta imprópria de um superior, ou a noiva desprezada que ameaça revelar as infidelidades de seu ex. Agora se revela com toda luz a conduta dos protagonistas mais importantes da crise que começou na Tunísia, se estendeu ao Egito e ameaça engolir todo o mundo árabe.
Às portas da entrega do Oscar, o envelope de melhor ator deveria conter os nomes (de momento) de Ben Ali e Hosni Mubarak. Durante décadas conseguiram extrair o silêncio e a cumplicidade de sucessivos presidentes dos Estados Unidos e dos mais poderosos países europeus. Diante da alarmante alternativa de cair em mãos, há anos, do expansionismo soviético, e agora dos radicais fundamentalistas islâmicos, autocratas árabes, de Damasco a Rabat, civis, militares e monarcas medievais, conseguiram amedrontar Washington. Graças à ajuda, venderam a devida “proteção”, ao mesmo tempo em que abriam a torneira da emigração, para se livrar do excesso de população incômoda.
A Europa aceitou a contragosto a chegada dos trabalhadores, que realizavam tarefas rejeitadas pelos nativos. Até que a bolha imobiliária provocou a reação e o convite ao regresso. A juventude tunisiana e os vizinhos que não puderam emigrar exigem agora os empregos que os regimes ditatoriais não podem inventar. Chantageados em sua casa, para se manterem calados, agora ocupam as ruas.
Sutis praticantes de semelhante chantagem foram os interesses econômicos europeus, que lançaram olhares aos seus governos para que incentivem a cômoda estabilidade dos países árabes, onde podem vender telefones celulares, que, paradoxalmente, agora são a causa tecnológica da queda dos modernos faraós.
Do outro lado do oceano, em meio à confusão que Hillary Clinton enfrenta no Departamento de Estado assessorando a Casa Branca, com a linha direta para a CIA e o Pentágono, detecta-se um tipo perene de chantagem. Está personificado por especialistas, antigos membros da diplomacia que tão bem serviram ao presidente George W. Bush, e nostálgicos da Guerra Fria. Vendem a mensagem trágica da alternativa entre o apoio dos autocratas ou a queda nas garras do fundamentalismo islâmico. Esta “tese” é compartilhada pelo establishment que domina o Estado de Israel, que seria o perdedor mais dramático no caso de uma transição incerta no Egito. Sem saber quem controlaria o enorme Estado de 80 milhões sem direção, nada estranha o silêncio sepulcral em Tel Aviv e Jerusalém. Foi uma nova variante israelense da extorsão generalizada. A época da assinatura do acordo de paz de Camp David, em 1979, com Anwar El Sadat, castigado depois com seu assassinato em 1981, havia se esfumado definitivamente. A ruptura de relações entre Egito e seus congêneres árabes durou o suficiente para entrar em razão. No final, os israelenses respiraram mais tranquilos.
No momento, o preço para responder à chantagem egípcia tem sido eficaz (mas alto: mais de US$ 1 bilhão por ano) para Washington. Foi garantida a estabilidade e proporcionada dupla segurança para a Europa e, naturalmente, para os gangsteres. O problema é que os jovens (e também os cidadãos maduros) se cansaram de serem adulados com espelhinhos como se fossem astecas enlevados por Hernán Cortés.
*Joaquín Roy é catedrático “Jean Monnet” e diretor do Centro da União Europeia da Universidade de Miami (Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.).
(IPS/Envolverde)
- Por Joaquín Roy*