Dúvidas alimentares pairam sobre a China

Pequim, China, 24/1/2011 – Na China, que carrega uma história de fome e cujos camponeses ainda se cumprimentam dizendo “comeu?”, os alimentos são praticamente sagrados. Alimentar a enorme população do país é uma das maiores ameaças ao futuro crescimento econômico e à estabilidade social, afirmam vários especialistas. Desde 1997, a China perdeu 8,2 milhões de hectares de terra arável devido à urbanização, industrialização, ao reflorestamento e ao dano causado pelos desastres naturais.

As inundações atingem 37% do território chinês, e a terra disponível por pessoa no país representa 40% da média mundial. “A China conseguiu destacáveis avanços econômicos e sociais nas últimas três décadas, tirando várias centenas de milhares de pessoas da pobreza, e a segurança alimentar foi muito beneficiada por esse progresso geral”, disse Olivier De Schutter, relator especial da Organização das Nações Unidas sobre o Direito à Alimentação, quando visitou a China no mês passado.

“Entretanto, a redução da superfície de terra arável e a enorme degradação da terra ameaçam a capacidade do país para manter os atuais níveis de produção agrícola, enquanto a brecha cada vez mais ampla entre população rural e urbana é um importante desafio ao direito da população chinesa à alimentação”, acrescentou Olivier. O direito à alimentação exige que as pessoas tenham renda para comprar comida, e que os sistemas alimentares sejam suficientemente sustentáveis para atender as demandas atuais e não colocar em risco as necessidades futuras. “É óbvio que estas duas condições enfrentam importantes desafios hoje em dia”, destacou Olivier.

Os recentes aumentos nos preços dos alimentos podem ser um sinal do que está por vir, afirmou o relator da ONU, pedindo urgência à China para adotar práticas agrícolas mais sustentáveis. Sem ações de mitigação que incluam uma mudança para a agricultura baixa em carbono, a mudança climática fará cair entre 5% e 10% produtividade agrícola até 2030. Em 2010, a China registrou seu sétimo recorde consecutivo em matéria de colheita de grãos, com produção de 546 milhões de toneladas, segundo informes oficiais. O governo disse que as atuais reservas de grãos excedem os 200 milhões de toneladas e que a autossuficiência destes alimentos foi de 95% na última década.

A China se comprometeu em manter a autossuficiência dos grãos em mais de 90% na próxima década, desenvolvendo tecnologias agrícolas e melhorando o uso da terra, disse ao China Daily He Bingsheng, presidente da Universidade Agrícola da China e um dos principais economistas do país. Porém, alerta que a redução da terra agrícola e seu uso desigual apresentam desafios aos produtores de grãos do país. “É necessária certa quantidade de importações. Mas todo o país tem de ter garantida sua segurança alimentar, porque o mercado internacional não é suficiente para atender a demanda de uma nação tão grande como a China”, ressaltou.

O pesquisador Li Guoxiang, do Instituto de Desenvolvimento Rural da Academia Chinesa de Ciências Sociais, disse que no momento a segurança do país se mantém estável. Para ele, a China desenvolveu uma política de segurança alimentar que é, em boa parte, autônoma, com apenas uma pequena porcentagem de produtos agrícolas importados, o que não significa que este gigante asiático seja apenas levemente afetado pelo aumento dos preços mundiais.

“Tivemos colheitas recordes de grãos durante sete anos consecutivos, com crescimento de 3% em 2010. Embora os preços internacionais dos grãos tenham aumentado no ano passado, na China, em geral, se mantiveram estáveis. A vida da maioria das pessoas não sofreu o impacto”, disse Li à IPS. No entanto, admitiu que as ameaças à segurança alimentar do país persistem, também devido à degradação do solo e à desertificação. O governo tomou medidas para abordar este assunto, afirmou Li, citando com exemplo o aumento da cota de investimentos fixos destinados às áreas agrícolas e o aumento dos subsídios agrícolas. Em 2010, o governo investiu US$ 120 bilhões no setor, quantia que, se espera, aumente este ano.

Porém, Li acredita que o governo ainda tem muito a fazer, como, por exemplo, proteger as terras agrícolas e melhorar sua produtividade e a infraestrutura hídrica. “Os alimentos são a arma política mais poderosa. Não há nenhum substituto para o consumo de alimentos. Ninguém pode viver sem eles, por isso a segurança alimentar é a base da segurança nacional. A falta de segurança alimentar dificulta o desenvolvimento social e desata o mal-estar social”, acrescentou.

Zhao Xiaofeng, da Universidade Huazhong de Ciência e Tecnologia, disse que as secas, que frequentemente são consequência da instalação de uma grande represa, continuam sendo uma ameaça importante para a segurança alimentar do país. Lugares com ao província de Henan, uma das principais regiões produtoras de grãos da China foram muito afetados pelas secas, disse Zhao, acrescentando que o governo tem de melhorar a infraestrutura em torno de rios e reservas hídricas para proteger as terras agrícolas vizinhas.

O risco que corre a segurança alimentar da China alcançará índices perigosos se mais de 10% dos produtos são importados, disse Zhao a IPS. Atualmente, essa proporção é de 5%. “A China é o país mais povoado do mundo. Imagine o que acontecerá se sua população não tiver alimentos suficientes”, ressaltou. Envolverde/IPS

(IPS/Envolverde)

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