Porque o “um por cento” dos americanos está preocupado

A elite endinheirada reconhece, de forma crescente, que o status quo socioeconômico dos EUA é insustentável

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Os EUA têm também o maior índice de desigualdade de renda do Ocidente (Arquivo: AP/Mark Lenniham)

Ray Dalio, fundador do hedge fund Bridgewater Associates, que é a 57ª pessoa mais rica do mundo, de acordo com a revista Forbes, brincou, em uma recente entrevista, ao dizer que o capitalismo está negando “igual oportunidade ao Sonho Americano”. Ele disse que era “um subproduto do capitalismo quando este ainda dava igual oportunidade” e acrescentou: “eu tive muita sorte por poder estar vivendo o Sonho Americano, por ter tido o cuidado adequado e a correta educação em escolas públicas ... Muitas coisas estão mudadas.”

Ex-CEO da Starbucks e potencial candidato presidencial, Howard Schultz, que prefere ser chamado de uma “pessoa de meios” em lugar de bilionário (617º do ranking da Forbes), observou recentemente que “a ampla maioria dos americanos está vivendo de contracheque em contracheque” e declarou que o próximo presidente dos EUA deverá urgentemente cuidar da desigualdade.

CEO do JP Morgan Chase, Jamie Dimon (1.717º do ranking) declarou no início deste ano que “uma grande parcela dos americanos foi deixada para trás ... 40% dos americanos recebem menos de 15 dólares por hora. Outros 40% não conseguem pagar uma conta de 400 dólares, seja ela de serviços médicos ou do conserto do carro. 15% dos americanos recebem o salário mínimo e 70.000 morrem anualmente em função do uso de opióides.”

A rigor, os crescentes empobrecimento e desespero que atormentam nosso país dificilmente deixam de ser notados. Os EUA têm também a mais alta taxa de desigualdade de renda entre os países do Ocidente, com o 1% de cima controlando 40% da riqueza do país em 2016, em contraste com uma participação de 25 a 30% nos anos 1980. De acordo com estimativas ainda mais conservadoras do Escritório do Censo dos EUA, cerca de 14% da população, ou 45 milhões de pessoas, vive na pobreza. De acordo com a ONU, 8,5 milhões desses enfrentam a extrema pobreza e 5,3 milhões sofrem em “condições de absoluta pobreza, típicas do Terceiro Mundo.”

Porém na realidade, muito mais americanos lutam para assegurar uma vida digna para si mesmos e sua família. Um relatório acusatório publicado pela ONU em 2018 mostrou que: “as altas taxas de pobreza de crianças e jovens estão perpetuando a transmissão intergeracional da pobreza de modo mais efetivo e assegurando que o Sonho Americano está rapidamente se transformando na Ilusão Americana. A igualdade de oportunidades, tão louvada em teoria, é na prática um mito, especialmente para minorias e mulheres, mas também para muitos trabalhadores brancos de classe média.”

Talvez parcelas do “um por cento” dos americanos estejam finalmente prontas a admitir que a desigualdade socioeconômica tenha chegado a níveis sem precedentes e que o atual status quo é insustentável porque, como afirmou o bilionário sul-africano Johann Rupert, a perspectiva das massas de pobres se rebelando “não o deixa dormir à noite”. Estão afirmando agora que o capitalismo “está a exigir trabalho” e estão a propor várias “correções” – especialmente a “filantropia de gotejamento”. Alguns foram tão longe que chegaram a sugerir que as provisões sociais fossem ampliadas e que os ricos fossem taxados.

No entanto, todos eles foram rápidos em rejeitar quaisquer "políticas socialistas". Em uma recente entrevista para a NBC, Melinda Gates, co-presidente da Fundação Bill e Melinda Gates e esposa do segundo homem mais rico do mundo, fez ecoar o pensamento de muitos dos super-ricos, ao dizer que: “o que eu sei ser a verdade é que eu vou preferir sempre viver em uma sociedade capitalista do que em uma sociedade socialista.

Todavia Gates está errada. O atual sistema instalado nos EUA não é o capitalismo, mas antes um “socialismo para os ricos” e que favorece o “um por cento” ao assegurar-lhes subsídios sempre crescentes, exorbitantes isenções de tributos, desregulamentação e bônus executivos. O restante da população vive em um sistema injusto de desigualdade e segregação, lutando para sobreviver sob severa austeridade e de erosão de seus direitos trabalhistas. É um sistema de “sobrevivência do mais forte”, que privilegia alguns em detrimento de outros baseado na raça e no gênero.

O crescimento econômico atual somente “faz crescer” os ricos, que são capazes de controlar a distribuição da riqueza influenciando o governo ao garantir que esse atenda seus interesses e mantenha seu poder. Através do sistema de corrupção legalizada dos EUA, os ricos canalizam bilhões de dólares em doações para campanhas eleitorais.

Como era de se esperar, os vazios existentes permitem entrever que pessoas como Gates, Dimon, Schultz e Dalio estão propondo soluções que possivelmente não funcionarão porque foram projetadas para manter o atual sistema para que eles continuem a acumular riqueza de forma irrestrita. A única solução viável que poderia evitar um desastre socioeconômico maior nos EUA e a subsequente revolta seria uma total revisão do sistema.

As soluções para a desigualdade econômica e os excessos do capitalismo americano são necessárias para salvar o capitalismo dele mesmo, ou melhor ainda, para salvar as pessoas do capitalismo.

Tem havido um número crescente de propostas importantes para a justiça econômica que parecem ser promissoras. Estas incluem a da congressista Alexandria Ocasio-Cortez – A Nova Questão Verde (Green New Deal) que prevê uma mobilização nacional para eliminar as emissões de carbono e transformar a economia dos EUA, acelerando o crescimento econômico e a criação de empregos, ao lado da busca da justiça econômica e racial para as comunidades vulneráveis. Ocasio-Cortez também mencionou uma taxa indireta de impostos de 70% sobre os ganhos superiores a US$ 10 milhões.

A congressista Elizabeth Warren tem um plano para eliminar o débito de US$ 1,5 trilhão em empréstimos estudantis, impondo uma sobretaxa sobre os ultra-ricos, enquanto o congressista Bernie Sanders está patrocinando uma proposta para o tratamento medico universal. A ideia da reparação pela escravidão, que poderia aliviar um pouco da desigualdade racial no país, também está ganhando apoio.

Embora os conservadores ataquem as propostas que promovem a justiça social e a equidade por serem perigosas já que poderiam levar a um sistema totalitário socialista, essas políticas há muito tempo têm feito parte do sistema dos EUA. No fim das contas, a Nova Questão Verde (Green New Deal) tem seu nome derivado da New Deal, que foi aplicada durante a Grande Depressão a fim de proteger os pobres, fortalecer os direitos trabalhistas e impor uma regulação estrita sobre o sistema financeiro.

Ao mesmo tempo, os americanos estão se tornando progressivamente a favor de uma revisão mais ampla do sistema, em função da natureza problemática e corrupta do atual. Os programas do governo existentes e propostos para redistribuição econômica e equidade são cada vez mais populares. O Socialismo está também ganhando popularidade, até mesmo superando o capitalismo entre os Democratas, particularmente entre os milenaristas (pessoas que se tornaram adultas por volta do ano 2000). Essas políticas, que se traduzem em mais propriedade democrática, controle sobre o governo e maior responsabilidade pública, com certeza enfraquecem a riqueza por sua efetividade e popularidade política.

Se os membros do “um por cento” de fato se preocuparam com a ampliação do espaço entre as riquezas, eles não deveriam resistir à implantação dessas políticas. A revisão do sistema poderia torná-los menos ricos, porém, ao fim das contas, não atuará em detrimento de sua situação. O lucro será ainda possível se os trabalhadores tiverem salários dignos, assistência médica, direitos sociais e trabalhistas assegurados.

A rigor, a escolha do “um por cento” será apenas viver em uma sociedade mais igual e mais justa ou enfrentar a ira das massas empobrecidas.


Sobre o autor:
David A. Love
David A. Love é um jornalista e comentarista free-lance baseado em Filadélfia, Pennsilvania, EUA.
@ davidalove

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