O Tratado de Nanquim põe fim à Guerra do Ópio

Entre outras coisas, o governo imperial chinês deixou de proibir a importação do ópio que vinha das Índias Britânicas. Cedeu uma fração de seu território e de sua soberania aos ingleses. Este foi o primeiro de uma sucessão de “tratados desiguais” que humilharam os chineses e alimentaram um agudo ressentimento em relação aos europeus.

O direito do mais forte

Algumas décadas antes, em 1793, o governo inglês de William Pitt havia enviado à China a missão Mc Cartney visando conseguir facilidades comerciais. Porém, o grande imperador Oialong não dava grande valor à relação com os britânicos.

Os comerciantes da Companhia das Índias Orientais (“East India Company”) e o governo de Londres não receberam bem esse posicionamento chinês. Não deixaram de difundir por toda a Europa o mal-estar que essa China lhes inspirava, posição agora tão arcaica e que a fez dobrar-se sobre si mesma.

Seu desapontamento tornava-se ainda maior pelo fato de terem que comprar da China o chá de que eles tanto gostavam assim como outros produtos de luxo (porcelanas, pedraria e seda...).

Para tentar equilibrar a balança comercial gravemente deficitária, a Companhia das Índias pôs em obra um “comércio triangular” tão pouco recomendável quanto o tráfico de escravos. Ela iniciou na Índia, sua possessão, a cultura da papoula e, de modo inteiramente ilegal, criou entre os chineses o vício da dependência de fumar ópio.

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Espaço exclusivo em casas destinadas ao consumo de ópio na China 

Chineses levados ao erro

Enquanto na Europa se encerravam as Guerras Napoleônicas, no Extremo Oriente os negócios seguiam seu curso. A Companhia Britânica das Índias Orientais jogava seu “vale-tudo” ampliando suas vendas ilegais de ópio na China, passando de 100 toneladas por volta de 1800 para 2.600 toneladas em 1838. O país contava dois milhões de fumantes regulares de ópio em uma população de 300 ou 330 milhões.

Em 1833, o governador de Cantão encaminhou uma espécie de súplica ao governo inglês: “Vós proibis o ópio em vosso reino. Por que deixais que mercadores funestos, com o único objetivo de tirar lucros, envenenar nosso povo?”

Em 1839, o novo governador da cidade, Liu Zexu apreendeu 20.000 caixas da droga (quantidade suficiente para fazer inveja às gangues colombianas da atualidade) e as queimou em praça pública. Ele ordenou também que fossem revistados todos os navios antes de descarregar suas mercadorias.

Os negociantes ingleses de Cantão deram um pulo naquela ocasião. Eles exigiram indenizações, denunciando um atentado gravíssimo à liberdade do comércio, mostrando a violência de que tinham sido vítimas por parte dos chineses e fizeram pressão sobre o governo inglês para que este impusesse aos chineses a abertura de seu mercado.

Guerra em nome do livre mercado

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Um plenipotenciário europeu em plena corte do imperador chinês 

Em nome do sacrossanto livre mercado, o Primeiro Ministro da jovem rainha Victoria, lorde Melbourne, e seu ministro de negócios estrangeiros, Palmerston convenceram o Parlamento de Westminster a que fosse enviado um corpo de expedicionários para chamar à razão o governador de Cantão.

O debate foi tenso e opôs deputados respeitadores da moral universal a outros que queriam mostrar-se realistas e se fixavam em seu desejo de fazer a felicidade dos chineses apesar deles mesmos, abrindo-lhes as maravilhas do mundo da livre-troca e da modernidade.

Dentre os oradores, o mais ouvido foi Sir Thomas Staunton. 48 anos antes, com somente 13 anos de idade, ele tinha acompanhado seu pai e lorde George McCartney apenas até Jehol. Tendo tido o trabalho de aprender chinês durante o cruzamento, teve a distinta honra de conversar com o augusto Qianlong.

A seus colegas deputados, ele perguntou: “Violamos as leis internacionais ao praticar o comércio de ópio? Não. Quando o vice-rei de Cantão usou seu próprio navio para o tráfico da droga, ninguém deveria se surpreender se os estrangeiros fizessem o mesmo (ele inverteu a ordem das coisas: foi porque os ingleses introduziram a droga na China que os comerciantes locais puderam enriquecer com seu tráfico)”. “Pequim pode endurecer as medidas judiciárias que poderiam reprimir o tráfico de ópio. Porém, poderia condenar à morte estrangeiros (ele considera como dinheiro as recriminações aos comerciantes ingleses de Cantão) quando a pena mais elevada era a proibição de fazer comércio ou, em casos extremos, a expulsão? Esta retroatividade é um atentado intolerável ao direito das pessoas. Os chineses querem tratar cidadãos britânicos como tratam seus cidadãos rebeldes – no fio da espada. Tomemos cuidado. A consideração que nós perderíamos na China, não demoraríamos muito a perdê-la também na Índia e, de caso em caso, perderíamos em toda a Terra! A guerra que se anuncia é uma guerra mundial. Ela terá, de acordo com as questões envolvidas, repercussões incalculáveis, diametralmente opostas segundo seu resultado. Não temos o direito de nos comprometermos com ela se há uma possibilidade de sermos derrotados. Todavia, não temos o direito de sermos derrotados. Não temos o direito de renunciar se devemos vencer (...) Eu considero, embora lamente, que essa guerra seja justa e se tornou necessária”.

Seu opositor liberal (whig) William Gladstone declarou em relação a ele: “não conheço em toda a história uma guerra mais injusta em sua origem, uma guerra mais do que calculada para cobrir nosso país de uma desonra permanente. A bandeira britânica que tremula orgulhosamente em Cantão não foi hasteada para proteger um tráfico infame”.

Finalmente, guerra foi aprovada por uma pequena maioria de cinco votos.

A diplomacia das canhoneiras

4.000 homens chegaram ao Extremo Oriente em dezesseis navios de guerra e 4 canhoneiras a vapor. Um cruzador britânico bombardeou Cantão e ocupou o arquipélago vizinho de Chuzan. Depois, uma esquadra subiu o rio Yangzi Jiang (rio Azul) e ameaçou Nanquim, obrigando o governo do imperador Dao Guang a se render.

Essa foi a primeira demonstração daquilo que mais tarde foi chamado de “diplomacia das canhoneiras” e levaria até o escandaloso tratado pelo qual os vencedores ganharam o direito de livre comércio em cinco portos chineses, incluindo Cantão e Shangai.

Os ingleses obtiveram de início a cessão da ilha de Hong-Kong (Porto Perfumado, em chinês) que controlava o acesso a Cantão e ao sul da China. Foi a primeira vez em dois séculos que a dinastia mandchu era forçada a desvalorizar o território chinês. À esta rocha sem água seria acrescentado o território de Kowlun, no continente, pela Convenção de Pequim (1860) e os Novos Territórios por uma locação enfitêutica de 99 anos, em 1898 (a não-renovação dessa locação, em 1997, levou os britânicos a devolver o conjunto de territórios à China).

Pleno de humilhação, o imperador teve de concordar com a extraterritorialidade dos cidadãos britânicos e pagar uma indenização de 21 milhões de dólares de prata. Com ciúmes dos ingleses, os franceses e os americanos se apressaram em exigir de Pequim vantagens equivalentes para seus comerciantes e seus missionários. Assim, os franceses impuseram aos chineses um tratado de tolerância.

Com o Tratado de Nanquim, o “Império do Meio” (modo de se referir à China) entrou em um período dramático tecido por guerras civis e por humilhações frente aos “diabos vermelhos” vindos do Ocidente. O próprio povo fomentava levantes contra o governo mandchu. Chegou a haver 20 milhões de mortos em um império de cerca de 330 milhões de almas.

Humilhações diplomáticas e guerras civis só tiveram fim cerca de um século depois, em 1º de outubro de 1949, com a vitória comunista.

Alban Dignat - historiador

Tradução do Francês: Argemiro Pertence

 

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