Para lutar contra a fraude, o fisco repete a cena infinda na qual o marido da Dama de Xangai (1947) persegue sua esposa pelo palácio de gelo imaginado por Orson Welles. A cada vez que ele pensa em abatê-la com um tiro, um espelho do labirinto se quebra; os amantes fogem por uma porta secreta. Os cães de caça do caso SwissLeaks provavelmente não escaparam desse cenário. Desencadeado após a remoção, pelo cientista da computação Hervé Falciani, dos arquivos pertencentes ao HSBC Private Bank (subsidiária suíça da instituição britânica), esse caso era inédito em seu escopo.
O que encontramos nas listas obtidas por Bercy em 2009 e transmitidas em seguida a diferentes administrações estrangeiras? Capitães de indústria, dirigentes políticos, monarquias (o rei do Marrocos e da Jordânia), vedetes dos espetáculos ou dos esportes, mas também os traficantes de armas e de drogas, assim como os financistas suspeitos de ligações com terroristas. Todos esses têm uma intenção comum na maior parte dos casos: escapar à tributação.
Ante a amplitude da fraude, o HSBC, cuja sede fica em Londres, reconhece algumas “falhas no passado”, mas relembra uma outra época em que “a cultura do respeito às regras e padrões de diligência razoáveis eram conduta típica do HSBC, porém com força bem menor que atualmente” (1). Por outro lado, afirma o banco, uma grande união foi feita, em 2009 e em 2012. Em resumo, o banco apresenta suas excusas “mais sinceras” e jura que doravante seus serviços não serão mais utilizados para fraudar o fisco ou para lavar dinheiro sujo.
Podemos acreditar? Em segundo lugar no ranking mundial de bancos detentores de ativos financeiros, o estabelecimento britânico se distingue pela tendência às recaídas e pela relativa impunidade que o beneficia. Líder religioso anglicano que se dizia amante da ética, Stephen Green, presidiu o HSBC entre 2006 e 2010, durante os desvios descobertos. Longe de ser punido, ele foi condecorado pela rainha da Inglaterra, em novembro de 2010. Dois meses mais tarde ele se tornou ministro do comércio do governo David Cameron.
Mesmo quando um raio atinge o venerável banco, os desgastes são limitados. Em 2012, por exemplo, uma comissão do Senado americano acusou-o de estar implicado em tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo (2). Os reguladores americanos aplicam-lhe uma multa de 1,9 bilhão de dólares, uma pena quase simbólica em vista dos benefícios colhidos pelos procedimentos sancionados. Assim, nem os clientes nem o “mercado” parecem estremecer à vista dos contratempos de seu banco. Como anotou o Financial Times: “os moralistas e os políticos não irão querer entender. Mas o impacto do escândalo sobre as ações do HSBC podem se resumir em uma palavra: nenhum (3).
Ibrahim Warde
Professor associado na Universidade de Tufts (Estados Unidos).
(1) “A resposta do HSBC: “Os padrões da devida diligência eram significativamente mais baixos do que são hoje”, The Guardian, Londres, 8 de fevereiro de 2015;
(2) “As vulnerabilidades dos EUA à lavagem de dinheiro, drogas e financiamento do terrorismo: a história do caso HSBC”, Senado dos EUA, Subcomissão Permanente de Investigações. Washington, DC, 17 de julho de 2012;
(3) “HSBC: responsabilidade atual”, Financial Times, Londres, 17 de fevereiro de 2015.
Tradução do Francês: A. Pertence