A Grande Guerra merece esse nome mesmo que ela estivesse longe de ser o conflito mais mortífero que a humanidade jamais conheceu. Ela foi, antes de tudo, “grande” por seu impacto sobre sociedades já enfraquecidas.
Originada a propósito de encadeamento de circunstâncias dificilmente compreensíveis, ela arruinou a Europa, que reunia, no século XIX todos os trunfos para a prosperidade, a grandeza e a harmonia.
A paz atraiçoada
O tratado de paz assinado em 28 de junho de 1919 com os plenipotenciários alemães na Galeria dos Gelos do Castelo de Versailles pôs fim à monarquia na Alemanha e estabeleceu uma república descentralizada. Impôs ainda a Berlim a redução de seu exército a somente 100.000 homens e reparações financeiras colossais que os vencidos não seriam capazes de pagar.
A Alsácia e a Lorraine retornaram ao controle da França. A Polônia foi devolvida ao domínio da Alemanha e da Rússia comunista, assim como outros pequenos Estados: Finlândia, Lituânia e Letônia. A Áustria-Hungria deu lugar a uma pequena república austríaca germanófona, à qual foi expressamente proibido unir-se à Alemanha, bem como à Hungria independente e a uma Tchecoslováquia encravada no território da Alemanha.
A Sérvia cresceu com a anexação de províncias austríacas e se transformou na Iugoslávia ... A Itália, amargurada, queixou-se dos Aliados por não ter sido recompensada por sua entrada na guerra (considerada pouco eficiente) com concessões territoriais tão extensas quanto previstas.
O Império Otomano, que somente tinha na Europa sua capital, Istambul e o interior de seu país, perdeu suas possessões arabófonas: Síria, Iraque, Líbano, Transjordânia e Palestina. A Turquia propriamente dita, majoritariamente povoada por turcos, foi salva do desaparecimento graças ao esforço do general Mustafá Kemal.
No total, nada menos do que quatro impérios foram varridos do mapa: Alemanha, Áustria-Hungria, Rússia e Turquia. Os pequenos Estados que passaram a ocupar seus espaços nasceram tanto insignificantes quanto vingativos. Assim, novos conflitos passaram a germinar em função dos tratados de paz, como bem demonstrou o historiador Jacques Bainville, desde 1920, em seu livro Les conséquences politiques de la paix (As consequências políticas da paz).
O preço da guerra
Com a Grande Guerra, pela primeira vez na história da humanidade, povos inteiros foram treinados para o combate por generais pouco preocupados com o sangue derramado.
O conflito deu a conhecer os excessos habituais em todas as guerras: violações e assassinatos de civis. Todavia, ele marcou também o desaparecimento do código de honra habitual nas guerras europeias. Assim, não se hesitava em bombardear ambulâncias e atingir feridos. Não havia uma trégua, como no passado, para preservar os feridos.
Desde o início do conflito, as autoridades dos dois lados esconderam da opinião pública a extensão das perdas, assim como as insuficiências e os erros dos altos comandos, censurando jornais e assegurando-se do controle do conteúdo das cartas dos combatentes (Le Canard Enchainé, jornal semanal satírico francês, fundado em 1915, nasceu de um protesto contra essa “transformação de cérebros em geleia”).
Os números de perdas que circulavam nas comissões de oficiais eram fantasiosos e, mesmo após o fim da guerra, foi difícil precisá-los. Os historiadores tiveram que investigar muito antes de poder avaliar o total de 51 meses de guerra na Europa e, em particular, na França.
Balanço demográfico da Grande Guerra
Population & Societé, revista mensal do Instituto Nacional de Estudos Demográficos (INED, França), publicou, em abril de 2014, um balanço bem próximo da realidade das perdas na Grande Guerra. Aqui está uma cópia desse documento com assinatura de François Héran, diretor do INED.
A Grande Guerra mobilizou um total de 65 milhões de homens, dos quais 8 milhões de franceses, e fez mais 8 milhões de mortos em combate assim distribuídos:
- 1,8 milhão de alemães,
- 1,7 milhão de russos,
- 1,4 milhão de franceses (dos quais 100.000 das colônias),
- 1,2 milhão de austro-húngaros,
- 908.000 britânicos (inclusive 150.000 oriundos da Commonwealth),
- 650.000 italianos,
- 335.000 romenos,
- 325.000 turcos,
- 150.000 sérvios,
- 117.000 americanos,
- 88.000 búlgaros.
Às mortes nos campos de batalhas somaram-se mais de 20 milhões de feridos e mutilados...
A França registrou o maior número de mortos em relação aos mobilizados (168 por 1.000) e em relação à população total (34 mortos por 1.000 habitantes, contra 30 na Alemanha, 19 na Áustria-Hungria ...), tendo o máximo de perdas ocorrido nos dois primeiros anos do conflito:
- 1914: 301.000 mortos,
- 1915: 349.000 mortos,
- 1916: 252.000 mortos,
- 1917: 164.000 mortos,
- 1918: 235.000 mortos.
Batalha por batalha
- Batalha das Fronteiras e do Marne (1914): 250.000 mortos,
- Ofensivas de Artois e de Champagne (1915): 232.000 mortos,
- Batalha de Verdun (1916): 221.000 mortos,
- Batalha do Somme (1916): 104.000 mortos,
- Ofensivas do Chemin des Dames e de Champagne (1917): 78.000 mortos,
- Ofensivas Alemãs da Primavera (1918): 107.000 mortos,
- Contraofensivas aliadas e Segunda Batalha do Marne (1918): 131.000 mortos.
Contra as ideias recebidas
Em meio dos oficiais recrutados entre os jovens melhor educados as perdas foram maiores que entre os homens da tropa (18,5% mortos entre os oficiais contra 16% entre os soldados); De fato, como eles eram os primeiros a deixar as trincheiras, eram também os primeiros a ficarem expostos ao fogo inimigo (41% dos alunos da Escola Normal Superior, na França, foram mortos nessas condições).
As tropas coloniais eram pouco numerosas em valores absolutos (meio milhão em um total de 8 milhões de homens mobilizados). Elas tiveram proporcionalmente um pouco menos de mortos que o conjunto das tropas, ou seja, cerca de 15% de seus efetivos contra 16% dos efetivos de soldados metropolitanos (deve-se ressaltar a essa altura que os belgas, de forma diversa dos franceses e britânicos, não engajaram na guerra indivíduos nativos de suas colônias).
No início da guerra, as autoridades, acreditando que esta seria de curta duração, mobilizaram todas as classes sociais sem distinção. Porém, a guerra se prolongou e passou a ser necessário assegurar o funcionamento dos transportes e das fábricas, o que levou à desmobilização parcial dos ferroviários, operários e mineiros. Os agricultores não tiveram direito a esses favores e foram as principais vítimas da Grande Guerra.
Sequelas duradouras
As sequelas econômicas, humanas e psicológicas da Grande Guerra pesariam durante várias décadas sobre os países beligerantes.
O norte e o leste da França, onde ocorreram as principais batalhas, foram arrasados e passaram por sérias dificuldades para saírem das ruínas. Muitas das cidades em todas as regiões do país jamais irão se recuperar da morte em combate de seus rapazes e da condenação ao celibato de muitas jovens (as “viúvas brancas”, da tradição indiana que ensinava que a viúva deveria ser enterrada junto com seu marido).
As populações civis foram relativamente pouco afetadas pela guerra. Porém, 4 milhões de viúvas de guerra e 8 milhões de órfãos levaram consigo, durante décadas, o luto pelos desaparecidos. Os civis assim como os combatentes, foram brutalmente atingidos por uma doença inesperada, a gripe espanhola, cuja propagação foi facilitada pelos movimentos de populações e pelo enfraquecimento físico das pessoas que se seguiu às privações de todas as sortes.
Vale notar que se a guerra levou ao progresso dos armamentos, com o surgimento dos veículos blindados e da aviação militar, ela também teve efeitos positivos, nomeadamente os progressos nas cirurgias reparadoras desafiadas a aliviar os efeitos dos danos conhecidos como “mandíbulas quebradas” (gíria da época para designar indivíduos que tiveram a face desfigurada, em número de 15.ooo somente na França).
A incorporação de homens sadios fez muitas mulheres ocuparem os postos vagos nas fábricas, favorecendo desta forma, sua emancipação (desde a época da guerra viu-se aparecer, nos bairros burgueses, uma nova figura feminina: “a moleca” – “la garçonne”, em francês).
Traduzido do Francês por A. Pertence