Os Congressos do Partido Comunista Chinês ocorrem desde 1921, quando Mao Zedong e mais 12 delegados haviam, então, recém-fundado dita associação política; nesta quarta-feira, 18 de outubro, teve início a 19ª edição do Congresso. Acompanhar os encaminhamentos oriundos desses encontros é importante por alguns motivos.
O Partido Comunista chinês é o partido dominante na política chinesa desde a Revolução de 1949. A despeito da abertura econômica e das reformas empreendidas desde 1978 e das expectativas ocidentais sobre a capacidade de sustentação de um partido forte com crescente liberdade econômica, a estrutura do PCCh ainda determina os rumos gerais da sociedade chinesa.
O Partido conta, hoje, com mais de 89 milhões de filiados e, neste congresso, contará com 2287 delegados que deliberarão sobre temas dos mais diversos. Ainda que a diversidade exista e o PCCh não possa ser considerado um todo monolítico, é bastante comum que as diretrizes adotadas nesses congressos sejam assimiladas pelo conjunto dos integrantes do partido e pelos ocupantes dos cargos administrativos. Acompanhar o debate intelectual chinês e confrontá-lo com os resultados dos congressos é uma forma de entender quais são as correntes de pensamento em alta e quais são aquelas que serão deixadas em segundo plano.
Outro aspecto importante das sessões de abertura dos congressos do PCCh é o fato de eleger os membros da cúpula do partido. Nessa ocasião são eleitos para os próximos cinco anos os cerca de 220 membros do Comitê Central, 25 membros do Politburo e, dentre esses, aqueles que poderão substituir os aposentados do Comitê Permanente do Politburo. É deste último grupo que saem os ocupantes dos mais altos cargos do governo chinês. A manutenção de Xi Jinping como secretário-geral do Partido e presidente do país e de Li Keqiang como primeiro-ministro e segundo nome no Comitê Permanente já é algo aguardado. Há, entretanto, outras vagas em aberto que Xi Jinping espera poder ocupar com aliados. A conquista de maioria no Comitê Permanente é importante para que as grandes decisões sejam tomadas de forma mais tranquila. No Politburo, a maioria facilita a continuidade da corrente política nos congressos seguintes, uma vez que os membros eleitos para o comitê permanente devem ser, antes, membros do Politburo.
O sucesso de Xi Jinping neste congresso é aguardado. Sua figura goza de grande prestígio tanto no partido quanto entre a população. Matérias jornalísticas estrangeiras a respeito de um culto à imagem do atual líder máximo chinês fazem referências constantes a personagens conhecidos como Mao Zedong e Deng Xiaoping. Do ponto de vista econômico, o último mandato de Xi recebeu bons olhares da população ao permitir e regularizar número maior de migrantes do campo para as cidades; aumentar a participação do consumo da população no crescimento da economia; promover avanço considerável em novas tecnologias entre outros temas que convergem para a chamada “nova normalidade”. A despeito de um arrefecimento, a economia segue crescendo e alterando-se qualitativamente.
Do ponto de vista internacional, seu último mandato ficou marcado por uma assertividade que destoa bastante das recomendações de Deng Xiaoping para que os chineses ocultassem seu próprio brilho. Os constantes discursos em favor do resgate do sonho chinês e a consideração, até pouco tempo rechaçada, da condição de potência em ascensão parecem ecoar os esforços de reconhecimento internacional que não se esgotam em Xi Jinping, mas que nele encontram seu porta-voz. Como exemplos, poderíamos lembrar dos Jogos Olímpicos de 2008, da ocupação de espaços em antigas instituições internacionais (OMC, FMI) e da criação de novas instituições (BRICS, Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura), bem como da Nova Rota da Seda, projeto de maior expressão internacional atualmente e que leva a marca de Xi Jinping enquanto defensor da globalização e da integração entre os países em tempos de recrudescimento político no centro capitalista.
As transformações na China são mais lentas do que a modernidade ocidental está habituada. Para um país que legou uma cultura burocrática milenar de organização do Estado, os planejamentos de longo prazo ocorrem de maneira mais fácil; mais fácil, ao menos, que em culturas políticas imediatistas que penam para ultrapassar o limite de um mandato governamental. Talvez por isso nos seja estranho que, diante de antigos e novos problemas sociais e ausência de uma democracia aos moldes ocidentais, a população ainda possa apoiar o representante máximo dessa estrutura.
Nos próximos dias, podemos esperar por anúncios de que reformas econômicas devem se aprofundar; empresas estatais deixarão de atuar ou abrirão alguns setores para concorrência da iniciativa privada; o sistema financeiro poderá ser alvo de menos dispositivos de controles. Contudo, o tratamento de choque que os mercados ocidentais esperam ao menos desde a década de 1990, certamente não virá. Por outro lado, os anseios da ascensão chinesa, embora um fato já reconhecido abertamente pelo governo, manterá sua trajetória de evitar os conflitos, promovendo sua diplomacia econômica, muito embora possamos esperar por uma voz mais forte para assegurar seus interesses e meios mais eficientes para garanti-los.
Deng Xiaoping aconselhou que o povo chinês tateasse as pedras conforme atravessavam o rio. Estar atento as correções de rumo do pragmático governo chinês é importante e os Congressos do Partido Comunista são um espaço privilegiado para isso. No entanto, para compreender a trajetória chinesa, é mais importante estar atento às suas transformações de longo prazo. Quiçá poderíamos aprender algo com o olhar de longo alcance do dragão chinês.
Gustavo Erler Pedrozo é Doutor em Relações Internacionais e Desenvolvimento pelo Programa de Ciências Sociais da Unesp de Marília.
- Gustavo Erler Pedrozo