Desde a campanha eleitoral Trump coloca a Índia  como prioridade de política externa. Logo após a posse, em conversa telefônica  com o primeiro-ministro Narendra Modi, o presidente apontou a Índia como  “verdadeira amiga” dos EUA e acentuou a disposição de trabalhar em conjunto no  combate ao terrorismo. Porém, cresce entre os indianos a percepção de que a  nova liderança de Washington trata seu país como amigo, mas não pensa o mesmo  de seus cidadãos.
  No início de fevereiro, o governo  norte-americano pediu ao Conselho de Segurança da ONU (CSNU) que Masood Azhar,  líder da organização fundamentalista islâmica Jaish-e-Mohammed (JeM), fosse  listado como terrorista global. O paquistanês é acusado de organizar atentados  na Índia, caso do ataque ao Parlamento em 2001 e à área militar de Nagrota, em  2016. O pedido dos EUA foi bloqueado pela China, interessada em manter a  simpatia de Islamabad, importante parceiro na região e peça fundamental em  projetos como a Rota da Seda. Nova Déli comemorou a iniciativa dos EUA em  questão sensível e delicada, inclusive pelos dividendos em termos de apoio  doméstico ao governo Modi.
  Todavia, no dia 22 do mesmo mês, dois indianos  residentes nos EUA, trabalhadores da Garmin, importante produtora de aparelhos  de GPS, foram hostilizados por um americano com ofensas xenofóbicas e baleados  em um bar de Olathe, no Kansas. O engenheiro Srinivas Kuchibhotla morreu e o  assassino, Adam Purinton, foi preso horas depois. Trump não se manifestou  prontamente e sua única censura à violência no dia foi sobre índice de  homicídios de Chicago. Somente dias depois, no discurso sobre o Estado da  União, fez uma referência ao caso, em meio a uma condenação a crimes de ódio.
  Os dois acontecimentos acentuaram a percepção  ambígua dos indianos sobre o governo Trump. É evidente que Washington aposta na  posição geográfica e nos interesses da Índia para combater o fundamentalismo  islâmico na Ásia Central e compor um dos pilares para enfrentar o peso  crescente da China. Contudo, cresce o temor de que o novo governo reduza  importantes programas de emissão de vistos para indianos interessados em  trabalhar nos EUA, com o objetivo de pressionar as empresas locais a contratar  cidadãos americanos.
  As tensões entre os dois processos colocam  dificuldades consideráveis para o governo Modi. Era forte a expectativa de que  o governo Trump abriria possibilidades atraentes para ampliar a parceria  estratégica com os EUA, com a ênfase em relações bilaterais, combate ao  terrorismo e à proliferação nuclear e iniciativas para contrabalancear o poder  crescente da China. Contudo, cresceram as preocupações com os efeitos do  nacionalismo exacerbado que Trump promoveu durante a campanha presidencial e  agora procura inserir nas políticas migratórias e comerciais. O governo indiano  receia a criação de fortes empecilhos para cidadãos e empresas indianas na  intensa expansão da interdependência entre os setores de serviços e de  informática dos dois países, que gera fluxos de capitais muito expressivos e  grandes possibilidades de desenvolvimento tecnológico para a Índia.
  Desde o final da Guerra Fria, Índia e Estados  Unidos foram se aproximando e as relações se intensificaram nos últimos anos.  Além de interesses diplomáticos que convergiram diante dos novos desafios e  interações do início do século XXI (segurança, política energética, controle da  proliferação nuclear), houve uma aproximação muito forte entre empresários dos  dois países.
  Há mais de dois milhões de indianos nos EUA,  com renda e escolaridade média acima da média nacional. Embora tenha crescido o  número de indianos ilegais nos EUA em busca de oportunidades, é considerável o  número de indianos que se instalam nos Estados Unidos para cursos de  pós-graduação ou para trabalhar como técnicos ou engenheiros em empresas de  alta tecnologia. Possíveis medidas de restrição à emissão dos vistos H1-B e L1,  concedidos a trabalhadores especializados contratados por empresas americanas  ou transferidos para os EUA, dificultariam a aproximação de empresas indianas  com centros de excelência científica nos EUA, além dos riscos de redução das  remessas dos emigrantes para suas famílias, valor que superou dez bilhões de  dólares em 2015. 
  Não se sabe como Narendra Modi lidará com as  ambiguidades de Trump. O novo governo é visto na Índia como parceiro mais  decidido no combate ao fundamentalismo islâmico, em especial ao alegado apoio  do Paquistão a organizações terroristas, bem como para enfrentar o temido  expansionismo da China. Porém, cresce o receio de que a orientação  antiglobalização da Casa Branca atrapalhe a política de Modi e de seu partido,  o BJP, de atrair investimentos e incentivar o grande contingente de jovens a se  especializar em informática e serviços.
  Para Modi, aprofundar as relações diplomáticas  com os EUA é primordial para os interesses indianos. Além de principais  defensores da legitimidade do programa nuclear da Índia, os americanos cooperam  com Nova Délhi em várias dimensões (ajuda humanitária, questões ambientais,  coprodução de armamentos). Porém, Modi terá que persuadir Trump a não adotar  medidas impopulares entre os indianos que constranjam as ações de seu governo  para ampliar as relações bilaterais. O triunfo eleitoral do BJP em 2014  reforçou a aproximação com Washington, construída lentamente depois do longo  distanciamento da Guerra Fria, quando a identidade da Índia independente se  mesclava com o não alinhamento e o terceiro-mundismo.
  O governo de Manmohan Singh, antecessor de  Modi, não conseguir conciliar esse movimento com as pressões internas. Pesou  muito a detenção da diplomata Devyani Khobragade em Nova York, em 2013, acusada  de manter uma empregada doméstica em condições análogas a escravidão. Modi terá  que sobrepujar os efeitos internos de questões dessa natureza, inclusive para  chegar com força nas eleições gerais de 2019, fundamentais para a continuidade  de seu projeto político.
 João Paulo Nicolini  Gabriel é mestrando do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais  San Tiago Dantas (PUC-SP, UNESP e UNICAMP).
  Carlos Eduardo Carvalho é professor da PUCSP, Departamento de Economia e Programa de Pós-Graduação em  Relações Internacionais San Tiago Dantas.

  




























