A reportagem é de Marco Politi, publicada no sítio do jornal Il Fatto Quotidiano, 18-01-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
É uma decisão que não representa uma simples transferência, mas constitui o placet da primeira potência do Ocidente à política do governo de Netanyahu de anexação de Jerusalém Oriental e uma aquiescência ao englobamento de territórios palestinos através das chamadas “colônias”. Tudo em contraste com a posição da grande maioria da comunidade internacional, resumida eficazmente na recente resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Francisco fala por sinais. Já por ocasião do tradicional encontro com o corpo diplomático, no dia 9 de janeiro passado, relançando o apelo urgente a um diálogo entre israelenses e palestinos para chegar a uma “pacífica coexistência de dois Estados dentro de fronteiras internacionalmente reconhecidas”, o papa tinha notado quase de relance que, ao longo de 2016, o Vaticano lidou com a plena implementação do Acordo Bilateral (Comprehensive Agreement) “com o Estado da Palestina”.
A relação fraterna de Bergoglio com o judaísmo é de antiga data. Francisco é o único pontífice que já pregou (como bispo) uma meditação em uma sinagoga judaica: a sinagoga de Buenos Aires, do seu amigo rabino Abraham Skorka. Mas o pontífice também é – como João Paulo II – um líder muito consciente da realidade geopolítica e do fato de que resolver a questão palestina com anexações sucessivas baseadas na pura força das armas – como desejado pelos extremistas nacionalistas e pelos fanáticos fundamentalistas do partido dos colonos, que “ditam a agenda” ao governo Netanyahu (copyright do último discurso do secretário de Estado estadunidense, Kerry) – não vai fazer bem nem a Israel, nem aos palestinos, nem ao Oriente Médio.
O marco simbólico que Francisco quis colocar antes da decisão de Trump consiste em frisar que a Palestina já é um Estado, aliás, admitido nas Nações Unidas como “Estado observador” em novembro de 2012 com 138 votos a favor, nove contrário e 41 abstenções. Não cabe a Israel decidir se a Palestina tem direito de ser um Estado, nem como deve ser, nem quais são os seus territórios. Isso, naturalmente, se se quiser seguir o caminho do direito. Se contar a lei do mais forte, será outra história. Mas a história ensina que a violência produz violência.
Não há dúvida de que Israel é a única democracia no Oriente Médio ou, melhor, uma grande democracia em funcionamento, capaz de submeter a rigorosas investigações policiais até mesmo os próprios presidentes e primeiros-ministros, se acusados de crimes. Mas uma democracia – como recordam as histórias da ocupação francesa da Argélia – também pode ser opressiva contra outro povo.
Há um ponto histórico fundamental que os nacionalistas e fundamentalistas religiosos em Israel fingem ignorar, cegados pela presunção de poderem dispor da terra da Palestina à vontade, quase em nome de um mandato divino: Jerusalém Oriental e Cisjordânia não são israelenses, porque os árabes, os muçulmanos não são gente de passagem, hóspedes ilegais naquela que popularmente chamamos de “Terra Santa”.
Jerusalém e a Palestina fizeram parte de um Estado muçulmano de 637 d.C. até o fim da Primeira Guerra Mundial. Mil e trezentos anos, mais do que o triplo da existência política dos antigos Estados da Judeia e da Samaria. O espaço geopolítico da Terra Santa, portanto, é necessariamente um espaço compartilhado, onde a única regra não pode consistir em uma suposta “herança” divina, mas apenas no bom senso do direito internacional. E o direito internacional já definiu as fronteiras entre Israel e Palestina.
Francisco deixou a sua marca antes que Trump implemente a sua decisão potencialmente subversiva do equilíbrio sobre o qual se baseia a “solução pacífica dos dois Estados”.
Muito vai depender agora da atitude da Europa. Não há dúvida de que, sob pressão estadunidense, poderá haver nações europeias dispostas a se somar e a não perturbar mais o manipulador Netanyahu, que conseguiu superar com sucesso os oito anos do governo Obama, sabotando toda retomada autêntica das negociações de paz.
O Velho Continente tem uma dívida com Israel depois da tragédia da Shoá: garantir a existência do povo judeu na sua pátria reencontrada. É uma dívida de honra que diz respeito às suas fronteiras internacionalmente reconhecidas. Mas não terras arrancadas de outros.